O deputado federal preside a Comissão Especial da Cannabis na Câmara dos Deputados e conta como o Brasil está prestes a regulamentar o medicamento
Neste ano de 2020, o homem mais importante para a Cannabis medicinal no Brasil é o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP). Ele é o presidente da comissão especial que analisa a comercialização do medicamento na Câmara dos Deputados.
Não é a primeira oportunidade de fazer história que Teixeira encontra na área de saúde. Foi ele o autor da lei que permitiu ao poder público distribuir seringas descartáveis na década de 90. A legislação foi um marco e o primeiro passo para o Brasil ser reconhecido internacionalmente pelo seu programa de saúde no tratamento do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), que causava a AIDS.
Agora, o desafio é a Cannabis medicinal. A Comissão Especial que Teixeira preside realizou 12 audiências públicas, ouvindo especialistas, cientistas e pacientes. Depois, fizeram três visitas técnicas, visitando experiências de sucesso no Uruguai, Colômbia e João Pessoa, na Paraíba.
Agora, aproxima-se o momento crucial, pois nos próximos dias deve ser concluído o voto do relator, o deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR). Porém, ainda há trabalho a ser feito. Depois de pronto, e antes de ser divulgado, o voto deve ser discutido, em um ajuste que pode resultar no momento que tantos esperam: a regularização completa da Cannabis medicinal no Brasil.
Sobre os próximos passos da comissão especial e a situação da Cannabis no País, ouvimos o deputado.
Cannabis & Saúde: Qual a sua expectativa para o voto do relator da comissão?
Paulo Teixeira: Eu espero um voto bom. Porque a regulação feita pela Anvisa é muito limitada. É por isso que a gente prossegue. Se tivesse sido suficiente, não tinha porque nós prosseguirmos nos trabalho da comissão. A resolução foi editada durante os trabalhos. Quando chegou nos perguntamos: ela é suficiente? A resposta nossa e da sociedade foi não. A regulação da Anvisa é limitada. Por isso nós precisamos de uma regulamentação legal do Congresso Nacional. E por isso eu espero que a resposta do relator seja adequada às necessidades da sociedade brasileira.
C&S: Como o senhor avalia os membros titulares da Comissão Especial?
PT: Na sua grande maioria, eles são favoráveis a uma regulação moderna, independente do espectro político do qual eles fazem parte. Nós vamos ter votos muito parecidos entre a extrema-direita e a esquerda, porque não será esse o recorte para a aprovação da matéria. Não será um recorte de natureza político-ideológica, mas sim um posicionamento sobre o tema. E nesse posicionamento eu sinto que a oposição é minoritária na comissão.
C&S: E essa oposição na comissão hoje está restrita a quatro ou cinco deputados?
PT: Talvez isso mesmo, cinco ou seis deputados que se opõem ferozmente, radicalmente, Os demais são favoráveis a uma regulação e isso une segmentos ideológicos distintos, que estão em contradição na política mas neste tema podem se unir. Se o voto do relator for bem costurado, ele pode fazer com que esse relatório vá direto para o Senado.
C&S: Então a costura agora é fundamental, pois livraria o tema de ser votado no Plenário da Câmara?
PT: Isso, porque aí não teria base [política] para que quem quiser divergir.
C&S: A costura desencoraja quem quiser tentar discutir no Plenário.
PT: Não teria muito sucesso se tentassem fazer isso. Um relatório muito preciso pode fazer isso.
C&S: Como o senhor avalia a presidência atual da Anvisa?
PT: O que nós percebemos é que para aprovar uma regulação tão limitada quanto essa que foi aprovada no fim do ano passado foi necessária uma intervenção na agência. Eles tiveram que trocar diretores, porque a diretoria de então era favorável a uma regulação mais moderna. O então presidente William Dib foi chamado muitas vezes pelo governo para propor essa regulamentação restrita que está aí e ele nunca aceitou. Tanto que eles tiveram que trocar vários diretores e derrotá-lo. O que mostra que essa regulação só é limitada porque teve uma interferência política muito pesada.
