Ministério da Saúde nega dados públicos sobre os gastos do SUS com Cannabis Medicinal
A Lei de Acesso à Informação Pública – LAI (12.527/2011), é uma legislação federal que permite a qualquer pessoa, seja física ou jurídica, solicitar informações produzidas nos órgãos públicos tanto na esfera municipal, estadual como na federal. No Brasil, o direito de acesso à informação pública está previsto na Constituição Federal de 1988, no inciso XXXIII do Capítulo I – dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos que diz:
“Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Muito embora o direito de acesso esteja previsto na Lei Maior, na Lei 12.527/2011 e no Decreto 7.724/2012, os órgãos públicos se amparam numa brecha jurídica para negar o fornecimento de informação pública, sob o pretexto de que o levantamento requer trabalho adicional. Por duas vezes, o Ministério da Saúde se recusa a informar gastos públicos sob essa alegação. A última recusa foi em novembro de 2022. Por meio da Lei foi solicitado ao Ministério da Saúde três perguntas objetivas:
– Quanto o Governo Federal gasta anualmente com a compra do remédio canabidiol?
– Do total gasto com a aquisição do remédio, quanto é pago por meio de judicialização de demandas?
– Quais estados do país recebem o canabidiol por meio de políticas públicas via SUS?
Na justificativa para sustentar a negativa, o Ministério da Saúde alegou que: “Tal solicitação não será atendida, tendo em vista que este Departamento não dispõe de uma sistema de base de dados que possibilitem a extração dos dados solicitados, uma vez que, as decisões judiciais são cumpridas independente da necessidade de realização de controle ou filtro por tipo de medicamento/componente; e que para produzir estes dados manualmente seria um trabalho desproporcional, implicando no deslocamento de servidores das suas atribuições rotineiras e, ainda, exigiria um trabalho adicional de análise e consolidação dos dados coletados”, argumenta o órgão na resposta.
Para embasar o descumprimento à Lei de Acesso, o Ministério da Saúde cita o inciso II e III, do Art. 13, do Decreto que regulamenta a Lei. O dispositivo afirma que “Não serão atendidos pedidos de acesso à informação: desproporcionais ou desarrazoados; ou que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados e informações”.
O advogado constitucionalista, Diego Nunes, afirma que é lamentável a falta de políticas públicas para tratar dados e torná-los disponíveis e públicos para a sociedade.
“A reportagem é objetiva quando pergunta quanto o SUS gasta com a compra de canabidiol por ano. Esse dado deveria estar sistematizado e disponível para o administrador público. A outra pergunta diz respeito às políticas públicas de fornecimento de canabidiol. Pela resposta, o Ministério da Saúde parece não conhecer as próprias políticas públicas de saúde que coordena e para onde os recursos são destinados. Isso é muito grave. O problema é que o decreto que regulamenta a LAI abre essa lacuna de recusa. É a brecha para regulamentar a negativa”, critica o jurista.
É importante relembrar que em agosto desse ano o Ministério da Saúde encaminhou dados sobre a judicialização de acesso ao canabidiol no Distrito Federal ao Portal Cannabis & Saúde. Os dados foram solicitados via Lei de Acesso e órgão, na ocasião, não fez qualquer menção à possibilidade de os dados serem sensíveis por fazerem parte de ações judiciais. Com as informações repassadas à reportagem. com exclusividade, foi revelado que, entre 2015 e abril de 2022, a pasta atendeu à 128 demandas de ações judiciais de pacientes do DF. Ao longo desse período, 14 empresas estrangeiras e uma nacional forneceram produtos com canabinoides em diferentes concentrações, formatos e valores distintos, aos pacientes que buscaram a justiça para obter o medicamento via SUS.
Em resposta à solicitação, a Coordenação-Geral de Gestão de Demandas Judiciais em Saúde do Ministério da Saúde, inclusive, encaminhou uma planilha com o nome das 14 empresas fornecedoras, os valores e as quantidades adquiridas pelo Sistema Único de Saúde. Apesar de o órgão fornecer os dados do DF em agosto, recusou informar os gastos dos demais estados do país, alegando que o levantamento seria trabalho adicional.
Para o advogado Nunes, a Lei de Acesso à Informação Pública é clara quando diz que os Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, Judiciário, Ministério Público, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista devem prestar contas dos recursos públicos. “Os procedimentos previstos na Lei servem para assegurar o direito fundamental de acesso à informação como preceito geral. O sigilo é a exceção. Os órgãos públicos têm obrigação de divulgar informações de interesse público quando há recurso público envolvido, independentemente de solicitações. A transparência precisa estar presente na essência da administração pública”, conclui o jurista.