TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e impulsividade) é o transtorno neuropsiquiátrico mais estudado nas últimas décadas. Os sintomas geram um prejuízo significativo nas habilidades cognitivas do indivíduo, ou seja, a pessoa possui uma enorme dificuldade em regulação emocional, planejamentos, organização, dificuldade em gerir seu tempo em atividades cotidianas, hiperatividade mental e física. Oscilações de humor e alterações sensoriais também são características que podem gerar irritabilidades e fadiga, na maioria das vezes.
Para quem já está habituado com o tema, é fácil fazer a relação do TDAH com sintomas impulsivos e vícios. Mas se você, leitor, nunca ouviu falar sobre TDAH, entenda que é uma condição de saúde na qual a pessoa possui um funcionamento cerebral baseado em recompensa imediata, caso contrário, a frustração é enorme. São pacientes com alta probabilidade de serem compulsivos ou tendências à adicção, como doces, álcool, cigarros, pornografias, café, cocaína e maconha – pra facilitar a leitura e entendimento, nesta coluna a palavra maconha sempre será relacionada como um quimiotipo de cannabis com alta concentração de THC usada de forma recreacional, ok?
Pois bem, a relação TDAH e maconha é antiga; geralmente os livros e as pesquisas fazem ligação com vício e prejuízo pelo uso recreacional, mas desde os anos 2000, isso vem mudando. Sabemos que o consumo de maconha por indivíduos com TDAH é altíssima; parte desses indivíduos, relatam que a sensação de relaxamento – a famosa “brisa” – não é a única coisa que ocorre, mas também um efeito de disposição, esvaziamento mental, foco e diminuição do tempo de procrastinação, embora o ato de fumar maconha não seja uma forma de tratamento e não indicada por profissionais (falaremos mais sobre isto em outro momento).
A partir desta observação e dos estudos massivos que já vinham acontecendo sobre o uso dos canabinóides nos transtornos neurológicos, os cientistas iniciaram investigando se os efeitos terapêuticos da cannabis medicinal poderiam auxiliar no TDAH; mais que isso, os cientistas procuraram saber se o TDAH estava relacionado com algum desequilíbrio no nosso sistema endocanabinoide (SEc) – pra quem chegou de paraquedas, sugiro ler sobre SEc aqui.
Uma pesquisa publicada na revista American Academy Neurology em 2009, comandada pela equipe do Dr. Centonze, sugere que os pacientes com transtorno de déficit de atenção possuem uma deficiência genética na metabolização de um endocanabinóide – Anandamida (AEA) – devido a diminuição de uma substância, chamada de FAAH
Vamos entender melhor:
- É sabido que o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade está ligado com a falta ou desequilíbrio da substância neurotransmissora Dopamina em nosso cérebro;
- Também sabemos que a Dopamina e receptores dopaminérgicos possuem relação direta com o SEc e Anandamida no que tange a regulação dos neurotransmissores envolvidos;
- Este SEc é basicamente composto de mensageiros (AEA e 2-AG) e receptores (CB1 e CB2), mas existem substâncias que auxiliam no equilíbrio e qualidade das funções desses mensageiros como a substância FAAH;
- A FAAH têm a função de metabolizar a Anandamida, logo se o seu organismo apresenta uma baixa quantidade de FAAH por fatores genéticos, você certamente apresentará problemas com a metabolização da Anandamida.
Podemos concluir então, que este estudo sugere que a partir de uma falha de metabolização da AEA haverá uma desregulação nos processos das vias dopaminérgicas com a desregulação de dopamina. E, fazendo um adendo, isso ocorre com outros transtornos dopaminérgicos, como Parkinson e Esquizofrenia, visto que o SEc acompanha o sistema dopaminérgico.
Voltando ao estudo, de forma simples e direta, Dr Centonze coletou amostras de sangue, aproximadamente 12 mL, de 15 pacientes com e sem TDAH na faixa de 6 a 13 anos; os pacientes com TDAH nunca haviam tomado psicoestimulantes como Ritalina. No fim do estudo, foi verificado que os pacientes com TDAH apresentaram diminuição considerável de FAAH no seu organismo.
Então, podemos dizer que a causa do TDAH é a falha do sistema endocanabinóide? Não, vamos pisar um pouquinho no freio… O TDAH é multifatorial, ou seja, sua causa envolve diversos fatores, portanto não dá pra dizer que toda culpa pode ser atribuída a este problema genético o qual gera a falta do FAAH e alteração da metabolização da AEA. No momento, o que podemos afirmar é que, sim, existe uma conexão entre TDAH e desequilíbrio do sistema endocanabinóide.