C&S: Qual foi a consequência disso?
PT: Tem dois problemas graves. O primeiro é a proibição do cultivo no Brasil. O País tem tamanho, território, ciência, clima, conhecimento, indústria, segurança para o cultivo acontecer aqui. E o mais importante, o Brasil tem um sistema único de saúde universal, para mais de 200 milhões de habitantes. E essa regulação atual vai encarecer o preço dos medicamentos. Esse é o primeiro grave problema. Encarece o acesso ao medicamento e atrasa o País em relação a esse tema. Vamos chegar atrasados nisso, não terá um espaço no desenvolvimento científico, industrial, médico. Vamos ficar para trás por causa de preconceito.
C&S: E o segundo problema grave?
PT: É você querer limitar a quantidade de THC. Tem muitas enfermidades que requerem um nível de THC maior. E o THC é parte da solução, não parte do problema. O preconceito acabou determinando essa regulação com esses dois problemas. Impedir que se produza aqui, o que vai fazer com que o Brasil tenha que importar, ou do Uruguai, ou da Colômbia, ou de outro lugar. E interferir na potência dos medicamentos. Porque o grande conhecimento que se tem sobre medicamento a base de Cannabis é que a interação do CBD e do THC é que dão a força do medicamento.
C&S: Existiu uma base para essa interferência?
“Eles quiseram interferir por razões estranhas à medicina”
PT: Eles estão raciocinando com outra chave, preocupados com o uso não medicinal e quiseram interferir na qualidade do uso medicinal. Isso é uma interferência indevida, não razoável.
C&S: Se um bom acordo for atingido, como o senhor espera que pode ficar nossa regulação em relação a outros países mais avançados nessa área.
PT: Se tiver sucesso, vamos ficar à frente deles ou ainda atrás.
O Brasil pode ter o melhor exemplo de regulação. Quais são os melhores exemplos hoje, EUA, Canadá, Colômbia e Uruguai. São cinco finalidades: medicinal, veterinária, cosmética, industrial e alimentícia. Precisamos autorizar o plantio para todas elas.
C&S: Sobre o plantio medicinal, de que modalidades devem ser autorizadas?
PT: Acho que a gente deveria autorizar as seguintes: para fins de produção de medicamentos com grau de THC, para produção de medicamentos que sejam processados por farmácias de manipulação, medicamentos produzidos por associações de pacientes e medicamentos que sejam produzidos pelos próprios pacientes com supervisão técnica de farmacêuticos.
C&S: Por enquanto, a comissão está considerando que tipo de enfermidades.
PT: Primeiro, pessoas que têm convulsões, epilepsia, tem crianças com 20, 30, 40 convulsões diárias. A Cannabis se mostrou muito eficiente para acabar com as convulsões.
A segunda finalidade é dores crônicas, dores de todos os tipos. Os medicamentos à base de Cannabis se mostraram muito efetivos para substituir os opioides. Os efeitos colaterais são muito menores do que os efeitos colaterais dos medicamentos a base de opioides.
Para esse tipo de dor crônica e doenças que provocam dores podem ser tratadas com medicamentos à base de Cannabis.
C&S: A lista de enfermidades relacionadas ao medicamento hoje é extensa. Que outras vocês também estão considerando como importantes?
PT: Diversas. Glaucoma, fibromialgia. Para tratamento do câncer também, nos efeitos colaterais da quimioterapia. Para pessoas que se tratam com antirretrovirais, que tem AIDS, também os medicamentos à base da Cannabis são muito úteis. Ao mesmo tempo, eles têm sido estudados e têm sido efetivos no tratamento do envelhecimento do aparelho neurológico. Por exemplo, Alzheimer, Parkinson e outras doenças do aparelho neurológico. São aplicações que estão sendo adotadas no mundo inteiro.
C&S: Isso tem um impacto enorme para milhões de brasileiros.
