No quadro “A CEO Responde”, conversamos com Ana Rios, da Just Hemp CBD, uma empresa irlandesa com braço italiano e uma pitada de tempero brasileiro. A engenheira ambiental, que é do Brasil, decidiu abandonar a carreira para investir em Cannabis para fins medicinais, recreativos e cosméticos na Europa, onde mora há quase dez anos. No velho mundo, a empresa possui um catálogo com 27 produtos e conta com 22 pontos de distribuição.
No Brasil, a Just Hemp CBD desembarcou em 2020, com a proposta de trazer produtos premium, óleos com pelo menos 15% de canabidiol (CBD) e flores italianas com altas concentrações da molécula não psicotrópica da Cannabis. Quer saber mais sobre a Just Hemp CBD?
Não deixe de ler a entrevista completa até o fim.
Qual é a sua história com a Cannabis? E quando você decidiu investir nesse mercado?
Meu primeiro contato com a planta foi aos 14 anos. Mas só aos 24 eu tive acesso ao mercado profissional da Cannabis, quando sai do Brasil e vim morar na Europa.
Em 2015, na Irlanda, foi a primeira vez que eu tive contato com o óleo. Desde então, venho tratando meus pais e amigos assim, com canabinoides.
Em 2018, eu fui morar na Itália, para fazer um mestrado em Ciência Florestal e Gerenciamento de Terras.
Na época, eu fui contratada por uma empresa Belga, para trabalhar com cânhamo. Minha formação é em Engenharia Ambiental.
Como que foi trabalhar com o cânhamo?
Trabalhamos com o cultivo de cânhamo para regenerar e purificar o solo de uma área degradada. Desde então, percebi que havia várias outras vertentes na indústria do cânhamo.
Na verdade, a Itália é o berço do cânhamo na Europa. Em 2017, o mercado estava muito aquecido por lá. Por isso, eu decidi largar o meu trabalho como engenheira ambiental e empreender com a Cannabis.
Naquele ano, eu conheci vários produtores de cânhamo e laboratórios. A partir daí, conseguiu fechar alguns contratos.
Meu marido já trabalhava com alguns produtores B2B (empresa para empresa) para o desenvolvimento de produtos ‘white label’ ou marca branca. Por causa disso, veio a ideia de criar uma marca própria para vender diretamente para o consumidor.
Onde a Just Hemp CBD nasceu?
A Just Hemp CBD é irlandesa, com braço italiano. Em 2017, começamos a trabalhar com haxixe de CBD e a flor da Cannabis. No ano seguinte, trouxemos os óleos e expandimos o catálogo.
Hoje, contamos com 27 produtos. Entre eles, pomadas para uso tópico e cosméticos. Atualmente, temos 22 pontos de distribuição na Europa.
Quando a Just Hemp CBD desembarcou no Brasil?
No Brasil, chegamos em 2020, em plena pandemia. Em 2019, conheci muitos brasileiros em Portugal. Até então, eu não sabia que o mercado no Brasil já estava crescendo.
Foi por meio desse networking que eu comecei a receber pedidos para importar para o Brasil. Gradativamente, fomos estabelecendo um mercado no país. A partir daí, fui estudar a regulação e passei a fazer toda a parte burocrática, para entender o processo do início ao fim.
Qual é a demanda esperada no mercado brasileiro?
Nesse ano, só no primeiro trimestre, a Just Hemp CBD vendeu mais do que o ano inteiro de 2022. Isso mostra que a chave está virando e o mercado está em expansão. Fora isso, almejamos trabalhar com venda pública também.
Hoje, produzimos 15 litros de óleo port mês, em frascos de 10 e 30ml. Também vendemos óleo para empresas que querem desenvolver sua marca própria, com produto ‘white label’.
Qual são os principais desafios de investir no mercado da Cannabis no Brasil?
A legislação é o que mais nos impede de crescer. A importação via RDC 660 não permite estoque. Só quem tem autorização para vender nas farmácias pode estocar.
Apesar de a regulamentação ter melhorado no Brasil, a entrada do medicamento no país ainda é muito burocrática. Tem que sofrer inspeção em Campinas, o produto fica parado durante dias. É complicado para quem tem pressa e precisa do medicamento com urgência.
A Just Hemp CBD pretende operar pela RDC 327 e colocar o produto de Cannabis nas farmácias?
Queremos dar entrada no processo na Anvisa ainda nesse ano, no segundo semestre.
Como você vê esse o aumento da concorrência no setor? Já são 25 produtos com autorização da Anvisa, para serem vendidos nas farmácias. Essa competição é saudável?
Existem muitas empresas que correm para fazer o registro na Anvisa, mas não conseguem ter saída no mercado. Na verdade, a gente vê muitos produtos registrados que não têm saída, porque não existe, na minha concepção, um trabalho de raiz.
Precisamos entender as demandas do mercado, para depois dar o segundo passo. Entender o que o paciente e médico pedem. Tem muitas formulações registradas, mas os produtos são iguais e o valor não está competitivo.
O produto que chega na farmácia carrega uma série de certificações e a diversidade ainda é baixa. Se entender esse fluxo, não tem muita competitividade. Ainda há muito espaço.
Mas é difícil bater de frente com as grandes farmacêuticas. Entendo que podemos atuar regionalmente, porque o Brasil é continental. Se a empresa trabalhar assim, será bem-sucedida.
Quantos empregos diretos a Just Hemp CBD gera no Brasil e fora do país?
