No quadro o CEO responde dessa semana, ouvimos José Bacellar. O executivo da canadense VerdeMed no Brasil está à frente de uma das principais empresas de fármacos canabinoides com autorização da Anvisa para comercializar nas farmácias brasileiras. Nesse bate papo, Bacellar conta sobre as expectativas de expansão e demanda da empresa, a chegada dos produtos nas drogarias e a intenção de ampliar a atuação por toda a América Latina.
José Bacellar possui extensa experiência profissional na indústria farmacêutica e conhecimento relevante na cadeira produtiva da Cannabis para fins médicos. O executivo já ocupou outros cargos de liderança e destaque antes de assumir o comando da VerdeMed. Foi presidente e CEO da Bombril S/A (Brasil), atuou como CEO da Vetnil (Brasil) e foi chefe de desenvolvimento de negócios da ACIC Pharmaceuticals (Canadá). Na Canopy Latam atuou como chefe de desenvolvimento de negócios e ainda ocupou o cargo de diretor de operações na Canopy Health (Reino Unido).
Com sede em Toronto, no Canadá, a Verdemed chega ao sul do continente para atender às necessidades clínicas da América Latina com produtos aprovados pelos principais órgãos reguladores dos países.
A VerdeMed entrou com força total no mercado brasileiro da Cannabis. Podemos esperar, em breve, o produto da VerdeMed (com canabinoides) nas prateleiras das farmácias?
A expectativa é de que o nosso primeiro produto esteja disponível nas farmácias entre final de agosto e início de setembro. A segunda formulação deve chegar ao mercado até o final do ano. O restante, só no ano que vem, porque ainda dependemos da aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Qual é a demanda esperada?
A Prati Donaduzzi, que é a primeira a estar presente nas farmácias – a pioneira – está vendendo cerca de 10 mil frascos por mês, segundo dados que circulam no mercado, dentro das três apresentações. A gente sabe que dentre os volumes estimados pelo mercado, há mais de 50 mil pacientes que fazem importação direta. Sabemos que não é todo mês. O normalmente, o frete é muito caro, as compras acontecem a cada três ou quatro meses. Temos uma estimativa de 30 milhões de reais em vendas anuais, fora as compras governamentais, que deve girar em torno de outros 30 milhões. O Estado de São Paulo, por exemplo, comprou 28 milhões (medicamentos à base de canabinoides) nos últimos dois anos. Acreditamos em uma demanda aparente de 100 milhões de reais/ano. Hoje, existe uma demanda reprimida muito grande, porque o preço do medicamento ainda é muito caro. Quando entrar nas farmácias, ganhará escala. Então, esperamos conseguir reduzir o preço.
Já podemos saber por quanto o produto será vendido nas farmácias?
Ainda não dá para saber quanto custará nas farmácias. Depende das tarifas, deve sair em média, o valor que as pessoas pagam pelos importados. Ainda não dá para reduzir o valor de início, porque sabemos que a demanda será pequena nesse primeiro momento.
Como a empresa avalia a entrada de novos medicamentos no mercado? A Anvisa já autorizou a comercialização de 19 produtos nas drogarias. A concorrência é algo saudável para esse mercado da Cannabis?
É importante esclarecer que não são 19 produtos. Precisamos clarificar isso. A Prati Donaduzzi, por exemplo, tem um produto em três apresentações, assim como a Farmanguinhos que também está para lançar o medicamento no mercado. A VerdeMed tem dois produtos, a GreenCare tem três… todos são os mesmos produtos. Na verdade, você divide o mercado por “source”, ou seja, fonte produtora. Há uma grande confusão entre apresentação e concentração em função da legislação. Do ponto de vista clínico, um produto de 50mg por ml é igual ao de 100mg por ml. O produto é o mesmo em diferentes concentrações e apresentações. Para fazer essa análise, temos que ver quantas empresas receberam autorização da Anvisa. São cerca de 12. Essa é a oferta potencial. E isso é muito bom para o mercado. Entretanto, não é fácil colocar o produto nas farmácias. Todas as empresas passam pelos mesmos problemas que estamos enfrentando. Leva tempo para produzir, importar, desembaraçar. A previsão é de que muitos produtos cheguem nas farmácias no segundo semestre. Mesmo sendo produtos iguais ou diferentes, temos uma demanda a suprir. E as empresas têm o papel de desmistificar o uso de medicamento à base de Cannabis. A chegada dos medicamentos nos pontos de venda deve ganhar força junto aos médicos, ganhar mais confiança em prescrever e a demanda será maior.
Hoje, qual é o tamanho do mercado nacional na avaliação do senhor?
Na nossa avaliação é de 100 milhões de reais por ano.
Nossas estatísticas foram feitas com base nas incidências das doenças que são tratadas com a Cannabis. É importante dizer que, ainda que tenhamos um em cada cinco adultos com distúrbio do sono, ou seja, pelo menos 25 milhões de pessoas, nem todos vão usar o nosso medicamento. A Cannabis não será a primeira droga que o médico vai prescrever. Não é uma panaceia. As doenças que a Cannabis trata já têm solução, até para epilepsia refratária. Há um grande “oba, oba” com relação ao uso medicinal da Cannabis. É importante analisar com cuidado. Mas, acho fascinante observar as pessoas prevendo que o mercado da Cannabis pode atender a 50 milhões de pacientes só no Brasil.