PT: Sim. Estimamos ter 10 milhões de pacientes que hoje necessitam de medicamentos à base de Cannabis. Como temos um sistema único de saúde, universal, o custo para o SUS vai ser elevadíssimo. Então a gente tem que produzir aqui a Cannabis para uso medicinal e fazer com que seja acessível. Somente assim todos esses pacientes no Brasil poderão receber o medicamento a preço modesto, justo ou gratuitamente no caso do SUS que fornece medicamentos caros para seus pacientes.
C&S: Há um componente econômico muito forte nesse debate.
PT: O Brasil não pode perder esse ciclo da produção da Cannabis. O Mevatyl, disponível na farmácia hoje, custa R$ 2,8 mil. Evidente que se o Brasil produzir aqui, vai produzir também para o mundo. No caso de não poder produzir, terá que importar ou ao preço do Mevatyl ou vai produzir aqui tendo que comprar matéria-prima do exterior. Isso encarece tudo brutalmente.
C&S: Existe uma preocupação maior com relação ao THC, principalmente no plantio.
PT: Todos os países que regulamentaram, o fizeram com normas, muito claras, para quem for fazer plantio. Quando são plantas com THC, elas são plantadas em lugares seguros, com estufa, com segurança, elas são identificadas, rastreáveis desde as sementes, para que não tenha um desvio de finalidade, do plantio de fins medicinais para outros fins. Então, há toda uma regulamentação no sentido de garantir segurança para essa produção, pra esse plantio, e essa segurança nunca foi atacada em nenhum outro país, no Uruguai, na Colômbia, e mesmo nessa experiência brasileira, você tem plantio indoor em um município brasileiro, uma capital, que nunca sofreu um ataque.
C&S: Essas preocupações são equivocadas?
PT: Você pode fazer adequadamente. Nós precisamos retirar o preconceito da cabeça das pessoas, ele acaba turvando a mente de quem está olhando o problema. A legislação não pode ser orientada pelo preconceito, ela tem que ser orientada pelo aspecto científico. De um prisma racional.
C&S: Em comparação com o que o senhor conseguiu fazer na década de 90 com as seringas descartáveis, hoje o desafio é maior ou menor? Como que o senhor compara os dois períodos?
PT: Olha, o Brasil é um país contraditório. Quando a gente aprovou o uso de seringas descartáveis para evitar proliferação do vírus da aids, havia um preconceito enorme no começo, mas a sociedade brasileira incorporou esse tema de tal sorte, que nós tivemos no Brasil 125 programas de redução de danos com o uso de drogas injetáveis por usuários brasileiros. E criamos um movimento muito importante, onde o Brasil virou um exemplo pro mundo legal. Eu me lembro que eu fui convidado pra viajar o mundo inteiro pra falar da nossa lei brasileira.
C&S: É possível fazer o paralelo com a Cannabis?
PT: É a mesma coisa. Na medida em que as pessoas param pra refletir, elas acabam sendo favoráveis. E as pessoas começam a ter problemas de saúde nas suas famílias, no seu entorno, que as fazem compreender a necessidade desse medicamento. Os depoimentos são tão contundentes que as experiências com o uso de um medicamento à base de Cannabis acabam resultando em efeitos tão positivos, que se assemelha a milagre para a saúde das pessoas.
“Com isso, as pessoas falam, olha, eu não posso ter preconceito diante de um fato tão positivo. Uma criança que tem 40 convulsões diárias, não consegue sair da cama, não consegue andar, com o uso de Cannabis deixa de ter convulsões, começa a andar, começa a se alfabetizar, começa a nadar, isso é um milagre na vida de uma criança.”
C&S: Isso tem o poder de quebrar o preconceito.
PT: As pessoas passam a entender, “eu não posso ter preconceito”. Como um meio de cura, portanto, a minha opinião é que o Brasil é um país tão generoso que vai de extremo preconceito para forte apoio quando vê que aquele preconceito, o abandono do preconceito, a superação do preconceito pode salvar vidas.
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