No quadro “O CEO Responde” dessa semana a conversa foi com o Fernando Paternostro. O idealizador da plataforma de produtos canábico myGrazz e do conceito ‘Atleta Cannabis’ fala um pouso sobre a sua trajetória no universo da planta e como a sua experiência 15 anos à frente de uma empresa, que desenvolve aplicativos digitais, contribuiu para o surgimento do myGrazz. O portal, que reúne atendimento médicos e marketplace, abriga 18 diferentes marcas (EUA, Colômbia e Espanha) com 350 produtos à base de Cannabis nas mais distintas formulações. No catálogo da plataforma, os pacientes podem encontrar dispensações à base de creme, gel, pomada e em breve, moléculas especiais para usar em drinks gourmet. A plataforma ainda oferece flores, cartuchos para vaporização (caneta), lubrificante feminino, supositório, óleos ricos em THC e diversos cosméticos como hidratante, creme facial, máscara labial, máscara para os cabelos e até desodorantes à base de Cannabis. Nesse bate papo, Paternostro conta o que o inspirou a entrar nesse mercado e como ele enxerga o futuro da economia canábica no país. Confira!
Como que foi a sua trajetória no mundo da Cannabis?
Em 2018, pesquisando novas formas de aplicar o dinheiro, vi que o mercado da Cannabis era muito promissor. Mas eu sabia que precisa estudar o assunto, então elaborei um workflow de visitas com o Martim Mattos para conhecer a fundo o mercado dos Estados Unidos. Em três anos, entre idas e vindas, visitamos mais de 150 empresas. Visitamos todos os estados onde a maconha é legalizada nos EUA. Estivemos em diversas feiras no Denver, Las Vegas, Nova York, Oregon, Califórnia, Flórida… Numa dessas viagens, conhecemos um grupo de investidores, que já fazia esse mesmo trabalho de sair em busca de empresas para investir. Foi então que fechamos uma parceria para criar um fundo de investimentos.
Como que isso funciona?
Montamos a Hopper Capital, com um portfólio de seis empresas, onde investimos para poder participar da gestão. A ideia era esperar valorizar essas empresas de Cannabis para vender depois. Quanto mais estudávamos o mercado, mais ficávamos apaixonados. Então, juntamente com o Marcelo Marco Antônio e com o Martim Mattos (hoje ambos estão na Greencare) decidimos juntar os portfolios e criar o GreenField Opportunit Fund, um dos maiores fundos de Cannabis do mundo. E posso dizer que participarei da capitação desse fundo desde o começo. Objetivo inicial era captar 50 milhões de dólares em um ano. Na primeira rodada, conseguimos 15 milhões. Só que aí, o negócio cresceu muito, eu não pude acompanhar e vendi a minha parte.
Foi então que surgiu a ideia de desenvolver um aplicativo para reunir atendimento médico e marketplace de Cannabis?
Paralelamente a essa história da Cannabis, eu sempre trabalhei com tecnologia. O Nostro Studio, cria aplicativos há 15 anos, desde a época em que eu morava em Barcelona. Nesse período, desenvolvemos mais de 500 aplicativos. Aí, juntei todo o knowhow de aplicativo que eu tenho com o conhecimento do mercado da Cannabis. Me inspirei nos aplicativos de algumas startups norte-americanas, como a Weedmaps que tem a cobertura de 96% de todos os pontos de venda de Cannabis no mundo com a localização dos dispensários, e a Leafly que é referência no delivery de Cannabis nos Estados Unidos.
A plataforma já está operando?
A myGrazz é uma plataforma de acesso à Cannabis. O aplicativo funciona com um grupo de 100 pacientes controlados, até o lançamento oficial agora em dezembro. Hoje, 70 médicos já são nossos parceiros e atendem por meio de telemedicina e consulta presencial. O legal é que ao atender por meio da plataforma, a receita é automaticamente inserida no aplicativo, a equipe ajuda o paciente com a autorização de importação da Anvisa e já fica tudo no sistema. Assim que o paciente adquire o produto, nós enviamos no mesmo dia uma carteirinha do paciente da Cannabis com foto, nome, CPF e o número de autorização de importação da Anvisa para a pessoa guardar na carteira.
O que te motivou a investir no mundo da Cannabis?