Qual é o perfil do paciente brasileiro?
Hoje, existe uma demanda espontânea dos pacientes, ainda maior do que a gerada pelos próprios médicos. Ainda existem poucos médicos prescritores no Brasil. O perfil dos pacientes aqui no Brasil é de uma pessoa que já tentou tratar as enfermidades com drogas tradicionais, não conseguiu e recorreu à Cannabis em última instância. Há outros pacientes que já buscam medicamentos mais naturais. A vantagem da Cannabis é que ele trata qualquer idade, qualquer pessoa acima de 18 anos. Vemos muitos casos de epilepsia, autismo e dor crônica, por exemplo.
Hoje, qual é o produto carro-chefe da VerdeMed?
Ainda não temos o produto nas farmácias. Hoje, fazemos a importação do produto dos Estados Unidos e temos dois ou três canais de venda que ajudam a trazer o produto de lá. Mas não fazemos nenhum tipo de marketing ou propaganda, isso é proibido pela Anvisa. Nossos pacientes usam o nosso produto por indicação médica de uma prescritor que conhece o medicamento. Nunca fizemos visitação médica, é proibido. Agora que vamos entrar no mercado será possível divulgar dentro das normas da Anvisa. Mas não se pode chegar no consultório e pedir para o médico prescrever determinada marca. O jogo farmacêutico está só começando. Quem vai ter produção no Brasil, vai ter que jogar pelas regras do jogo, que são as regras da Anvisa – autoridade sanitária. A Agência garante não apenas a nossa segurança e mas também a qualidade dos produtos.
A empresa estuda a possibilidade dispensar outros tipos de canabinoides como o CBN, CBG, CBC…?
O primeiro problema dos canabinoides menores (minors canabinoids) é que a planta produz pouco dessas substâncias, eles são caros. E o segundo, é que ninguém sabe para o que serve exatamente. Não há estudos clínicos que comprovem a eficácias desses canabinoides. Ainda faltam pesquisas sobre o uso do CDB e do THC. Há uma confusão muito grande nisso tudo! As pessoas estão sendo levadas a tomar alguns produtos sem saber se vai realmente funcionar. A Cannabis foi liberada agora. Nenhum médico, atuante hoje, teve aula sobre o Sistema Endocanabinoide na Faculdade de Medicina. A gente ainda é ignorante nesse assunto. Os médicos formados no Brasil e no mundo todo ainda têm pouco conhecimento. Depende da inciativa de cada médico buscar conhecer e se aprofundar antes de prescrever uma substância. Antes de tudo é determinante que as pesquisas sejam aprofundadas.
Quais são as pesquisas que a VerdeMed vem desenvolvendo nesse momento relativas à Cannabis?
Temos cinco anos para entregar estudos clínicos, conforme exige a regulamentação da Anvisa. Isso está nos nossos planos, até para cumprir a exigência da legislação demonstrando que nossos produtos são seguros. Entendo que precisamos começar a vender primeiro para depois abrir laboratório e fábrica. São diferentes estratégias de mercado.
Qual é o maior desafio de empreender hoje – em Cannabis – no Brasil?
Empreender em qualquer lugar é um desafio, um salto no escuro. O grau de incerteza em qualquer setor é muito grande. No Brasil sofremos dos mesmos males e benefícios de qualquer empresa que atua aqui. Não podemos ficar reclamando, do contrário, é melhor investir em outro país. Sobre a Cannabis no Brasil há uma desinformação. Os polos desse debate são extremos, há posições ideológicas muito fortes. Então, nesse debate você cria mais dificuldade do que facilidades. No Brasil há um preconceito muito grande. O THC é entorpecente, não podemos esconder isso. Acho que como tudo leva um tempo. O trabalho das empresas, os Habeas Corpus concedidos pelo STJ, as associações que fazem parte de um grande movimento de educação, os benefícios e malefícios de como usar a planta. Gradualmente há uma diminuição dessa ignorância, dessa falta de conhecimento e isso sempre vem acompanhado de experiência e uso. Esse debate polarizado não ajuda no processo de avançar.
O senhor acredita que é importante autorizar e regulamentar o cultivo em solo brasileiro?
