Aconteceu no último fim de semana de julho de 2022 o II Congresso Canábico Xamânico: Ciência e Espiritualidade. Em 3 dias, o encontro teve palestras, oficinas e muitas trocas de experiências entre profissionais da saúde de várias especialidades, pacientes com seus responsáveis e praticantes de xamanismo.
O evento foi organizado por duas pessoas, uma é a Dra. Vanessa Matalobos, que foi a convidada da nossa live sobre Cannabis na pediatria, e a outra é a Xamã Anna Xara. Anna contou para a gente como foi difícil unir temas que pareciam tão distantes.
“Realizar o II Congresso Canábico Xamânico foi um grande desafio, mas um desafio muito prazeroso. Porque quando você ouve as palestras, você ouve os médicos falando, advogado falando, explicando a importância dessa planta na cura da espécie humana e a espécie passando por esse processo de Covid-19, a depressão em larga escala, uma guerra que está deixando o planeta todo tenso, denso. É maravilhoso fazer parte de uma transformação que essa planta, esse ouro verde, traz para a nossa vida.”
O uso da Cannabis na Medicina Integrativa
Apesar de a palavra xamanismo ter origem na prática religiosa dos povos indígenas da América do Norte, a abordagem do evento trouxe práticas tradicionais de povos de várias partes do mundo que podem contribuir para o bem-estar e cura de pacientes que se tratam com Cannabis. Por exemplo, ioga, acupuntura, meditação e aromaterapia são atividades que também modulam o sistema endocanabinoide e podem ser ferramentas poderosas para alcançar os objetivos do tratamento.
Essas opções foram abordadas nas falas de duas médicas, a Dra. Carolina Dantas e a Dra. Paula Reichert, ambas da Medicina Integrativa, lembraram que apenas receitar os canabinoides não é suficientes para uma evolução geral do estado do paciente. É preciso estimular a boa alimentação e exercícios físicos em quem se trata com Cannabis, e também aproveitar alimentos que estimulam o sistema endocanabinoide, como cacau e maca peruana.
A Dra. Carolina Dantas já usa uma abordagem multidisciplinar em sua clínica, a Uno, onde o atendimento é feito por profissionais de várias áreas.
“Reiki, meditação, massoterapia, aromaterapia. Hoje na clínica, a gente tem uma psicóloga, que trabalha com a reabilitação cognitiva especialmente com crianças autistas e com dificuldade de aprendizado, a gente tem duas fitoterapeutas maravilhosas, uma delas é terapeuta ayuverdica e aromaterapeuta, a outra é massoterapeuta. E a gente tem a intenção de crescer, de ter mais pessoas que tenham esse mesmo olhar.”
Esse tipo de abordagem coloca o paciente em primeiro lugar, descentralizando o poder do médico para promover a saúde. Fica estabelecida aí uma parceria entre as duas partes.
Cannabis resgatando valores
Ancestral, o uso medicinal da Cannabis tem registros conhecidos desde pelo menos 2.800 a.C. e é no resgate das tradições de cuidado à saúde que a planta dialoga com o xamanismo. Alguns exemplos dessa relação são a atenção contínua ao paciente, o uso de plantas e extratos e a preocupação com um quadro geral de saúde do indivíduo. A medicina canabinoide traz de volta o que era o exercício da profissão nos tempos mais antigos, quando o terapeuta, o médico e o farmacêutico eram uma atividade única.
A ioga também teve seu espaço no II Congresso Canábico Xamânico, através da prática realizada pela instrutora Ana Carolina Matalobos. Ela também faz uso medicinal da Cannabis e nos contou que vê muitos pontos em comum entre o uso da planta e a ioga, ambas com valor reconhecido na Índia.
“Eu considero tanto a ioga quanto a Cannabis como medicinas que buscam, justamente, trazer o bem-estar e o equilíbrio para o nosso corpo, para a nossa mente. Então, essas duas ferramentas ajudam no alívio de estresse, tensão, ansiedade, da depressão, em vários desequilíbrios energéticos e emocionais que a gente pode usar essas ferramentas como aliadas.”
Ainda relembrando o conhecimento da medicina tradicional indiana, Dr. Gustavo Montone contou como une a ayurveda para promover uma cura multi sistêmica aliada a uma boa nutrição.
Atenção à saúde mental
Quando pensamos na saúde mental, a relação entre Cannabis e xamanismo fica ainda mais próxima. Com muitos casos ligados à ansiedade, depressão e insônia surgindo no país, principalmente por consequência da pandemia de Covid-19, surge a necessidade de incluir alguns temas no nosso repertório de cuidados, como o contato com a natureza e o potencial de cura em reduzir o ritmo frenético do cotidiano.
O psiquiatra Diogo Lara deu uma amostra de como ele promove a cura emocional e física pelo processamento de memórias em uma sessão coletiva e emocionante. Na mesma área, a Dra. Ana Caroline Santana falou sobre tratamentos em insônia, depressão, autismo, transtorno do estresse pós-traumático e outras patologias.
Ainda relacionado à Cannabis, tivemos palestras com as advogadas Taís Correa e Pamela Godoy, do escritório Correa Godoy Advogados, tirando dúvidas sobre como produzir o próprio remédio seguindo as leis. Sobre o cultivo de Cannabis, o fundador e presidente da associação de pacientes Acalme Brasil.
A educadora canábica Morena Minotto deu um depoimento que é impactante por si só. Ela está no espectro do autismo e dividiu com o público como a Cannabis faz parte da vida dela desde a infância até a vida adulta, atuando como terapeuta de acompanhamento familiar ao uso da medicina canábica. Pessoas com o transtorno do espectro autista costumam ter muito dificuldade para falar em público e o exemplo dela dá esperança a pais de crianças autistas, mostrando que eles podem ser indivíduos independentes.
Agustin Guzmàn é um entusiasta das plantas medicinais, peregrinou por muitos lugares da América Latina e dividiu com a platéia alguns de seus conhecimentos sobre a Cannabis e mais vegetais que podem nos ajudar de alguma maneira, como os cactos wachuma, o chá das folhas de coca e a ayahuasca.
Além de palestras e relatos de casos, o II Congresso Canábico Xamânico também teve cerimônias tradicionais de cura, como rapé indígena, sauna sagrada e muitas rodas de cantos e reza. A boa avaliação dos participantes incentivou a Xamã Anna a dar continuidade no evento e criar um espaço dedicado à cura através do xamanismo e da Cannabis.
“Eu sou usuária do óleo de Cannabis medicinal e são bons os resultados que trouxe para o meu corpo físico e para a expansão de consciência. Estou desenvolvendo aqui dentro do nosso espaço, que é a Aldeia Gaia, um centro de cura canábica xamânica. O que significa isso? Juntar o óleo da Cannabis medicinal, com a prescrição de um médico direcionando para cada paciente aquilo que realmente ele precisa consumir, com a desintoxicação alimentar, corporal, espiritual e mental.”