O ministro da Justiça, André Mendonça, enviou um e-mail aos deputados federais com uma moção de repúdio ao Projeto de Lei 399/15, que legaliza o plantio de Cannabis para fins medicinais e industriais no Brasil. O documento foca basicamente nas questões do tráfico de drogas e usa informações falsas ou distorcidas para contestar o uso medicinal da planta.
O documento, aprovado pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, foi revelado nesta terça-feira (29) pelo jornal Folha de São Paulo. Ele lista diversos motivos contrários ao plantio, entre eles que o aumento de uso medicinal de Cannabis flexibilizou o controle do uso adulto em outros países e que a planta possui resultados terapêuticos “pífios”. O ministro chega a citar até o tráfico de cocaína, mas em nenhum momento usou a palavra “paciente”.
Segundo a Folha de SP, os emails do Ministério passaram a ser enviados dias após a apresentação do substitutivo de Luciano Ducci (PSB-PR) na Câmara, no começo de setembro. Ao jornal, o deputado classificou os argumentos da moção como “ideológicos” e apontou interferência indevida em debate do Legislativo.
O ministro cita um documento do Conselho Federal de Medicina, que alega que a Cannabis possui “mais de 400 moléculas, e que há alguma evidência da eficácia terapêutica no uso restrito de apenas uma – o canabidiol, e que tal substância pode ser obtida de forma sintética”. A informação, no entanto, é falsa, já que existe vasta literatura médica que comprova também as propriedades medicinais de outros componentes da planta, entre eles o THC. Inclusive o único medicamento registrado no Brasil pela Anvisa, o Mevatyl, tem concentração maior de THC do que CBD.
O ministro também alegou que o “plantio legal da Cannabis para fins medicinais e para a produção industrial pode, facilmente, encobrir o plano da Cannabis destinado ao tráfico de drogas para fins entorpecentes”. A afirmação é apenas especulativa. O fato é que, desde 2016, quando começaram as primeiras decisões judiciais para cultivo de fins medicinais, não há nenhuma denúncia de que ONGs e pacientes autorizados a cultivar maconha tenham desviado a produção para o tráfico.
A defesa do uso sintético também não se sustenta, pois já existem milhares de estudos sobre a eficácia terapêutica da Cannabis natural, enquanto que a versão sintética carece de pesquisa sobre sua eficácia e segurança. Além disso, a versão sintética do CBD exclui terpenos, flavonoides e demais canabinoides que também possuem propriedades terapêuticas.
O ministro cita ainda a “inexistência de consenso na comunidade internacional sobre as propostas de alteração das regras de controle internacional da Cannabis, que importou no adiamento da 63ª sessão da Comissão de Drogas e Narcócos (CND) da ONU que trataria do tema”. De fato existe falta de consenso, o que fez a ONU adiar a sessão. Porém, a comissão recomendou regras mais brandas para o comércio de produtos com Cannabis, e a reunião está agendada para dezembro desse ano em Viena. Caso as recomendações sejam aprovadas pelos países membros, isso poderá significar um comércio mais livre de medicamentos derivados da Cannabis no mundo e iniciar mudanças legislativas em diversos países. O Brasil, é claro, já anunciou seu voto contrário a todas as propostas.
Leia a moção de repúdio do Ministro da Justiça ao PL 399/ aqui.