Observei o tamanho do mercado lá fora e analisando o crescimento das autorizações de importação da Anvisa no Brasil, vi que o mercado brasileiro está se consolidando, por isso tive segurança de investir.
Houve um crescimento expressivo no número de empresas que operam no mercado brasileiro da Cannabis. Essa concorrência é saudável?
Tenho uma visão otimista. A Cannabis ainda é um mercado muito pequeno para chamar um player de concorrente. Hoje, temos cerca de 200 mil pacientes, apenas 0,3% dos médicos prescrevem. Há muito o que crescer. Então, quanto mais barulho, melhor para o setor. O mais importante é que o médico conheça o Sistema Endocanabinoide para entender como os receptores se ligam aos fitocanabinoides. Isso é o principal! Concorrência, só lá na frente. Por enquanto, todos estão no mato alto. Todos estão cortando o mato nesse momento, precisamos dar a mão para atravessar junto. Quem quiser atravessar sozinho acabará sendo atropelado.
Hoje, qual é o perfil do paciente do myGrazz?
Hoje, 80% dos pacientes vêm nos procurar por causa de ansiedade, depressão, insônia e síndrome do pânico. Apenas 20% vêm por causa do esporte. Mesmo com a myGrazz em desenvolvimento, em dois anos, já atendemos mais de mil pacientes. Recebemos uma média de 100 paciente novos por mês. No começou eram 20. Esse crescimento expressivo mostra a satisfação com o tratamento.
Qual é o produto carro-chefe da plataforma?
O que produto que mais vende é o óleo ful spectrum de 6000mg CBD em 30 ml. Em segundo lugar está o CBD de 3000mg também ful spectrum. Trabalhamos com preços muito competitivos. Eu fiz uma pesquisa para saber o preço do miligrama do CBD e estamos com os melhores valores do mercado. Hoje, temos parceria com 18 marcas que disponibilizam 350 produtos de Cannabis. No catálogo tem creme, gel, pomada, flor, cartucho (caneta), lubrificante feminino, supositório, óleo rico em THC, CBD isolado, hidratante para a pele, creme facial, máscara labial, máscara para os cabelos e até desodorante. Em breve vamos oferecer a molécula de THCO para fazer drinks elaborados.
Hoje, qual é o tamanho do mercado nacional na sua avaliação?
Se falar de patologias, pelo menos 5 milhões de pessoas têm indicação para usar a Cannabis. Porém, se a gente olhar o tratamento preventivo, eu acredito que podemos chegar a 150 milhões de pacientes. Sabemos que ansiedade, insônia e depressão são doenças do século 21. Hoje, é difícil encontrar alguém que não sofra de algum desses males.
O que falta para lançar o aplicativo?
Estamos finalizando a rodada de captação. Já tivemos um aporte expressivo. Nosso valuation é de 1 milhão dólares com o último aporte dos investidores. Está aberta uma nova rodada anjo de um valuation de 5 milhões de dólares. Estamos finalizando, já tem investidores confirmados, mas a rodada ainda está em aberto.
Como a empresa pretende captar e fidelizar a rede médica?
Temos uma política de treinamento, workshop e capacitação da rede médica. Toda semana promovemos um evento virtual e na outra semana um encontro presencial. Nós convidamos pessoas da indústria para falar e médicos. Fazemos parcerias para criar esses workshops. Assim trazemos os médicos para o myGrazz. Também criamos um grupo de WhatsApp onde mando catálogos atualizados e as condições de pagamento (frete e descontos). Os médicos prescrevem da forma como bem entendem para melhor atender ao paciente.
Como trabalhar propaganda e informação sobre a Cannabis sem violar as regras de limitam esse tipo de ação?
Depoimento de paciente! Para mim, esse é o único caminho. Por isso, sempre peço para as pessoas contarem todo o processo, desde a consulta, à autorização da Anvisa até o tratamento propriamente dito.
Quantos empregos diretos a myGrazz gera atualmente?
Somos um time de 5 pessoas, duas são contratadas, os outros dois parceiros (Pedro Guimarães e Thomas Brogiollo) são sócios.
Fala um pouco sobre o Atleta Cannabis.