Sim. Temos que ter um caminho do meio. E acredito que o PL 399/2015, do deputado Fábio Mitidieri, de relatoria do deputado Luciano Ducci, é o caminho. Os parlamentares entregaram um documento muito bom que está no meio, no centro. Eu até disse ao deputado que ele iria apanhar dos dois lados. Apanhar do pessoal do legalize e do pessoal da erva do demônio. E uma boa negociação é assim, quando as duas partes não saem satisfeitas. Os extremos não serão contemplados. Não vamos resolver esse problema da noite para o dia. Precisamos de um caminho para o diálogo. Com a chegada dos produtos nas farmácias será mais fácil ter uma discussão pública sobre os benefícios da Cannabis e a regulamentação do cultivo no país. Não podemos esquecer que o THC é entorpecente, uma substância que causa uma mudança de percepção e do estado mental. O álcool também é entorpecente. Ou seja, tem que restringir o consumo de THC, assim como o uso do Rivotril, dos remédios para TDAH, que são passiveis de um uso indevido. O THC pode trazer intoxicação clínicas. Temos que ter uma conversa franca. Vamos liberar entorpecente para vender em supermercado? O PL prevê uma cadeia controladíssima de produção. O projeto é robusto.
Hoje, já se fala em medicina “on demand”. As farmácias de manipulação são importantes nesse cenário? A empresa tem perspectiva de atuar nesse nicho?
A gente ainda não conhece o mecanismo de ação do CBD no corpo e as pessoas já falam em ver o DNA para fazer o desenho do remédio? Primeiro a ciência básica precisa avançar. Com o THC, que tem mais estudos, sabemos com exatidão que essa substância se conecta ao receptor CB1 que se conecta no cérebro e tem como propriedade atuar sobre as sinapses. Ou seja, a velocidade de transmissão dos neurônios fica mais devagar. Por isso dá aquela sensação de lesado ou chapado. Essa sensação é causada pela redução de transmissão das sinapses. Já o CBD não conecta com o CB2, que é segundo receptor que está mais disperso sobre o corpo, e a gente não sabe como atua precisamente. Não tem ciência básica, porque era proibido estudar o assunto. Eu fico fascinado para quem já tem uma solução genética para outros canabinoides. Estão no breakthrough da Cannabis. Eu prefiro estudar e conhecer mais.
Como trabalhar propaganda e informação sobre a Cannabis sem violar as regras que limitam esse tipo de ação?
Cumprindo as regras impostas. Se não gosta das regras, não deveria produzir medicamento. As pessoas não lembram de como era antes da Anvisa. As pessoas não têm noção do papel de proteção e de segurança que a Anvisa representa. Há uma série de críticas, de que a Anvisa extrapola, é muito conservadora, e deveria seguir o exemplo do FDA (Food Drug and Administration) dos Estados Unidos. Como no caso da melatonina, que Anvisa estava mais atrasada. Mas quando entendeu a formulação, liberou. Tudo tem um tempo. Essas substâncias farmacêuticas precisam ter um tratamento diferenciado. Não estamos lidando com cerveja e nem chocolate, um bem de consumo de baixo risco.
Existe a previsão de fornecer formação continuada aos médicos brasileiros?
Já existem muitos cursos disponíveis na internet. O papel das empresas de evangelizar é permanente. Quando a gente estiver com os produtos em mãos, vamos encontrar uma maneira de falar com os médicos dentro da lei. Vamos apoiar as iniciativas de capacitação e formação continuada que já têm no mercado, não pensamos em criar um curso próprio.
Se, hoje, o senhor pudesse fazer um pedido à Anvisa qual seria ele?
A Anvisa vai fazer uma revisão da lei em dezembro, e eu pediria que não fosse feita nenhuma mudança abrupta. Para quem registrou produtos nos últimos três anos foi um aprendizado coletivo. A regulamentação se deu na medida em que foram sendo concedidos os novos registros. Entendo que chegamos num estágio de maturidade saudável. Levamos tempo para aprender e a Anvisa também. As empresas apanharam e continuam apanhando. Meu pedido é que o aprimoramento da regulamentação se mantenha nesse patamar, que não haja retrocessos e normas mais restritivas que façam com que a gente tenha que começar tudo de novo. As regras já funcionam, do contrário não teriam 12 empresas com autorização para vender nas farmácias.
Qual é o grau de satisfação do senhor em relação à regulamentação sobre Cannabis existente hoje no Brasil?
Estou satisfeito. Os produtos que vão ser vendidos no Brasil não têm nas farmácias dos Estados Unidos e nem nas da Europa, as pessoas não têm noção do salto quântico que a Anvisa deu nos últimos anos.
O que falta para o mercado brasileiro expandir na opinião do senhor?
Uma regulamentação positiva. O PL 399 é uma regulamentação positiva. É uma lei que olha de forma benigna para o mercado da indústria e do medicamento. Uma lei que pode atrair novas empresas com grandes potenciais econômicos, gerando, empregos, renda e impostos.
O que não pode faltar no empreendedorismo canábico?
Coragem.
O que motivou a empresa a investir no mundo da Cannabis?
Cuidar da saúde das pessoas.
Como que a empresa se vê daqui a cinco anos?
Com muitos produtos no mercado e em franco crescimento. Queremos ter uma grande importância em toda a América Latina. Em cinco anos, espero estar em todos países da América do Sul e Central.
Cite três empresas especializadas em Cannabis que são destaque na opinião do senhor.
Prati Donaduzzi, pelo pioneirismo. EaseLabs e GreenCare pela forma de empreender.