No quadro “O CEO Responde” dessa semana conversamos com o Fabrizio Postiglione, fundador e presidente da Remederi. Neste bate-papo, o jovem empreendedor, que é formado em Administração de Empresas e Economia pela Universidade de Plymouth (Inglaterra), conta como a sua experiência como gerente de uma fazenda de cultivo de Cannabis em Oregon (Estados Unidos) o ajudou a fundar a Remederi e compreender com profundidade todos os processos da cadeira produtiva da planta. Antes de entrar no mercado canábico no Brasil, Fabrizio acumulou experiência no setor financeiro, com passagem por empresas como a Bloomberg.
Criada em 2019, a Remederi ampliou a sua atuação no mercado brasileiro da Cannabis em 2021 com o lançamento da linha “Reuni”. Os produtos desenvolvidos nos Estados Unidos possuem certificado de qualidade, selo GMP (de boas práticas de fabricação) e ISO 17065. Recentemente, a Remederi recebeu um aporte expressivo de recursos da MKM Biotech – uma empresa de investimentos em venture life sciences e biotecnologia. A farmacêutica brasileira, que já passou por três rodadas de investimentos, promete lançar em breve novas formulações com moléculas que vão além dos clássicos CBD (canabidiol) e THC (tetrahidrocanabinol).
A Remederi nasceu para atender um vazio percebido pela a sua própria experiência familiar, quando quatro anos atrás vocês tentaram importar medicamentos à base de Cannabis e viram o quão burocrático era o acesso? Conta essa história para nós.
Em 2017 eu fui morar nos Estados Unidos para gerenciar o cultivo de uma plantação de Cannabis no estado de Oregon. Em dois anos, passamos de quatro mil plantas para 14 mil. Nós trabalhávamos com sete toneladas de colheita, tínhamos laboratório, um cultivo estruturado. Só que 2019, eu recebi a notícia de que meu pai estava com um problema pulmonar grave e câncer de pele. Além dos sintomas da doença, ele ainda sofria com ansiedade e síndrome do pânico. Foi então que eu decidi voltar para o Brasil. Eu sabia que a terapia canabinoide poderia ajudar o meu pai. Mas naquela época era muito complicado. Apenas 200 médicos prescreviam. Eles não se abriam, tinham receio. Achar um prescritor foi como procurar uma agulha no palheiro. Até que encontrei um médico que não entendia nada de Cannabis, mas aceitava testar o tratamento. Fizemos uma videochamada com um médico parceiro dos EUA. Conseguimos a receita, depois ainda precisava enviar uma carta à Anvisa para conseguir importar. E o produto demorava de quatro a seis meses para chegar. Foi nesse momento que eu percebi que a minha dor era a mesma dor de outras pessoas. Assim surgiu a Remederi, de remediar, cuidar, olhar para o próximo e tentar trazer essa mediação da cura.
A Remederi entrou com força total no mercado brasileiro da Cannabis. Podemos esperar, em breve, o produto da Remederi nas prateleiras das farmácias?
Já estamos bem encaminhados. Mas antes é preciso preparar todo o terreno para quando der entrada na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), passar. Estamos ansiosos, aguardando o momento certo. Em 2021 lançamos a nossa primeira linha de produtos. Posso dizer que hoje temos um dos óleos mais concentrados e com um dos preços mais acessíveis do mercado. Trabalhamos com o full spectrum, o board spectrum (com todos os canabinoides, exceto o THC) e o CBD (canabidiol) isolado. Nosso foco está na qualidade e certificação. Como tive experiência em todas as etapas da cadeia produtiva da Cannabis para fins medicinais, consigo trazer esse know how para dentro da empresa. Sempre tive a preocupação de trabalhar com um produto de grau farmacêutico, uma produção sem agrotóxicos e extração orgânica – através do CO2 – que garante o mais alto grau de pureza das moléculas. Também trabalhamos com todas as licenças possíveis e imagináveis. O foco é na qualidade.
Qual é a demanda esperada?
A nossa expetativa é muito alta. O mercado vem mais do que dobrando ano após ano. Dados indicam que o mercado da Cannabis no Brasil crescerá 120% em 2023. Isso tem se repetido de forma crescente desde 2015. Hoje, já ultrapassamos a marca de 100 mil pacientes. E agora, com mais informação, a expectativa é de que o crescimento no número de pacientes seja escalonado. Esperamos atender pelo menos dois dígitos do percentual do marketshare. A nossa previsão é de que em pouquíssimos anos chegaremos a milhões de pacientes. O que o sempre digo para o meu time é: temos que nos preocupar em ser uma empresa eficiente! Para um mercado que dobra a cada ano, haja capacidade produtiva e operacional para acompanhar esse ritmo. Por isso buscamos a eficiência.
