O bate-papo dessa semana no quadro “O CEO Responde” é com o suíço Lukas Fischer, cofundador e desenvolvedor global de negócios da Zion Medpharma. A Zion é uma empresa brasileira que faz parte do seleto grupo de farmacêuticas com autorização da Anvisa para vender produtos à base de Cannabis nas drogarias do Brasil. De acordo com o executivo, o extrato – que utiliza matéria-prima importada da Suíça – já está nas prateleiras das farmácias de todo país a um custo mais acessível. O executivo com MBA em Economia e Gestão Internacional pela University St. Gallen acumulou expertise na indústria farmacêutica, assim como no setor de produção de suplementos nutricionais no Brasil. Fisher ajudou a fundar várias empresas FMCG (Fast Moving Consumer Goods ou produtos de giro rápido) e de suplementos nutricionais no Brasil, além de ter atuado como gerente de produto e marketing da Nestlé International. Agora, à frente da Zion Medpharma, Lukas conta um pouco sobre a sua visão de mercado e os novos projetos envolvendo Cannabis e suplementação alimentar. Confira!
A Zion Medpharma entrou com força total no mercado brasileiro da Cannabis. O produto da Zion Medpharma (com canabinoides) já chegou nas farmácias?
Sim! O nosso primeiro produto já está sendo vendido nas farmácias pelo valor de R$ 379,00. O extrato contém, na composição da sua fórmula, a extração completa de 200 mg/ml. São 2.000mg de fito complexos e 500 mg de canabidiol (CBD) em 10ml, entre outros como terpenos e flavonoides, o que dá origem ao nome da extração e denominação “full spectrum” deste produto. Entramos no mercado já para atender grandes pedidos no mês de agosto. Nosso produto já está cadastrado na Abraframa (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias) e está sendo distribuído para todo país. Esse produto chega ao médico e paciente como uma alternativa ao CBD isolado que hoje já está disponível nas drogarias por meio da Prati Donaduzzi. Há estudos científicos comprovando que a eficácia do chamado “full spectrum” é três vezes maior do que o CBD isolado, como prevê o efeito comitiva de todos os canabinoides atuando de forma conjunta. O nosso modelo de negócio é regido pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 327 da Anvisa. Não temos foco na RDC 660, que prevê a importação de medicamentos à base de Cannabis por meio da importação. Mas entendemos que esse modelo da 660 vai coexistir com o 327. O nosso foco é a farmácia. O coração do nosso negócio é a relação paciente médico e a triangulação na farmácia.
Qual é a demanda esperada?
Para se ter uma ideia, a maior rede de farmácias do Brasil teve um crescimento de 350 % entre janeiro e julho desse ano no “sell out” de produtos de CBD. Ainda há poucos players. Mas há uma tendência de crescimento vertical das compras nas farmácias. Hoje, o uso compassivo, por meio de importações, representa 70% do mercado junto com as associações. Entendemos que haverá um “shift” de 10 a 15% nesse mercado. A nossa projeção é representar nas farmácias de 70 a 80% do mercado de canabinoides no Brasil até 2024. Cerca de R$ 420 milhões em vendas. Só nas farmácias, esperamos vender R$ 350 milhões de reais no modelo da RDC 327. Aí, veremos quantos players vão estar operando para dividir o bolo. É muito imaturo falar em um número exato. Tenho previsão de venda. Buscamos o marketshare de 20 a 25% no mercado. Queremos ser referência em extratos vegetais full spectrum da Cannabis. É a nossa ambição e objetivo. Hoje, a Prati Donaduzzi ainda domina o mercado do CBD isolado, queremos trabalhar a vertente do efeito comitiva e estimular a comunidade médica prescritora a entender esse processo, o que é outro grande desafio. Para o paciente comprar um extrato vegetal de Cannabis nas farmácias, ele precisa de receita azul. Isso ainda é um grande empecilho. Agora, se o paciente for importar pela RDC na 660, a receita exigida é a branca. Não faz sentido. Acredito que isso deve entrar na revisão da 327, por ser uma contradição. Pela 660 se pode trazer um produto de alto THC (tetrahidrocanabinol), sem estudo de estabilidade. E pela RDC 327, é exigida autorização sanitária comprovando segurança e eficácia com estudo de estabilidade. Acredito que essa exigência vai cair. Principalmente no que diz respeito aos extratos vegetais de Cannabis Sativa. O fato de o nosso produto ser um fitoterápico gerou dúvidas até na própria Anvisa sobre como classificar nosso extrato.
