STF pode descriminalizar o porte de drogas no país
A presidente da Corte marcou o julgamento, que está parado desde 2015, para dia 24 de maio
Depois de oito anos engavetado, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento do Recurso Extraordinário 635.659, que propõe revogar o artigo 28 da chamada Lei de Drogas (11.343/2006). O dispositivo criminaliza o porte de entorpecentes para consumo no país. Em outras palavras, com esse julgamento, o STF pode descriminalizar o porte de drogas no Brasil.
A presidente do STF, Rosa Weber, pautou o assunto para a próxima quarta-feira, dia 24 de maio. Até agora, dos 11 ministros, três votaram pela descriminalização do usuário. São eles: o relator, Gilmar Mendes e os ministros Edson Fachin e Luis Roberto Barroso.
Posse de drogas é crime no Brasil
Em 2015, a Suprema Corte começou a julgar o Recurso interposto pela Defensoria Pública de São Paulo em favor de Francisco Benedito de Souza. Em 2010, a justiça condenou o homem a prestar serviços comunitários por portar três gramas de maconha.
A ação argumenta ser inconstitucional a criminalização de condutas que dizem respeito à intimidade e à vida privada, direitos que o artigo 5º da Constituição Federal – a lei maior resguarda.Em 2018, o ministro Alexandre de Moraes liberou a pauta que estava suspensa desde setembro de 2015, quando o então ministro Teori Zavascki pediu vistas do processo.
Posse de drogas pode ser decriminalizada no Brasil
Apesar de a posse de drogas, teoricamente, não ser punível com prisão, é considerada crime pela Lei 11.343/2006. Nesse sentido, a polícia tem a obrigação de conduzir o usuário à uma delegacia ou juízo competente para registro de termo circunstanciado, seguindo o rigor da lei, explica a advogada Thais Saraiva.
Ao usuário pego em flagrante, cabe advertência sobre os efeitos das drogas e prestação de serviços à comunidade. Além disso, medidas educativas podem implicar comparecimento a programa ou curso de conscientização. Por fim, ainda cabe ao juiz determinar tratamento especializado e internação, detalha a advogada.
Mesmo que a Lei de Drogas não exija prisão do usuário, o parágrafo 2º não esclarece os critérios para diferenciar traficante de consumidores. Muitos usuários, principalmente os menos favorecidos, acabam sendo enquadrados como criminosos, afirma Saraiva. Na lei, o texto diz que:
“Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”.
Prisões superlotadas
Como consequência dessa mudança na legislação, o número de prisões teve um incremento significativo. A população mais impactada foi de negros, jovens e pobres, portando pequenas quantidades de entorpecentes.
Um relatório da organização, Human Rights Watch revela que, em 2005, 9% dos presos no Brasil foram detidos por crimes relacionados ao porte de drogas. Quase 20 anos depois de sancionada a Lei de Drogas, esse número chega a 30% dos encarcerados, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais.
Para a ONG, a falta de clareza na legislação é o motivo da condenação de centenas de usuários como traficantes. Consequentemente, temos uma superlotação do sistema carcerário.
Com a ação liberada, o julgamento no STF pode beneficiar milhares de pessoas que foram presas por portarem pequenas quantidades de droga no país.
Avaliação de especialistas

Na visão de especialistas, uma decisão da Suprema Corte sobre esse assunto, vai impactar diretamente na atual política de drogas do país.
No que diz respeito às populações periféricas e guerra às drogas, esse julgamento pode ser um marco histórico no país, prevê o advogado Ladislau Porto, que atua com associações e pacientes da Cannabis.
“Por omissão do Legislativo, o Judiciário pode facilitar o acesso ao remédio para milhares de pessoas e ainda tratar sobre o tema do encarceramento de pessoas negras e de periferias no Brasil de forma mais justa. De fato, é a discussão sobre a maconha, na sua forma mais ampla”, analisa Porto.
O julgamento avança?
Já a expectativa do advogado, fundador da Rede Reforma, Emílio Figueiredo, é se o julgamento realmente vai seguir até o final, ou se haverá algum pedido de vista – ou ainda, retirada de pauta.
“Se o STF reconhecer a constitucionalidade, os proibicionistas poderão avançar com suas pautas, com os diversos projetos de lei de endurecimento da política de drogas no Legislativo, além de todos os efeitos social da criminalização do usuário”, avalia.
Por outro lado, reconhecerem a inconstitucionalidade da criminalização do usuário, novas possibilidades de avanços na pauta da reforma da política de drogas poderão sair do papel, avalia Figueiredo.
“No entanto, é importante que a decisão seja bem modulada pelo STF. Isso porque há o risco de autoridades do sistema de justiça criminal apenas aplicarem os artigos de tráfico para quem for flagrado portando substâncias, plantas e fungos prescritos”, alerta.