De Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, para o universo empreendedor da Cannabis.
No quadro ‘CEO Responde’ dessa semana, o bate-papo foi com a biomédica Bárbara Arranz, fundadora e presidente da Hemp Vegan e da Linha Canábica da BA, hoje um marketplace de produtos canábicos.
Em primeiro lugar, a brasileira, que mora na Espanha há quase cinco anos, casada, mãe de três filhos (um deles autista), conta como é possível conciliar a vida de empreendedora à maternidade atípica e à profissão de biomédica.
Por outro lado, pós-graduada em Cosmetologia, Arranz chega ao Brasil com um novo conceito, envolvendo pontos de venda de produtos veganos (cosméticos) à base de plantas e, claro, a importação dos extratos, gummies e lubrificantes íntimos com canabinoides, moléculas medicinais da Cannabis.
Ousada, Bárbara diz que vai multiplicar sua franquia em todos os shoppings do Brasil, com abertura de 280 pontos de venda até 2024. De fato, o projeto, que mal foi lançado, já vendeu 16 franquias até agora e promete movimentar o mercado.
A empresária, que veio de uma família conservadora, ainda fala sobre como foi possível quebrar preconceitos e barreiras, para investir num mundo predominantemente dominado por homens brancos, permeado de ignorância e fakenews.
Cheia de novidades, Bárbara dá um spoiler do que vem pela frente quando o assunto é inovação, Cannabis e dermocosméticos.
E aí? Achou interessante? Para saber detalhes dessa empreitada acompanhe a reportagem até o fim!
Qual é a sua história com a Cannabis? E quando você decidiu investir nesse mercado?
Eu sou de Moji das Cruzes, mas a família é da Espanha. A princípio, eles fugiram da ditadura para recomeçar no Brasil. Eu cresci vendo a minha avó empreender. Aos 16 anos fui mãe. Foi um baita desafio! As pessoas diziam: “para de estudar, para que estudar”, questionavam.
Aí, veio o segundo filho aos 19 anos e, logo em seguida, o terceiro, quando eu tinha 21 anos. Tenho o privilégio de ter uma relação estável com o Gustavo, pais dos meus 3 filhos. Estamos juntos há 20 anos e nós crescemos juntos. Mas não foi fácil.
E quando você voltou a estudar?
Trabalhei como vendedora de gás encanado, em loja de sapatos… Um pouco depois, com 24 anos, resolvi voltar a estudar. Foi um desafio enorme entrar na área da saúde, com três filhos pequenos.
Os anos da faculdade foram sem dormir. Sempre com aquela preocupação: com o que trabalhar? Em resumo: o que seria como biomédica?
A Cannabis ainda não estava nos planos?
Meu primeiro contato com a Cannabis foi aos 10 anos. Uma tia com esclerose múltipla comentou sobre o Sativex (medicamento com Tetrahidrocanabinol – THC) na mesa do jantar. Aquilo me chamou atenção. Remédio à base de maconha? E a USP coordenando pesquisas sobre isso?
Logo no primeiro ano de faculdade, me interessei sobre acupuntura e manipulação de pontos que ativavam o Sistema Endocanabinoide. Aí, compreendi que a acupuntura já trabalhava de forma integrada nesse sistema. Virou a chave.
Até então, minha intenção era tratar mães durante o pré-natal. Até que meu filho Raul foi diagnosticado com autismo e, de cara, eu recebo uma prescrição de vários medicamentos, entre eles a Ritalina.
Você chegou a tratar o seu filho com esse medicamento?
Na hora em que li a receita, eu falei: não quero isso para o meu filho! Em 2016, eu comecei a pesquisar sobre tratamentos alternativos.
Eu conheci a Margarete Brito (fundadora da Apepi – associação de Pacientes da Cannabis) na internet. Foi a primeira mulher forte a atuar nessa causa com quem tive contato.
Naquele momento, a Apepi me acolheu. Quando comecei o tratamento com o Raul, veio o baque da família: “Você vai drogar o seu filho? Você está estudando para trabalhar com maconha?”
Foram vários ataques da clássica família conservadora tradicional. Mas por outro lado, minha avó sempre nos tratou com ervas medicinais e garrafadas. Eu sempre tive um pé nos fitoterápicos.
Foi aí que você decidiu empreender?
O Raul foi o pontapé. Mas a maconha já estava dentro da minha vida e do meu interesse pessoal. Em 2017, eu lancei o perfil ‘vocêsabia.cannabis’.
Nessa página eu falava sobre comestologia e Cannabis, num momento em que ninguém mais abordava o assunto. Não havia páginas nas redes sociais falando sobre maconha.