Como a empresa avalia a entrada de novos medicamentos no mercado? Muito em breve uma dezena de produtos já estarão vendo comercializados nas drogarias. A concorrência é algo saudável para esse mercado da Cannabis?
Muito saudável. Parece que todos remando para o mesmo norte. Vejo todas as empresas trabalhando forte para difundir informação e desenvolver o mercado. Para se ter uma ideia, o número de médicos prescritores cresceu 26 vezes em três anos. Esse número é proporcionalmente maior do que o crescimento de pacientes. Vai ter uma correção nesse número, claro. Mas na minha visão, a dificuldade inicial de trazer o produto para o Brasil forçou a classe médica a buscar conhecimento e se qualificar. No Brasil o uso da Cannabis está orientado para o uso medicinal, já o recreativo e suplementar ficaram de lado. De um lado isso atrasa o desenvolvimento, mas de outro parece que fomenta a pesquisa na medicina. O Brasil, mesmo com a criminalização da planta, é o país que mais desenvolve pesquisas científicas sobre o uso medicinal da Cannabis. Isso é incrível.
Hoje, qual é o tamanho do mercado nacional na sua avaliação?

Tem dois dados que sempre levo em consideração para responder a essa pergunta. O primeiro dado veio do próprio presidente da Anvisa, na época – o Dib – durante a votação do projeto de lei (PL 399/2015) na Câmara dos Deputados. Segundo ele, 13 milhões de pessoas podem se beneficiar do uso medicinal da Cannabis no Brasil. Mas esse dado diz respeito apenas aos enfermos, com condições mais severas. Se considerarmos o bem-estar, ou uma pessoa com insônia leve, por exemplo, esse número vira uma fração do potencial do mercado. Ainda mais com as novas formulações e possibilidades que estão aparecendo. Além da via oral, tem supositório, uso tópico, spray nasal. Estudos agora avaliam o uso injetável do CBD isolado. As oportunidades são interessantes.
Qual é o perfil do paciente brasileiro?
Pacientes com patologias psiquiátricas, neurológicas, dores crônicas e insônia têm buscado bastante o nosso produto. A grande massa de pacientes ainda é do Espectro Autista, pacientes com epilepsia e esclerose múltiplas. Patologias com maior aceitação para o uso da Cannabis por causa das evidências científicas. Há pesquisas avançadas em fase 3 a nível global para essas patologias. Outros pacientes de câncer também têm buscado o nosso produto. Acho interessante que temos muita busca por pacientes do exterior. Outro dia me ligou um paciente do México em busca de um médico que falasse espanhol. Os pacientes precisam de acolhimento, apoio e guia. Eu vivi isso. Eu precisava de alguém que me ajudasse. E a Remederi vem com esse propósito.
Hoje, qual é o produto carro-chefe da Remederi? A empresa estuda a possibilidade dispensar outros tipos de canabinoides como o CBN, CBG, CBC…?
O nosso full spectrum de 3.600mg de CBD é o queridinho. O board spectrum também tem vendido muito bem para doenças psiquiátricas e para quem é supersensível ao THC. Apesar de o mercado brasileiro hoje ter uma grande aceitação para produtos com CBD e THC, também estamos buscando ampliar o portfólio com moléculas inovadoras que podem ajudar pacientes em diversas patologias. Atualmente, vemos um nicho de produtos homogêneos. Arrisco dizer que mais de 90% das empresas trabalham com a mesma formulação e as mesmas moléculas. Sobra margem para um mar de produtos. Uma série de combinações que vão muito além do CBD e THC. O nosso foco é evidência científica e inovação. Onde houve qualidade, eficiência, teremos interesse em trabalhar. Acabamos de lançar o CBN (canabigerol) full spectrum. Tem outros produtos no roadmap para serem lançados em breve. O processo de desenvolvimento de novos produtos é uma área que tenho paixão em trabalhar.
Quais são as pesquisas que a Remederi vem desenvolvendo nesse momento relativas à Cannabis?
Desde o começo participamos de algumas pesquisas. Em breve vamos fazer o anúncio oficial. Também fazemos o acompanhamento dos casos internos dos nossos pacientes. Faz parte do nosso plano de negócios acolher e acompanhar o paciente. A gente busca ter o contato com o paciente para garantir o melhor tratamento e o apoio necessário.
Qual é o maior desafio de empreender hoje – em Cannabis – no Brasil?
Para mim, o maior desafio em empreender em Cannabis no Brasil é ter que quebrar paradigmas entre aqueles que estão envolvidos no ecossistema do negócio. Para dar certo, as pessoas precisam acreditar no negócio, na ciência. Às vezes, uma empresa de Cannabis pode sofrer um preconceito até para alugar uma simples sala comercial. Entendo que essa dificuldade inicial já mudou, a resistência diminuiu. Antes a gente conversava com os médicos e eles eram contra, falavam mal, faziam piadas. Agora, reconhecem os resultados na medicina e admitem que é preciso estudar.