Como a empresa avalia a entrada de novos medicamentos no mercado? A Anvisa já autorizou a comercialização de 19 produtos nas drogarias. A concorrência é algo saudável para esse mercado da Cannabis?
É muito positiva essa liberação gradual. Mas a Anvisa estabeleceu uma barreira de entrada muito alta. Precisamos apresentar estudos de estabilidade em três lotes, limitando o teor de THC. São muitas as exigências. O fato é que existe uma demanda crescente por esse tipo de tratamento. Os pacientes se mostram satisfeitos. Ninguém morreu… (risos). Acredito que dentre em breve o nível de exigências será menor e gradualmente relaxado. Pelo menos, apostamos nisso. Entendo que a oferta vai aumentar, mais empresas conseguirão se posicionar, emplacar seus produtos… E com o aumento da oferta, os preços vão cair. Quem ganha é o paciente! Vejo um crescimento expressivo de quem atuar por meio da RDC 327. Na minha visão, quem trabalhar com produtos para farmácia vai ganhar importância, principalmente com a atualização das regras da Anvisa. Hoje, quem importa pela RDC 660 tem acesso à vários produtos e nichos, como apresentações tópicas, que a priori, pela RDC 327 ainda não é permitido. Há de se ter uma equiparação entre as formas de atuação no mercado da Cannabis até para tornar a concorrência saudável e competitiva.
Hoje, qual é o tamanho do mercado nacional na avaliação do senhor?
O mercado da Cannabis para fins médicos no Brasil movimentou cerca de R$ 120 milhões reis em 2021, de acordo com a nossa percepção. É importante dizer que os números que chegam a bilhões fora do Brasil também envolvem o mercado recreativo. Com a demanda crescente, a nossa previsão é de que o mercado medicinal da Cannabis no Brasil movimente mais de R$ 420 milhões de reais em 2024.
Qual é o perfil do paciente brasileiro?
Está difícil fechar um perfil específico. O nosso extrato vegetal de 200mg/ml não se encaixa em todas as patologias. Precisamos escolher o perfil onde o nosso produto se encaixa. Então, o nosso produto tem sido prescrito para dor, traumas pós pandemia com insônia, ansiedade e depressão. Doenças modernas que atingem de forma significativa um perfil jovem, moderno, que faz muita coisa ao mesmo tempo e é muito demandado. A partir de 2023, após a revisão da 327, nós teremos uma visão mais clara de onde iremos nos posicionar e quais decisões serão tomadas no sentido de desenvolver novas formulações. Entendemos que o caminho é trabalhar com produtos registrados e vendas em farmácia. Vamos aguardar esse momento e avaliar a receptividade do nosso produto no mercado.
Hoje, qual é o produto carro-chefe da Zion? A empresa estuda a possibilidade dispensar outros tipos de canabinoides como o CBN, CBG, CBC…?
O CBD full spectrum. Queremos diversificar a nossa linha de produção com maiores concentrações de CBD e THC. Queremos ter a linha mais completa do mercado no futuro. Para começar, precisamos fornecer pesquisas e estudos de estabilidade que atendam às exigência da Anvisa. Em 24 meses, esperamos ter uma gama bastante variada de produtos.
Quais são as pesquisas que a Zion vem desenvolvendo nesse momento relativas à Cannabis?
Estamos desenvolvendo as pesquisas de estabilidade de fases 1 , 2 e 3 no Brasil, todos exigidos pela Anvisa. Primeiramente, queremos observar a aceitação desse produto que chega às farmácias, essa é a condição “sine qua non” (indispensável) para pensar nos próximos passos.
Qual é o maior desafio de empreender hoje – em Cannabis – no Brasil?