Foi aí que lancei a Linha canábica da BA, cosméticos artesanais à base de maconha, que hoje se tornou um marketplace de venda de produtos canábicos e veganos. A ideia era empreender na Espanha, porque eu e meu marido temos nacionalidade espanhola.
E quando nasce a Hemp Vegan?
Na pandemia eu aprofundei o plano de negócios, desenvolvi novos produtos, como o primeiro protetor solar vegano com canabidiol (CBD).
E em 2021, a Hemp Vegan nasce em Madrid (Espanha) com cultivo próprio na Eslovênia. Diferentemente da Linha Canábica da BA, a Hemp Vegan foi desenvolvida de forma mais estruturada.
A Juliana Guimarães, do Dispensário, foi a minha consultora. E a ideia era: como posso apoiar o ecossistema da Cannabis como um todo?
A partir daí surgiram várias ideias. Hoje, já temos 24 produtos desenvolvidos pela Hemp Vegan, temos uma loja física em Madrid, Londres e em breve abriremos a segunda unidade lá e outra em Amsterdã.
Qual é a experiência que você traz da Europa para o mercado brasileiro?
Procuro olhar para o que o Brasil está necessitado. Eu gosto de levar uma linguagem mais didática aos pacientes e consumidores.
Além de se tratar só de uma planta, o óleo da semente é um suplemento alimentar fabuloso. A simplicidade de como pode ser usado esse insumo quebra paradigma.
Também precisamos valorizar médicos e dentistas. Estou acompanhando de perto os passos do Conselho Federal de Biomedicina, sou a primeira biomédica a prescrever a Cannabis, com autorização da Anvisa.
E em breve darei um curso para que os biomédicos entendam mais sobre a terapia canabinoide e suas aplicações. Precisamos fortalecer os conselhos de classe.
Qual é a demanda esperada para o mercado brasileiro da Cannabis?
Os números indicam que o mercado vai movimentar cerca de 12 bilhões de reais até o final de 2024. Eu, como Hemp Vegan, espero crescer pelo menos dois zeros.
Quais são os principais desafios de investir no mercado da Cannabis no Brasil?
Entender o mercado, apresentar inovação e produtos criativos. Um deles é o conceito de franquias físicas e programa de novas revendas.
A Avon e a Natura não trabalham com esse modelo? Porque não podemos vender produtos com terpenos e cogumelos da mesma forma?
Hoje, todas as empresas de Cannabis no Brasil estão numa linha reta. Por meio da RDC 660, que permite importação, dá para trabalhar com um bilhão de produtos. Mas o que vemos é mais do mesmo.
Além da Cannabis, tem a salvia, terpeno botanic… Acho legal levar informação e trazer algo desafiador. Fugir do mesmo.
O que falta para o mercado da Cannabis expandir no Brasil, na sua opinião?
Lançamento de quiosques bárbaros (risos) e tudo regulamentado pela Anvisa. Nosso objetivo é gerar oportunidades de novos negócios com produtos inovadores.
Você já enfrentou preconceito nesse ramo por ser mulher?
Com certeza. Em várias mesas de reunião, os homens se dirigem ao meu marido e não a mim. Nos últimos 5 anos de empreendimento, tive que navegar por muitas águas turbulentas, enfrentando indivíduos mal-intencionados, que acreditam que dinheiro é a única solução.
No entanto, optei por seguir o caminho da simplicidade, construindo nossas empresas com os recursos que tínhamos no bolso, eu e Gustavo juntos. Foi a minha simplicidade que nos trouxe até aqui.
Se eu tivesse cedido ao deslumbre pelo dinheiro, talvez não tivéssemos construído o movimento que construímos hoje. Lembro-me dos tempos em que eu trabalhava para terceiros, para investir nas nossas próprias empresas.
Hoje, com a Hemp Vegan, estou aberta a novas aventuras. Me sinto segura para enfrentar os obstáculos, até mesmo aqueles que são perpetuados pelo patriarcado (risos). Estamos prontos para dar as boas-vindas a novos investidores e continuar a construir juntos.
Não é só empreender, é ser mãe atípica, é cuidar de uma casa, do marido. É olhar para maconha como uma planta livre, muito além de focar nos interesses do mercado.
A empresa pretende operar pela RDC 327 e colocar o produto de Cannabis nas farmácias?
Sim, estamos estudando as possibilidades, correndo atrás da documentação, mas não é o nosso foco agora. Queremos entrar nas farmácias com a cosmetologia.
Antes, vamos abrir as franquias físicas com cosméticos desenvolvidos com terpenos, cogumelos e frutas. Já temos 16 franquias vendidas. Nossa meta é chegar a 280 franquias até 2024.