Quantos empregos diretos e indiretos a Remederi gera no Brasil?
Mais de 20 empregos com carteira assinada. Houve um crescimento escalonado da empresa em meio a pandemia. Estou muito contente. Empregos indiretos é difícil contabilizar.
Você acredita que é importante autorizar e regulamentar o cultivo em solo brasileiro?
Não tem por que termos que importar uma matéria-prima semielaborada e não podermos trabalhar com a fonte. É fora de cabimento. Eu entendo que o medo de quem faz o regulatório é o desvio de finalidade, mas é possível elaborar uma regulação focada apenas no viés medicinal. Por outro lado, não sei se o cultivo em solo brasileiro vai reduzir o preço do óleo medicinal. Falo com propriedade. Para manter um nível medicinal não é barato. Depois de um cenário regulado, o Brasil vai precisar de pelo menos três anos para adaptação genética da planta, estruturação de uma economia de escala, ainda é preciso treinar e qualificar a mão-de-obra. Mas, claro, entendemos que é importante regulamentar o cultivo no Brasil.
Hoje, já se fala em medicina “on demand”. As farmácias de manipulação são importantes nesse cenário? A empresa tem perspectiva de atuar nesse nicho?
É a evolução da medicina e uma tendência de quase todos os mercados, não só o da saúde. Hoje, o mercado apresenta serviços para atender às necessidades específicas de cada um. Entretanto, no mercado da Cannabis, ainda vejo essa “medicina on demand” de forma embrionária. De qualquer forma, alguém precisa começar.
Como trabalhar propaganda e informação sobre a Cannabis sem violar as regras que limitam esse tipo de ação?
Propaganda e informação caminham juntas. Precisamos preencher essas lacunas com a transmissão de informações científicas de forma orgânica e saudável. É só por meio da ciência e do conhecimento que vamos conquistar autoridade no assunto.
Existe a previsão de fornecer formação continuada aos médicos brasileiros?
Em 2020 criamos o Instituto de Ensino e Pesquisa Remederi justamente com esse fim. Já desenvolvemos dezenas de cursos voltados aos médicos. Trabalhamos com revisões sistemáticas de estudos científicos, elaboramos e-book, estamos presente nos congressos médicos. A formação médica precisa ser continuada e nós precisamos fomentar isso.
Se, hoje, você pudesse fazer um pedido à Anvisa qual seria ele?
Pediria para que a Anvisa tirasse a mira do protecionismo que existe hoje e focasse no fluxo das substâncias controladas para assegurar a qualidade na produção. Pediria para desenvolver metodologias de controle e qualidade de produção, desenvolvimento do produto e destino. Estabelecer métricas para o produto medicinal e recreativa, por exemplo.
Qual é o grau de satisfação do senhor em relação à regulamentação sobre Cannabis existente hoje no Brasil?
Na minha visão, a atual regulamentação ainda está muito travada. Isso dificulta o acesso e o desenvolvimento do setor. Não estamos satisfeitos, mas entendendo a situação com analogia de um funil. O Brasil fala “não” primeiro, depois entende a situação e vai abrindo o funil. Por ser um país conservador tem um start lento. Como a país é muito grande, não há controle. Então adota o conservadorismo. Outros países com foco mais capitalista começam com o funil maior, depois vai restringindo. Precisamos entender o jogo e aprender a jogar junto.
O que falta para o mercado brasileiro expandir na sua opinião?
Se formos levar em consideração todos os setores da Cannabis, o que falta é a descriminalização e legalização da planta. Já na área da saúde o que falta é educação e investimento na classe médica.
O que não pode faltar no empreendedorismo canábico?
Coragem, resiliência, força e principalmente espírito colaborativo.
Como que a empresa se vê daqui a 5 anos?
Nossa busca pelo market share é infinita. Daqui há 5 anos queremos ter uma gama extensa de produtos disponíveis para os pacientes. Queremos já ter alguns bons estudos clínicos realizados e outros em andamento. Projetamos ter, pelo menos, cinco produtos nas farmácias. Esperamos estar consolidados no mercado com autoridade, atuando internacionalmente não só com produtos finais, mas também em outras fases da produção do produto.
Cite três empresas especializadas em Cannabis que são destaque na opinião do senhor.
No Brasil, o portal Cannabis & Saúde que vem promovendo estratégias de comunicação muito importantes para combater a desinformação. Fora do país, eu admiro a Canopy Growth, Tilray e GW Pharmaceuticals pioneiras no desenvolvimento de estudos clínicos, genética e produção científica da Cannabis.