Para falar sobre as perspectivas do mercado da Cannabis, para fins médicos, no Brasil conversamos com o executivo José Almeida, no quadro “O CEO Responde” dessa semana. O administrador, especializado em comportamento do consumidor, é o CEO da NuNature Labs, farmacêutica que faz parte do seleto grupo do setor com autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para vender produto à base de Cannabis nas farmácias. A empresa brasileira, com produção em Denver nos Estados Unidos, já possui duas formulações à base de Cannabis em mais de 35 mil pontos de venda de todo país. Almeida, que acumula 25 anos de experiência na indústria farmacêutica com foco em aprimoramento na força de vendas, revela que a empresa registra um crescimento médio 22% ao mês desde o início do ano. E afirma que parte dos lucros são revertidos para o desenvolvimento de educação médica continuada e produção de estudos clínicos. Confira na entrevista!
Os produtos à base de Cannabis da NuNature Labs já estão disponíveis nas farmácias desde janeiro desse ano. Como que tem sido a receptividade do meio médico e dos pacientes?
Nossos produtos já estão disponíveis em 35 mil pontos de vendas de todo Brasil. Hoje, existem cerca de 75 mil farmácias em todo país e nós estamos vendendo em 50% delas, sem que o paciente tenha que pagar frete de importação ou precise de autorização da Anvisa para ter acesso ao produto. Chegamos no mercado com duas formulações para receituário “B1” (receita azul com retenção em farmácia). Formulação do extrato full spectrum 17,18mg/ml de CBD (canabidiol) em frasco gotejador de 30 ml, que custa 450 reais, e outra formulação de 34,36mg/ml de CBD em 30 ml, por 750 reais. Cada ml contém 50 gotas. Dificilmente um vidro acaba antes de 30 dias, sempre dura mais de um mês. A receptividade tem sido muito boa. Desde janeiro temos uma taxa de crescimento de vendas de 22% ao mês.
Qual é a demanda esperada?
Esperamos vender 10 mil unidades mensais levando em consideração o mercado público (licitações de prefeitura e estados) e o varejo. O mercado nacional ainda é pequeno, mas promete. Logo que entramos, vendemos mais de mil unidades só em uma grande farmácia. As vendas ainda não são maiores porque o impacto na rede médica é pequeno. O Brasil é enorme. Estamos ampliando o número de representantes para atender de norte a sul do país. Tenho certeza de que esse será um mercado grande, mas ainda estamos construindo a estrada. O nosso diferencial é ser um produto nacionalizado com registro no Brasil. Imagina ter que pagar 200 dólares de frete, se o produto está na farmácia da esquina? E mais do que isso, se alguma coisa der errada ao longo do tratamento, o paciente tem a quem reclamar: seja o médico, o laboratório ou o próprio governo. No caso de um produto importado, não. Porque não há registro no Brasil, as empresas internacionais não respondem aqui. Já o produto nacionalizado tem mais segurança.
Como a empresa avalia a entrada de novos medicamentos no mercado? A Anvisa já autorizou a comercialização de 20 produtos nas drogarias. A concorrência é algo saudável para esse mercado da Cannabis?
Toda a concorrência é saudável e faz movimentar o mercado, tira da inércia. Se parar, alguém toma o seu lugar. É importante ampliar a massa crítica. Isso não quer dizer que os produtos que estão chegando são iguais, e que todos possuem a mesma qualidade. O médico é que vai escolher. Podem ter duas dezenas de registro na Anvisa, mas isso não significa que as empresas têm os recursos para cumprir todas as etapas até chegar nas farmácias e garantir a venda dos medicamentos. Antes é preciso gerar demanda. Colocar o produto no balcão é até fácil, difícil é emplacar o produto na rede médica. Às vezes, um representante precisa fazer de três a quatro visitas para conseguir uma prescrição. O nosso diferencial é ter uma fonte própria de abastecimento para atender ao crescimento do setor. Não dependemos de ninguém. Nenhum outro concorrente é dono de uma fazenda em Denver no Colorado (EUA). Temos 177 mil acres de plantação da NuNature Labs. A nossa fábrica é padrão indústria farmacêutica. Não temos nenhum terceiro envolvido na cadeia produtiva. Isso garante zero interferência no controle de qualidade e alta previsibilidade. Hoje, não trabalhamos com uso recreativo ou produção alimentícia, o nosso cultivo é 100% destinado à produção farmacêutica para atender ao Brasil. Poderíamos até fornecer para toda América Latina, Estados Unidos e Europa, mas o nosso foco é Brasil.