A barreira regulatória ainda é muito grande. O “time to market” é muito longo. Até para indústria farmacêutica é tempo demais. Muitas exigências, autorizações sanitárias… Isso consome capital e tempo, o que deixa o preço do produto mais caro lá na ponta. A dificuldade de empreender em Cannabis no Brasil é muito maior do que em outros mercados como dos Estados Unidos, Europa e Canadá. Naqueles países os produtos de CBD são considerados suplementos. As pessoas compram nos supermercados, sem receita. Além da regulação, outro entrave é a necessidade de geração de demanda e a visitação médica. Esse trabalho custa caro, demanda tempo. Então, complica ainda mais esse modelo de negócio. Por outro lado, preserva o mercado. Há quase três anos a RDC 327 foi publicada e apenas três marcas relacionadas à Cannabis estão nas farmácias. Se o controle fosse menor, teríamos pelo menos 100 marcas vendendo CBD em qualquer canal de venda e sem qualquer controle de qualidade. Esse nível alto de exigência tem os seus prós e os seus contras.
Quantos empregos diretos e indiretos a Zion gera no Brasil e fora do país?
No Brasil temos 40 funcionários registrados com carteira assinada. O plano é contratar mais nos próximos dias com a chegada dos produtos nas farmácias. Pretendemos dobrar e chegar a 80 funcionários até o final de 2023. Nosso foco é no médico e não no paciente. Temos entre os sócios fundadores o Dr. Cláudio Lottenberg, médico oftalmologista, presidente do conselho do Hospital Alberto Einstein, o Dr. Dirceu Barbano, que é ex-presidente da Anvisa, o Dr. Luís Otávio Caboclo, médico neurologista e professor da faculdade de Albert Einstein. Eu sou o único que não é médico. Precisamos disseminar o conceito do Sistema Endocanabinoide. Essa é a nossa missão, é nosso objetivo, fomentar o mercado. Desmitificar a questão de droga e tráfico. Temos uma parceria com a Nestlé Health Science que hoje faz esse trabalho de visitação da comunidade médica. Entendemos que a Cannabis deveria ser considerada um suplemento alimentar e não um remédio de tarja preta. Mas precisamos nos adaptar às regras do jogo.
Hoje, já se fala em medicina “on demand”. As farmácias de manipulação são importantes nesse cenário? A empresa tem perspectiva de atuar nesse nicho?
Hoje, há muitos testes genéticos envolvendo o Sistema Endocanabinoide, só não sei até onde há evidências científicas. Eu conheço a iniciativa de pessoas renomadas. Mas ainda não há evidência científica relevante sobre esse tipo de prática. Sobre as farmácias de manipulação, entendo que devem atender às mesmas regras da indústria farmacêutica. Porque nós precisamos realizar estudos para comprovar a estabilidade em vitro em três lotes iguais. Por que a farmácia de manipulação não precisa cumprir isso? Eu questiono isso.
Como trabalhar propaganda e informação sobre a Cannabis sem violar as regras que limitam esse tipo de ação?
Entendo que a revisão da RDC 327 vai rever essa questão. Como eu vou oferecer um produto, se eu não posso mostrar? É muita restrição. Nós não podemos colocar uma foto do produto nas feiras. Todo mundo tem medo de ser multado. É um desafio trabalhar com tanta restrição.
Existe a previsão de fornecer formação continuada aos médicos brasileiros?
Sim. Temos um conselho científico em parceria com a Nestlé que cuida dessa agenda científica promovendo jantares, feiras e seminários. Ainda é preciso evangelizar, falar sobre o Sistema Endocanabinoide. Nesse mercado precisamos gerar demanda junto à comunidade médica para conversão das receitas nas farmácias.
Se, hoje, o senhor pudesse fazer um pedido à Anvisa qual seria ele?
Permitir uma receita branca para produtos de canabidiol com THC limitado nas farmácias também. Se isso ocorresse poderíamos trabalhar com o e-commerce e aumentar o acesso de pacientes ao tratamento com canabidiol. Também pediria para que a Anvisa liberasse outras formas farmacêuticas da Cannabis dentro da Resolução 327.
Qual é o grau de satisfação do senhor em relação à regulamentação sobre Cannabis existente hoje no Brasil?
Vejo que é importante estabelecer uma regulação rígida, mas as regras impostas pela Anvisa são muito duras. A regulação, na minha visão, poderia e deve ser aperfeiçoada.
O cultivo em solo brasileiro pode baratear o produto?
