No quadro, O CEO Responde dessa semana, a entrevista foi com Sebastián Gutiérrez, Co-Founder Partner & CEO da NetCann, uma empresa uruguaia que contempla toda a cadeia produtiva da Cannabis, desde as sementes até o produto nas farmácias. Nascida no Uruguai em 2019, a NetCann é uma vertical de negócios com infraestrutura farmacêutica e certificações de boas práticas emitidas pelo Ministério da Saúde do Uruguai. No Brasil, a NetCann desembarcou em 2022, já com pedido de registro na Anvisa para vender medicamentos com canabinoides nas farmácias brasileiras. Com uma estrutura para produzir mil quilos de canabidiol (CBD) isolado e quase um milhão de fracos por ano, a empresa chega ao país com a proposta de desenvolver pesquisa científica e produtos com grau farmacêutico para competir em licitações e serem distribuídos via SUS.
Para conhecer melhor a NetCann, não deixe de ler a entrevista até o final.
Qual é a visão do senhor sobre o mercado brasileiro da Cannabis?
Somos uma empresa nova, chegamos ao mercado em 2020 com todas as verticais de negócio certificadas pelas autoridades do Uruguai. Trabalhamos desde a semente até o produto final, temos associação com médicos e centros de saúde para capacitação médica. No Uruguai, nós temos três milhões e meio de habitantes e estamos faturando cerca de cinco milhões de dólares com a venda de produtos medicinais, cosméticos e uso recreativo para venda em farmácias. É um mercado bem pequeno se compararmos com o tamanho do Brasil, onde há mais de 220 milhões de brasileiros. Com essa expertise pretendemos entrar no Brasil onde – todos – são clientes em potencial. Essa proximidade entre Uruguai e Brasil nos favorece.
Qual é a experiência que você traz do Uruguai?

Manejar toda a cadeira produtiva em todas as verticais. A empresa possui mais de 37 hectares de área cultivada, 8,1 mil m² de estufa, planta de secagem de 80 toneladas, planta de extração de 40 toneladas. Nosso modelo de negócio possui parcerias com grandes laboratórios como o MegaLabs, estamos em busca do registro na Anvisa para a venda em farmácias. Nosso foco no Brasil é a Cannabis medicinal com grau farmacêutico e todos os registros de boas práticas e certificações. Levando em consideração o potencial econômico do mercado brasileiro, o foco nesse ano é investir forte no Brasil.
Hoje, qual é o perfil do paciente que chega na NetCann?
O perfil dos pacientes do Uruguai e do Brasil são similares. As pessoas buscam a Cannabis, principalmente para controlar dor crônica. Mas também tem aqueles que sofrem de insônia, ansiedade, depressão, epilepsia… Com relação ao uso recreativo, o perfil é um pouco diferente. Mas o consumidor que faz o uso adulto da planta também utiliza a Cannabis para fins medicinais.
Qual é o produto carro-chefe da empresa?
É o canabidiol (CBD) 5%, isolado. Na nossa visão, esse é um dos produtos mais seguros para crianças e idosos. Temos visto que o full spectrum (óleo que contém todas as moléculas da Cannabis) é mais difícil de dosificar para os médicos. Nunca se sabe a concentração real de terpenos e flavonoides (outras moléculas presentes na Cannabis), por exemplo. Se por um lado eles podem ajudar a melhorar o efeito do remédio, por outro podem atuar como antagonistas. Em breve, estaremos lançando outros dois produtos com altas concentrações de tetrahidrocanabinol (THC). A previsão é chegar ao mercado no segundo semestre de 2023.
Vocês também comercializam cristais isolados de CBD, explica para o grande púbico o que são e como funcionam?
É a molécula ativa isolada na sua forma mais concentrada e pura. No processo de extração e purificação conseguimos isolar o CBD com 99% de pureza. Esse cristal é como o IFA (é uma substância química ativa – fármaco, droga ou matéria-prima – que tem propriedades farmacológicas com finalidade medicamentosa) que pode ser vendido para outras empresas para produção de produtos ‘white label’. Tudo certificado pelo Departamento de Medicamentos do Ministério da Saúde do Uruguai, e com a certificação de laboratórios que atendem a todos os requisitos de boas práticas e controle de qualidade ‘GLP’ que asseguram a segurança dos produtos.
O senhor já mencionou que NetCann vai operar via RDC 327, a resolução da Anvisa que autoriza a venda de remédios à base de canabinoides nas farmácias. Quando podemos esperar o produto na prateleira?
Já temos duas formulações que estão prestes a serem aprovadas. Ambas com o CBD isolado. Até o fim do ano

estamos finalizando um dossiê para registro na Anvisa com marca própria. Queremos ingressar nas farmácias do Brasil com o nosso medicamento e a nossa marca e não através de um laboratório, como a maioria faz. A expectativa é de que até o final do ano o produto chegue nas farmácias.
Como o senhor vê a concorrência no Brasil? Até agora 25 formulações já têm autorização da Anvisa para vender nas drogarias e quase 500 empresas operam por meio de importação. É saudável?
Entendo que a RDC 660 vai perder força, não faz sentido permitir a entrada de produtos à base de Cannabis que não são medicamentos. Pela RDC 327, cada formulação é um medicamento diferente e precisa de um registro distinto. Ou seja, não há tantos medicamentos diferentes assim, só as concentrações. Ainda não é fácil encontrar nas farmácias do Brasil a Cannabis. Somos muito competitivos, porque abrangemos toda a cadeia produtiva. Vamos entrar nas farmácias com preços acessíveis. No Uruguai, o preço do produto nas farmácias em 2022 caiu pra menos da metade. Isso, por que ficamos mais competitivos.
