Parlamentares pró-Cannabis se mobilizam para instituir Frente Parlamentar Nacional em Defesa da planta para movimentar a pauta no Congresso
A deputada federal, Sâmia Bomfim (PSOL/SP) vai apadrinhar a criação da Frente Parlamentar Nacional em Defesa da Cannabis no Congresso. Antes de tudo, para a parlamentar, a regulamentação do cultivo no país é uma questão de saúde pública e civilidade.
Depois que promoveu dois eventos seguidos na Câmara dos Deputados na semana passada, para discutir formas de regular o cultivo e a descriminalização da Cannabis no Brasil, a parlamentar defendeu a criação de uma Frente Parlamentar para movimentar a pauta no Congresso Nacional.
“De fato, as audiências públicas foram excelentes, aprendemos com cientistas, médicos, associações, usuários e pacientes. Além disso, a sociedade civil quer que o Brasil avance nesse assunto. Por fim, estamos falando só de uma planta medicinal, que traz qualidade de vida e salva vidas”, enfatizou a deputada.
Não é para todos ainda
A parlamentar lembrou que hoje já é possível ter acesso a produtos com canabinoides (moléculas medicinais presentes na Cannabis), mas só para quem pode pagar ou ainda contratar um advogado e judicializar planos de saúde ou o Sistema Único de Saúde (SUS).
“Esse movimento é um pontapé inicial. Mãos à obra! Queremos instituir uma Frente Parlamentar, conversar com os ministérios, com todos atores e atrizes envolvidos e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), para colocar em pauta o PL 399”, afirma Bomfim.
PL 399 engavetado
Em junho, o Projeto de Lei 399/2015 – que pode regulamentar o cultivo da Cannabis para fins medicinais e industriais no Brasil – completou dois anos engavetado na Câmara dos Deputados. O texto já tem a aprovação da Comissão Especial, em caráter terminativo, e deveria seguir direto para o Senado, mas emperrou.
Para barrar a pauta, o deputado federal Diego Garcia (REP/PR) entrou com recurso, para que o PL também seja analisado por todos os 513 deputados em plenário. Na avaliação do parlamentar, o assunto é polêmico e não deve ser decidido por um colegiado que não reúne nem 10% dos deputados.
Agora, cabe ao presidente da Câmara e ao colégio de líderes pautar o assunto, para que o recurso, apresentado por Garcia, possa ser analisado em plenário. Se houver aprovação, aí sim, os deputados vão analisar o mérito da redação. Em caso de rejeição, o PL segue o trâmite original, diretamente para o Senado.
Ministério da Saúde pode autorizar o cultivo no país
Para além do Congresso, hoje, o Executivo – por meio do Ministério da Saúde – já pode regular o cultivo da Cannabis para fins medicinais e de pesquisa. É o que diz a letra ‘c,’ do no art. 14 – 1 do Decreto (5.912/2006), que regulamenta a Lei de Drogas (11.343/2006).
Dentro do capítulo IV, que versa sobre as competências específicas, está expresso que cabe ao Ministério da Saúde:
“Autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais, dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, ressalvadas as hipóteses de autorização legal ou regulamentar”.
Entretanto, desde 2006 nenhum governo, até agora, se mobilizou para assumir o protagonismo na regulação do cultivo da planta para fins de pesquisa e remédio.
Salvo recente decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de dezembro de 2022, que autorizou a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) a cultivar a planta dentro da academia a título de pesquisa. Uma decisão ainda isolada, mas que abre precedente.
Dívida institucional
Representando o Ministério da Saúde na audiência pública da quinta-feira passada, o coordenador-geral de atenção especializada e médico, Rodrigo Cariri, reconheceu que há uma dívida institucional do órgão, no sentido de garantir o acesso à todos os pacientes que necessitam do extrato da Cannabis.
“Estamos cuidando de medidas emergenciais e recomposição orçamentária. A saúde mental foi abandonada por intencionalidade do governo anterior. Enfrentamos desabastecimento de medicamentos e vacinas. O Ministério da Saúde virou motivo de chacota internacional com o negacionismo”, lamentou o gestor.
A Cannabis não é prioridade
Cariri deixou claro que há outras prioridades nesse momento, mas que quer contribuir com os debates no Congresso, sem mencionar que a pasta tem prerrogativa – em lei – para regular o cultivo para a produção de remédio no país.
“Em primeiro lugar, 28 PLs tramitam na Câmara e Senado sobre a matéria. E o Ministério da Saúde não vinha discutindo esse tema. Os PLs eram respondidos como se não tivéssemos nada a ver com isso. Daquilo que cabe a nós: as boas práticas de saúde, a incorporação tecnológica, como fazer parte do elenco terapêutico do SUS e a demanda social a partir disso”, pontuou.