Atualmente, temos 28 representes na Europa e 3 funcionários no Brasil. Nós optamos por terceirizar o atendimento e desembaraço na aduaneira. Também contratamos uma empresa para fazer o marketing. Atualmente, somos dois sócios, eu e o Kennedy Bacarin.
Qual é o produto carro-chefe da Just Hemp CBD?
As flores são os nossos principais produtos. Nós nos especializamos em flores e todas são premium. Temos cinco diferentes cepas: blueberry sherbet, gelato, lemon haze, bruce banner.
São flores italianas, com baixos teores de THC (tetrahidrocanabinol). Isso porque a Itália permite um teor um pouco acima de 0,3 chegando a 0,4%.
Eu percebi que estávamos ficando para trás, quando vi que algumas gigantes já estavam trazendo flores para o Brasil. Nós fomos os pioneiros com as flores e sofremos preconceito, disseram que iríamos queimar o mercado.
Ganhamos muitos haters, tanto de empresas, como de pessoas preconceituosas, que não entendem que há outras formas de ministrar os canabinoides.
Qual é o perfil do paciente da Just Hemp CBD?
O paciente na Europa é mais conectado com a cena recreativa, para além do CBD. Aqui, os pacientes se automedicam. Já no Brasil, o paciente precisa ter uma patologia diagnosticada e visível, para começar o tratamento. São pessoas que sofrem com epilepsia, agressividade, insônia crônica, ansiedade crônica. Em contrapartida, na Europa, eles fazem uso suplementar do CBD e não muito dosado.
A Just Hemp CBD pretende desenvolver novas formulações, com moléculas como CBN (canabinol) e CBG (canabigerol), por exemplo?
Faremos o lançamento do óleo delta-8, até o final do mês. Vamos lançar no Brasil, durante a Medical Cannabis Fair. Nossas fórmulas são baseadas em pedidos médicos e demandas de pacientes. Temos um óleo mais forte, com 3000mg de CBD, outro mais leve, com 1.500 mg de CBD. Aleém desses, tem o de 1.500mg de delta-8, com 5% de CBG.
Na sua visão, a regulamentação do cultivo no Brasil poderia tornar o produto mais barato?
Só a regulamentação do cultivo, não. Porque do contrário, vai acontecer o mesmo o que ocorreu no Uruguai. Lá, só tem cultivo, mas não há extração, uma parte cara do processo.
Para que o produto fique mais barato é preciso criar um parque industrial, com uma composição de várias indústrias. Se não for assim, vamos exportar biomassa, para produzir o óleo lá fora. O cultivo não é tudo, mas sim, uma parte do processo.
Na sua opinião, o que falta para esse mercado expandir?
O ideal seria ter um relaxamento na parte de importação. Isso ajudaria muito! A desclassificação do CBD como um produto restrito e controlado também. Esse tipo de medida já abriria espaço para a produção de cosmético.
Se restringir o CBD para a área médica, o mercado não vai expandir. E ficará restrito aos farmacêuticos. Justamente é isso que a gente não quer! Queremos empreender dentro da indústria. Mas, claro, até lá, vamos dançar conforme a música, seguindo as regras do jogo.
Se você pudesse fazer um pedido à Anvisa, qual seria ele?
Desclassificar o CBD como substância controlada e permitir que a molécula possa ser usada como suplemento alimentar, para que todos possam ter acesso irrestrito, sem serem obrigados a se submeter a uma consulta médica, para ter acesso ao canabidiol com até 0,3% de THC, ou seja, o produto que vem do cânhamo.
O que não pode faltar no empreendedorismo canábico?
Ativismo. Você precisa quebrar padrões para trabalhar nesse mercado e não ter medo de preconceito.
Como você vê a Just Hemp CBD daqui há 10 anos?
Com vários pequenos dispensários terapêuticos espalhados pelo Brasil, atingindo muitos pacientes e clínicas.
Queremos atender pessoas que sofrem com adição de outras drogas. Queremos cultivar no Brasil e ensinar também. Em 10 anos, nosso objetivo é produzir 100% no Brasil.
Cite três empresas do mundo da Cannabis que você admira.
Charlotte Web, a primeira que deu visibilidade à causa.
Reaja, que trouxe um instrumento na palma da mão, para descobrir fraudes e produtos paralelos.
Também adoro as empresas que têm lideranças femininas, isso é muito importante nesse meio. Empresas com mulheres à frente me trazem realização, porque vejo que não estou sozinha. A planta é feminina e é muito bom ver mulheres representando isso.
Na sua avaliação, a eleição de um governo mais progressista pode acelerar a tramitação dessa pauta no país?
Sem dúvida, esse governo está mais aberto à discussão! Já ouvimos algumas manifestações de integrantes desse governo alinhadas à pauta do cultivo.
Na verdade, o que a gente espera que a regulação da Cannabis no Brasil realmente avance e se desenvolva. Já são quase dois anos que o PL (Projeto de Lei) está parado. Apesar de terem sido eleitos muitos representantes que são contra a pauta – e isso pode ser uma barreira -, o assunto precisa avançar dentro do Congresso.
Quais modelos regulatórios deveriam ser seguidos no Brasil, na sua opinião?
De fato, se seguir o mesmo padrão da União Europeia, que classificou o cânhamo como alimento, já será um grande passo. O cânhamo é um alimento poderoso, que oferece vários subprodutos. Por isso, essa é uma indústria que pode gerar muitos empregos e renda para o Brasil.
Entrevista com a Ana Rios na Feira CannaDouro (2022) em Portugal.