Há um mercado em potencial envolvendo terpenos e cogumelos não psicodélicos. Eles podem ser usados na cosmetolgia por reunirem ações anti-inflamatórias e antioxidantes.
O shimeji e shitake, por exemplo, reduzem o inchaço, são ricos em vitaminas B e D, ácido cógico. Até nas maquiagens, essas substâncias têm sido utilizadas. Há novidades, aguardem!
Como você vê o aumento da concorrência no setor? Já são 25 produtos com autorização da Anvisa para serem vendidos nas farmácias. É algo saudável?
Como eu disse: vejo todos seguindo na mesma direção. Não vejo como concorrência, vejo como parte de um ecossistema.
Entretanto, falta união e comunicação no setor. Todos deveriam estar trabalhando pela mesma causa.
Por que vender Jequiti? Venda Hemp Vegan (risos)! Me moldo para atender o Brasil. Estamos invadindo com um novo conceito. É sutil? Sim! Mas leva informação, saúde e beleza.
Quantos empregos diretos a empresa gera no Brasil e fora do país?
75 colaboradores no Brasil, Madrid e Londres, por enquanto.
Qual é o produto à base de Cannabis carro-chefe da empresa?
O óleo full spectrum (que contém todos os canabinoides) nunca deixa de ser o carro-chefe. O estrado da Hemp Vengan contém (canabidiol) CBD 5%, (canabigerol) CBG 3 % em 1.000mg.
Em seguida, nossa pomada canahulk anti-inflamatória para dores no corpo, fibromialgia, recuperação muscular também é muito procurada.
Por fim, o gel íntimo lubrificante, que é o meu xodó. Ele funciona não apenas durante o ato, mas serve para tratar problemas de saúde sexual.
Por isso, a Hemp Vegan já conta com 9 urologistas, que prescrevem o gel para ereção e ejaculação precoce.
Qual é o perfil do paciente da empresa?
No Brasil, os pacientes têm entre 28 e 38 anos e sofrem com dores crônicas, ansiedade, síndrome do pânico, insônia e TDHA e depressão.
Na sua visão, a regulamentação do cultivo da Cannabis no Brasil poderia tornar o produto mais barato?
Ficaria mil vezes mais acessível. Sou super a favor do autocultivo. Já passou da hora! A planta não pode ficar restrita a quem tem privilégio. Todos deveriam ter o direito de cultivar e desenvolver seu próprio medicamento.
Assim como pude cuidar do meu filho com a Cannabis, que outras mães possam fazer o mesmo, e se assim desejarem, que seja cultivando em casa.
Se você pudesse fazer um pedido à Anvisa, qual seria ele?
Olhe pelas necessidades de todos e seja inclusiva. Não há por que só esse vegetal estar fora da quitanda.
O que não pode faltar no empreendedorismo canábico?
União, sinceridade, luta e, em primeiro lugar, amor à planta – que é o mais importante.
Como você vê a empresa daqui há 10 anos?
Vejo a Hemp Vegan enorme! Antes de tudo, franquias em todo país. Além disso, o Brasil com uma regulamentação mais aberta e o setor econômico em pleno crescimento. Movimentando o mundo a partir da Cannabis, levando experiência de forma consolidada.
Na sua avaliação, a eleição de um governo mais progressista pode acelerar a tramitação da regulamentação do cultivo da Cannabis no país?
Antes de mais nada, a política me baqueia. É como se fosse um kinder ovo. A cada dia uma nova surpresa. Mas eu acredito nesse governo. Além disso, neta do Lula é paciente e tem trazido esse debate.
Se Deus quiser, conseguiremos mudar a atual política proibicionista do país. Não posso afirmar 100%, mas, sendo assim, tenho esperanças de que em 5 anos o cenário será outro.
Quais modelos regulatórios deveriam ser seguidos no Brasil, na sua opinião?
A regulação do Canadá é referência, na minha visão, e da Holanda também é interessante.
Cite três empresas do mundo da Cannabis que você admira.
Hemp Vegan, Herbarium, O Dispensário.
O uso medicinal da Cannabis já é legal no Brasil
O uso medicinal da Cannabis no Brasil játem regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio da Resolução da Diretoria Colegiada RDC 660 e RDC 327. Entretanto, é fundamental que haja prescrição médica.
Por isso, na nossa plataforma de agendamentos, você pode marcar uma consulta com um médico ou cirurgião-dentista que tem experiência na prescrição dos canabinoides. Mais de 30 patologias podem se beneficiar com as moléculas medicinais da planta.
Portanto, acesse já e agende sua consulta! São mais de 250 especialidades.
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