O Atleta Cannabis nasceu como uma estratégia de divulgação. Eu precisava ser conhecido no mercado brasileiro, estava entrando no triátlon, e pensei: vou contar o que é ser um atleta e paciente da Cannabis. Essa estratégia já estava em curso nos EUA. A ideia era falar sobre bem-estar, qualidade de vida e esporte para iniciantes ou não. É importante dizer que o Atleta Cannabis não é só para profissionais e para pessoas que estão com dor e precisam se tratar para voltar a fazer exercício físico. O objetivo era usar o esporte para quebrar paradigmas da Cannabis. O Atleta Cannabis não é empresa, não tem CNPJ, compartilhamos informações sobre a Cannabis no esporte.
Mas o projeto cresceu além do que você poderia imaginar?
Sim. Nós fomos muito procurados por atletas e começamos a patrocinar eles. Até agora patrocinamos 125 atletas. Aí, fiz uma parceria com os médicos para consultar sem custo e com as marcas para doar os produtos. Em troca, os atletas dão depoimentos. Até hoje não teve nenhum atleta que abandonou o projeto. Alguns só pediram para migar do óleo full spectrum para o CBD isolado por causa do doping. O Daniel Chaves, maratonista é um deles. O CBD foi retirado da lista de doping nas Olimpíadas de Tóquio de 2021. Isso deu muita visibilidade para a causa. Já saímos em mais de 50 veículos de comunicação como a CNN, Globo, Folha de São Paulo, Uol, Vogue, Hard Core por causa desse assunto. Hoje, o Atleta de Cannabis é a maior comunidade que usa a planta no esporte do Brasil. Além de patrocinar, eu e o Pedro também somos patrocinados pela Tegrapharma, sou embaixador CareClub – maior clínica de medicina esportiva da América Latina. Ainda tenho o apoio de uma clínica de crioterapia (recuperação muscular com nitrogênio a -180), de um gel de carboidrato, uma loja de bicicleta e até de um tanque de oxigênio para recuperação pós treino. Temos uma equipe multidisciplinar com médico do esporte, médico de Cannabis, fisioterapeuta, nutricionista.
Você acredita que é importante autorizar e regulamentar o cultivo da Cannabis no Brasil?
Eu trabalho tanto pela RDC 327 como pela RDC 660. Quanto mais formas de acesso para o paciente melhor. Somos uma potência agrícola mundial. Seria excelente regulamentar o cultivo em solo brasileiro, mas não vejo acontecer no curto e médio prazo. Entendo que o PL 399/2015 não é de interesse de muitos políticos. Muitas bancadas fazem um lobby pesado. Não vejo avançar por enquanto. Acredito que ainda vamos continuar nas RDCs da Anvisa por um bom tempo.
Como que a myGrazz se vê daqui a 5 anos? E em 10 anos, onde pretende chegar?
Nossa ideia é ser adquirida por uma grande empresa americana, de preferência a Weedmaps e a Leafly.
Qual é o seu grau de satisfação em relação à regulamentação sobre Cannabis existente hoje no Brasil?
Estou muito satisfeito com o trabalho da Anvisa. Se não fosse a Agência, eu não teria o meu negócio hoje. Observamos que a Anvisa está sempre em busca de melhorar a regulamentação. Hoje, a gente vê a automatização da autorização de importação. Seria fácil a Anvisa manter aquela desordem de antigamente, quando o paciente tinha que esperar até três meses para conseguir a autorização para importar. Claro, tudo sempre pode melhorar na vida. Mas vejo avanços. Já temos uma regulação federal no Brasil por meio das RDCs, os Estados Unidos não têm isso.
Se, hoje, você pudesse fazer um pedido à Anvisa qual seria ele?
Facilitar a entrada dos produtos na alfândega brasileira. O produto chega em 48 horas no Brasil e fica na aduaneira – parado – de 20 a 30 dias. Ajudaria muito se os pacientes pudessem ter acesso aos medicamentos de forma mais ágil e menos burocrática.
O que falta para o mercado da Cannabis expandir no Brasil?
Que os médicos conheçam o Sistema Endocanabinoide.
Qual é o maior desafio de empreender hoje em Cannabis no Brasil?
Ter dinheiro. Como é um mercado muito embrionário, ou se tem muito dinheiro ou o empreendedor não vai consegue durar.
Cite três empresas do universo canábico que admira.
Weedmaps, a empresa de análise de dados HeadSedt e a TegraPharma.