Hoje, qual é o tamanho do mercado nacional na avaliação do senhor?
Mais de 100 milhões de reais em vendas por mês entre produtos importados, licitações governamentais, associações e vendas nas farmácias.
Qual é o perfil do paciente brasileiro?
Pacientes com Síndrome de Dravet, dores crônicas, esclerose múltipla, Parkinson, Alzheimer, insônia, ansiedade, epilepsia e autismo, basicamente.
Hoje, qual é o produto carro-chefe da NuNature Labs? A empresa estuda a possibilidade dispensar outros tipos de canabinoides como o CBN, CBG, CBC…?
São os dois produtos que já estão nas farmácias. Em breve, lançaremos outras cinco novas apresentações, mas não posso adiantar nada ainda.
Quais são as pesquisas que a NuNature Labs vem desenvolvendo nesse momento relativas à Cannabis?
Estamos desenvolvendo dois grandes estudos, de 18 meses, sobre autismo e ansiedade – padrão Anvisa. Também temos um projeto de filantropia para fornecer o óleo de forma gratuita para quem precisa, a ideia é devolvermos um pouco para a sociedade e democratizar o acesso à terapia dos canabinoides.
Qual é o maior desafio de empreender hoje – em Cannabis – no Brasil?
Entendo que o maior desafio é trabalhar com a formação médica num país de dimensões continentais. A Cannabis não pode ser tratada com algo milagroso que serve para qualquer coisa. A indicação médica é específica. É necessário conhecer a interação medicamentosa. Orientar sobre a hora e como utilizar o medicamento. É fundamental que o médico faça uma anamnese séria com o paciente. Todo remédio tem eficácia e tem efeitos colaterais. Às vezes, para encontrar o platô de homeostase do Sistema Endocanabinoide demora meses. O pior que pode acontecer no mercado da Cannabis é a terapia perder credibilidade por ter sido mal-empregada por desconhecimento médico. Por isso, a formação médica é o maior desafio hoje.
Quantos empregos diretos e indiretos a NuNature Labs gera no Brasil?

No Brasil, 100 pessoas. Estamos aumentando em 50% o nosso quadro nos próximos dias. Sem falar nos empregos indiretos que geramos. Só de representantes são 30 em todo país, em breve chegaremos a 100. Vamos investir três milhões de reais em estudos clínicos e mais três milhões em formação médica. A nossa meta é chegar na classe médica.
O senhor acredita que é importante autorizar e regulamentar o cultivo em solo brasileiro?
Toda regulamentação é positiva, desde que seja séria e que cumpra todas as etapas exigidas. Do contrário, pode ser um tiro no pé e acabar “queimando a terapia canabinoide”. Assim como os antibióticos tiveram que ser restritos porque todo mundo se automedicava e passaram a surgir as superbactérias, o mesmo pode acontecer com a Cannabis caso não haja controle. Imagina se não precisar de prescrição, o paciente se automedicar e tiver que tomar 200 miligramas por dia para fazer efeito? A terapia precisa ser controlada para ser efetiva, mesmo que isso tenha um custo para a indústria farmacêutica. O pior que pode acontecer é o descrédito da terapia canabinoide, volto a dizer. O cultivo em solo brasileiro pode baratear, mas precisa ter controle do solo, da semente, da área, da distribuição e da tributação. O cultivo para fins medicinais não é um simples plantar, a Cannabis absorve tudo que está no solo, e os medicamentos têm de estar livres de contaminação e agrotóxico. E tem mais, a planta produz mais de 100 fitocanabinoides e outras 600 substâncias. Se o produtor não conseguir separar as moléculas, o que o paciente estará usando? Produtos para fins medicinais precisam obedecer a uma cadeia de controle rígido.
Hoje, já se fala em medicina “on demand”. As farmácias de manipulação são importantes nesse cenário? A empresa tem perspectiva de atuar nesse nicho?
A customização é importante, mas ainda é cara. Entendo que é uma tecnologia que deve avançar, mas não está acessível a todos. Toda customização é boa e tem espaço no mercado.
Como trabalhar propaganda e informação sobre a Cannabis sem violar as regras que limitam esse tipo de ação?