Por meio de videoconferência, o neurocientista e professor do Instituto do Cérebro da UFRN, Sidarta Ribeiro, disse que a regulação da Cannabis não avança no Brasil por questões econômicas.
Pânico moral
“O debate está atrasado no Brasil, porque há um pânico moral contra a maconha. Há uma razão histórica, é um bom negócio vender pânico. Porque não há amplo acesso? Por que o capitalismo ainda não entendeu como ganhar dinheiro inteiramente com a planta”, denunciou Sidarta.
O cientista criticou a fala do representante do Ministério da Saúde, que ponderou os custos para incorporar medicamentos à base de Cannabis no SUS, pelo impacto orçamentário.
“A planta traz em si a solução. Ficará mais barato para o Ministério da Saúde deixar de fornecer gardenal para fornecer Cannabis. Eu gostaria que o senhor transmitisse à ministra da Saúde que já chegou a hora! Agora é hora de entrar no século 21”, convocou o pesquisador.
Experiências internacionais seguras
Para o presidente da Associação Nacional do Cânhamo (ANC), Rafael Arcuri, a criação de uma Frente Parlamentar para defender a pauta da Cannabis no Congresso pode dar fôlego a projetos que vão gerar mais emprego, impostos e renda para o Brasil.
“As experiências internacionais mostram modelos de regulação seguros. Não há aumento de criminalidade e nem consumo. O estado de São Paulo já está regulando o fornecimento por meio do SUS. Mas o insumo vem por meio da importação, o que gera renda para outros países”.
Para Arcuri, o Brasil precisa se integrar à realidade internacional. “Até quando seremos uma ilha regulatória isolada do mundo inteiro? Na América Latina, somos um dos poucos países que ainda não regulamentou. Os vizinhos já estão se beneficiando economicamente e socialmente disso”, lembrou.
Contrários se sensibilizam
Os argumentos favoráveis impactaram até na posição de quem é contra. O deputado professor Paulo Fernando – único parlamentar contrário à pauta que compareceu à audiência pública, tanto na terça quanto na quinta passada – reconheceu estar aprendendo.
“A gente aprende! Vou encaminhar uns pacientes para você”, disse o parlamentar a um dos palestrantes, que trouxe evidências empíricas sobre os benefícios que a planta pode oferecer.
Qualidade de vida
Histórias como a da Cidinha Carvalho, fundadora da Cultive em São Paulo, sensibilizou a plateia, com o relato da filha diagnosticada com uma doença rara. A criança, que sofria com convulsões diárias e automutilação, teve a vida transformada com o uso medicinal da Cannabis.
“Há 9 anos eu não preciso levar a minha filha para o pronto socorro por causa de crises convulsivas. Hoje ela está sendo alfabetizada, corre, pula, brinca. Esse é um manifesto de luta pelos direitos humanos, pelas minorias, pela igualdade racial e equidade de acesso”, protestou a mãe atípica.
Cidinha lembrou que há dez anos batalha no Congresso por lei mais inclusivas. “A gente se sente exausta, repetindo sempre a mesma coisa! Até hoje o Legislativo não fez nada. As leis que vão para frente privilegiam os já privilegiados. Somos contra o monopólio do mercado”.
Acesso para todos
Para a ativista, a indústria deveria usar parte dos lucros em reparação social e cotas de empregos, para atender os prejudicados pela guerra às drogas.
“Queremos o acesso para todos. O propósito tem que ser a vida e não a vida ser objeto de lucro. Há quem lucre com a dor e com a morte. Por isso não temos uma legislação para a maconha no Brasil. A planta que naturalmente vem da natureza é nossa”, concluiu Carvalho.
A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL/RS) faz parte do grupo de parlamentares que abraçou a causa. “Esse é um debate de saúde pública e segurança pública. É só uma questão de tempo para avançarmos e reconhecer todos os avanços da ciência nessa questão”, projetou.
Muito embora grande parcela do parlamento já tenha compreendido as propriedades medicinais da planta, quem é contra não está disposto a ouvir, lamentou a deputada Sâmia. Nas duas audiências presididas pela parlamentar, políticos contrários à pauta simplesmente se ausentaram do assunto.
“Ainda há muito preconceito e indisposição de ouvir, entender, e se sensibilizar com as famílias que se beneficiam dessa planta. Acredito que uma Frente Parlamentar vai impulsionar o debate, para que possamos avançar nacionalmente com uma regulamentação que atenda às demandas de toda a população”, conclui Bomfim.
Acesso legal no Brasil
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