Sem dúvida! Com o cultivo em solo brasileiro o preço do produto cai em pelo menos 25%. É matemática. Eu pago “x” francos suíços para comprar a matéria-prima na Suíça, ainda preciso arcar com toda a carga tributária que chega a 45% do meu custo de produção. É Imposto de Importação, frete aéreo, seguro da mercadora, além do PIS, Cofins… O cultivo em solo brasileiro encurtaria esse processo e consequentemente tornaria o produto mais barato para o paciente, facilitando o acesso e democratizando o tratamento para outras classes sociais.
O que falta para o mercado brasileiro expandir na opinião do senhor?
A oferta, primeiramente, precisa aumentar. Hoje, há toda uma complexidade envolvendo a Cannabis. O paciente precisa ir ao médico e receber uma prescrição azul para comprar o produto na farmácia. Se for o uso compassivo por meio da importação, a receita é branca, mas demora mais de 20 dias para chegar. O frete, às vezes, é mais caro do que o produto, ainda precisa de autorização de importação da Anvisa. Para mim, é só uma questão de tempo e esse mercado vai estourar. Agora para deslanchar, precisa avançar em questões regulatórias e geração de demanda. Minha previsão é de um crescimento exponencial nos próximos anos.
O que não pode faltar no empreendedorismo canábico?
Quem melhor souber engajar o médico prescritor, dará um salto à frente. Para mim, precisamos focar em quem prescreve. Esse é o principal desafio dentre as coisas que não podem faltar no empreendedorismo canábico. Registrar o produto na Anvisa, trazer o insumo, lidar com as burocracias e impostos de importação, tudo é “relativamente fácil”. Mas, tocar a classe médica, mostrar que a medicina canabinoide pode auxiliar no tratamento de enfermidades, isso é o principal. Afinal, não é possível comprar o produto sem a receita. E a receita digital não é válida, precisa ser física. Esse é o maior desafio e não pode faltar o engajamento médico.
O que motivou a empresa a investir no mundo da Cannabis?
Eu tenho uma empresa de alimentos, a Naturelab, que possui um pequeno laboratório de suplemento alimentares. Lá fora, os canabinoides são vistos como suplementos alimentares como eu disse antes. Eu acredito que essa categoria um dia chegará mais próxima de um suplemento, por ser um produto natural. A Zion está se juntando à Naturelab para se transformar na primeira e única empresa a vender Cannabis medicinal junto com suplementos endógenos nas farmácias. Estamos falando de completos alimentares que melhoram o funcionamento do Sistema Nervoso Central. Um exemplo é a associação de CBD com melatonina para indução do sono. A melatonina é liberada como um suplemento alimentar. Além do portfólio de Cannabis, estamos desenvolvendo suplementos que possam reforçar os benefícios quando associados aos fitocanabinoides, não só estimulando os receptores CB1 e CB2, mas também fortalecendo o sistema imune, o sistema nervoso central e digestivo. Em novembro, estaremos lançando 12 suplementos endógenos, que atuam na estimulação dos receptores CB1 e CB2 ajudando o corpo a promover a homeostase corporal, que é esse equilíbrio de dentro para fora. São substâncias bioativas como os aminoácidos, os minerais, e as fibras. Nosso posicionamento a curto prazo é esse. Um produto na frente do balcão e outro atrás do balcão das farmácias.
Como que a empresa se vê daqui a 5 anos? E em 10 anos, onde quer chegar?
Nos próximos 12 meses pretendemos alcançar 30% das vendas de todo o mercado farmacêutico de canabidiol. Na minha visão, em cinco anos o marketshare será menor, por isso temos que aproveitar agora. Temos um plano, mas não sabemos o que vai acontecer. O cenário político define verticalmente o tamanho do mercado. As decisões, o fomento, tudo está atrelado à política. Sabemos que países onde o uso recreativo foi permitido, o mercado medicinal não conseguiu se manter de pé. Se o cultivo for liberado para uso recreativo, acaba o medicinal, isso é um fato! Aconteceu no Canadá, em Israel e nos Estados Unidos. Por isso é difícil enxergar daqui há dez anos. Tudo depende do encaminhamento político de quem está no poder.
Cite três empresas especializadas em Cannabis que são destaque na opinião do senhor.
A Greencare, a Tegra Pharma, a Pharma Usa e a HempsMed são os players que têm se destacado e feito um bom trabalho neste setor.