Só pode receber propaganda médica sobre Cannabis profissionais da área da saúde. A NuNature Labs não pode fazer propaganda nas mídias sociais, por exemplo. Pelas normas técnicas da Anvisa, eu posso dar uma caneta escrito NuNature Labs, de forma institucional. Mas não posso mostrar o produto e nem incentivar ou induzir a automedicação. Só médicos e dentistas podem receber um folheto com informações do meu produto. Na minha visão, a comunicação com o médico não pode ser tendenciosa, tem que ser científica, pautada em estudos clínicos – uma medicina baseada em evidências. Sem induzir a compra. Agora diferente da propaganda, podemos trabalhar com informação. Explicar para o leigo a diferença entre o uso recreativo e o uso medicinal da Cannabis. Estamos patrocinando estudos de 2 anos para investir na ciência. Essa é a melhor forma de convencer.
Existe a previsão de fornecer formação continuada aos médicos brasileiros?
Sim. Como disse antes, estamos investindo três milhões de reais em formação médica. Nós damos cursos por meio de plataformas digitais, levamos professores para falar com outros médicos sobre o Sistema Endocanabinoide e a fisiologia do Sistema, a parte básica mesmo. Também promovemos pequenos encontros médicos com palestrantes, estamos presente em Congressos e sempre patrocinando pesquisa e evidência científica, assim como divulgados esses achados.
Se, hoje, o senhor pudesse fazer um pedido à Anvisa qual seria ele?
Facilitar a forma de prescrição por meio da telemedicina. Hoje, quase 70% dos pacientes se consultam por meio da telemedicina e após a consulta, o médico precisa pedir à secretária para colocar a receita nos Correios. O paciente precisa esperar a correspondência chegar para que possa comprar o remédio nas farmácias. Essa é uma demanda do setor como um todo. Ora, se o paciente tem dor, ansiedade, não pode se locomover, ainda precisar esperar a receita chegar para começar o tratamento? O receituário B1, de forma digital, facilitaria a vida de todos. Veja que esse é um pedido setorial e simples de ser resolvido.
Qual é o grau de satisfação do senhor em relação à regulamentação sobre Cannabis existente hoje no Brasil?
O único problema, na minha visão, é essa dificuldade do receituário. Neurologistas e médicos da dor já estão acostumados a receitar a prescrição B1. O grande problema é o acesso à receita por meio da telemedicina. Isso limita um pouco. Esperamos que haja algum avanço com a revisão da RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) 327 da Anvisa. Entendemos que a regulamentação precisa ser firme. Pedimos 100% para conseguir 80%.
O que falta para o mercado brasileiro expandir na opinião do senhor?
Mais investimentos em estudos científicos e a presença dos médicos nos eventos científicos. Entendo que é preciso fazer um trabalho sério para explicar à população o que é a Cannabis medicinal. Ainda há muito preconceito, a população ainda acha que há efeito psicoativo e que não é possível separar o uso medicinal do recreativo. Esse é um desafio imenso. Ensinar o médico a titular é outro desafio enorme. Os médicos mais antigos continuam com receio de prescrever. É importante dizer que o Sistema Endocanaboide existe, independentemente de se acreditar ou não. Quando esse sistema está em déficit precisamos repor, ele independe da nossa crença. Já foi provado que existem os receptores CB1 e CB2. Os médicos só precisam entender, estudar e conhecer o assunto.
O que não pode faltar no empreendedorismo canábico?
Seriedade, só isso que não pode faltar.
O que motivou a empresa a investir no mundo da Cannabis?
As possibilidades de tratamento com uma planta medicinal. Estamos na ponta do iceberg, ainda não conhecemos todas as potencialidades da Cannabis. Vejo estudos para recuperação muscular de atletas, redução de tumores de câncer, o componente para melhoramento da atividade sexual, o tratamento de doenças psicológicas, um mundo que pode ser beneficiado. Isso me motiva!
Como que a empresa se vê daqui a 5 anos? E em 10 anos, aonde quer chegar?
Como uma das líderes desse mercado. Queremos ter uma identidade forte com a classe médica e com as instituições de pesquisa. Em 10 anos, quem sabe possuir mais produtos nas farmácias e novas apresentações, além de novos formatos de uso? Hoje, falamos em Cannabis pura. Quem sabe um dia vamos trabalhar com a Cannabis associada? Substituindo e reduzindo os diazepínicos e os opioides da rotina dos pacientes.
Cite empresas especializadas em Cannabis que são destaque na opinião do senhor.
NuNature Labs e Prati Donaduzzi.