Sabemos que NetCann investe forte em pesquisa. Pode contar um pouco sobre as que estão em andamento?
No Uruguai estamos desenvolvendo pesquisas para psoríase (doença de pele) e uma série de cosméticos com uma equipe de médicos. Criamos a primeira clínica canábica do Uruguai e estamos trabalhando em parceria com dois hospitais especializados em câncer. Estamos começando a desenvolver pesquisas para cuidados paliativos no câncer e ansiedade também.
Quantos empregos diretos a NetCann gera hoje?
No Brasil são três, no Uruguai 60. Quando estamos na fase de colheita, o número de colaboradores chega a 120. Produzimos mil quilos de CBD isolado por ano e quase um milhão de fracos. Escalar a produção é muito fácil, tudo depende do contrato.
O senhor acha importante regulamentar o cultivo da Cannabis em solo brasileiro?
Entendo que esse é um tema de soberania brasileira. No Uruguai é muito fácil controlar o cultivo por ser um país pequeno, no Brasil pode ser mais difícil pela extensão territorial. No Uruguai, há o Instituto de Regulação e Controle da Cannabis que acompanha as empresas que atuam no setor e faz visitas periódicas para fiscalização. Temos um marco regulatório e um controle restrito do governo. Não é simples conseguir todas as licenças para trabalhar com um produto medicinal.
De acordo com a Forbes, o mercado da Cannabis no mundo vai chegar a US$ 57 milhões em 2027 e o mercado brasileiro? É possível fazer uma previsão?
É muito difícil prever valores em um mercado que ainda está em desenvolvimento e construindo a regulamentação. Entendo que ainda falta informação, conhecimento sobre o assunto, inclusive pela classe médica. Mas vejo esse mercado como uma bola de neve que vai crescendo sem parar. O Brasil sempre será um mercado importante para qualquer negócio, afinal é o maior país da América Latina e o que tem a maior população.
Qual é a avaliação do senhor sobre a atual regulação da Cannabis no Brasil?
São confusas demais. Acho que deveria ser uma só regulação. Para regulamentação de medicamento existe apenas uma RDC, para a Cannabis são três ou quatro. Na minha visão, a regulação da Cannabis deveria seguir os mesmos critérios da regulação dos medicamentos e não permitir a entrada de produtos importados por meio da RDC 660. Quando há várias regulações, o caminho é difuso. Entendo que a RDC 660 não terá muito mais espaço, não deverá ser mantida a curto prazo. O caminho é a farmácia como qualquer outro medicamento.
Na avaliação do senhor, o caminho é a educação médica?
Sem dúvida. É o mais importante, e tem que partir das empresas. Já existe uma demanda dos próprios pacientes para que os médicos possam prescrever com segurança. Nós promovemos vários eventos destinados à formação médica. Nosso principal foco agora é o médico e a capacitação desse profissional.
Como o senhor avalia o trabalho das associações de pacientes que têm conquistado na justiça o direito ao cultivo para a produção medicinal?
Como não há disponibilidade de produtos acessíveis, abre espaço para esse tipo de prática. E o paciente encontra uma forma de conseguir o óleo. As pessoas veem a Cannabis de forma romântica, mas estamos falando de saúde pública, de remédios e medicamentos. Associações não produzem medicamentos para tratar câncer, isso requer ciência, estudos e controle de qualidade. Não é algo simples que qualquer um pode ir lá e produzir.
Se o senhor tivesse um pedido para fazer à Anvisa, qual seria ele?
Pediria para estabelecer uma regulamentação apenas. Estamos tendo que trilhar diferentes caminhos num assunto que trata de saúde pública. Os medicamentos precisam ser seguros e cumprir todos os controles e exigências. Como qualquer outro medicamento, a Cannabis também tem que ser regulada pelos critérios da saúde pública.
Com a eleição de um governo mais progressista, a pauta da Cannabis para fins medicinais avança com mais rapidez na avaliação do senhor?
Não sei se é consequência ou causa o avanço dessa pauta. Vemos como um avanço a eleição do Lula. O que gostaríamos é que uma consulta pública fosse aberta para que seja excluída a obrigatoriedade de prescrição com receita azul ou amarela para Cannabis. Entendemos que um fitofármaco deve ser prescrito por meio de receita branca. Mas todo esse caminho que estamos percorrendo é positivo. Vamos ver se haverá continuidade. Não houve retrocesso no passado. O governo já incorporou a Cannabis no SUS e tudo está melhorando.
Brasília já tem uma lei distrital que fornece o canabidiol dentro do Programa de Atenção à Pessoa com Epilepsia e agora São Paulo sancionou uma lei nesse sentido, mas ampliando para outras patologias e vai fornecer via SUS. É uma inovação mundial?
É um avanço muito importante para o Brasil. Nenhum país do mundo faz isso. Não há sistema de saúde público que forneça remédios à base de Cannabis gratuitamente. Por isso, esse mercado é muito interessante. A sanção dessa lei foi uma excelente notícia. Também acompanhamos os avanços em outros estados. Nossa meta é fornecer para o governo, participar de licitações e entrar no mercado com um preço competitivo e acessível.