Rede social não esclarece porque tem perdido – reiteradamente – na Justiça ações contra perfis que tratam sobre o uso terapêutico da Cannabis
Escrevendo pelo próprio punho e sem o auxílio de um advogado, a jornalista e ativista da Cannabis, Gabi Weed conseguiu elaborar a própria defesa e ganhar na Justiça contra uma grande empresa. Ela, que tem mais de 17 mil seguidores no Instagram, conquistou o direito de publicar conteúdos relacionadas à Cannabis, sem sofrer censura pelo pela rede social.
“Antes de buscar a Justiça, meu perfil caiu quatro vezes. Então, em setembro de 2021, eu escrevi à mão a minha defesa e o juiz entendeu que eu não estava produzindo nenhum conteúdo que feria as regras do Instagram. Depois que eu ganhei a ação, o Instagram ainda derrubou meu perfil outras 16 vezes. Ou seja, 20 vezes no total”, detalha Gabi.
Atividade ilícita
Na ação, o Instagram/Facebook alegou que a jornalista praticou atividade ilícita e violou as diretrizes da plataforma ao – supostamente – fazer propaganda de produtos controlados.
Na defesa, Gabi Weed contra-argumentou, dizendo que o perfil é usado para relatar a sua rotina como paciente da Cannabis. Além disso, ela também esclarece pontos e fatos sobre a Lei de Drogas (11.343/2006).
De antemão, na decisão em primeira instância, o juiz entendeu que o Instagram não é pago, tanto é que a própria plataforma se autointitula como fornecedora de serviços. Sendo assim, se enquadra na previsão legal, descrita no Código de Defesa do Consumidor (8.078/1990).
Por isso, destaca o magistrado na decisão, “é preciso aplicar as normas desse diploma legal, dentre as quais a da inversão da prova e a da responsabilidade objetiva e solidária”.
Responsabilidade objetiva
De acordo com a advogada Thais Saraiva, o inciso 8º do Código de Direito do Consumidor garante a inversão do ônus da prova. “O Instagram argumenta que esses perfis violam as diretrizes da plataforma, mas não aponta de forma objetiva quais são as publicações. Então, como se defender?”, questiona a advogada.
Para Saraiva, cabe ao Instagram mostrar que a suspensão ou banimento foi feito de forma legítima. Do contrário, não há respaldo comprobatório e por isso, a plataforma tem perdido na Justiça de forma reiterada, afirma a especialista.
No caso da Gabi Weed, o juiz determinou ao Instagram reativar a conta da jornalista num prazo de 48 horas, sob pena de multa diária no valor de 100 reais (limitada à 5 mil reais) e uma indenização por danos morais no valor de 1 mil reais.
Perfil 5 meses desativado
“Meu perfil ficou 5 meses completamente fora do ar. Naquela época, eu tinha um engajamento de mais de 9 mil seguidores e alcançava mais de 60 mil contas. Em resumo: eu perdi dinheiro e seguidores”, conta a ativista.
O perfil da Gabi Weed no Instagram existe desde 2016 e, sim, é dedicado à maconha. “Em julho de 2021, o Instagram começou a monetizar meu perfil. Antes do meu primeiro pagamento, desativaram a conta”.
Agora, quando o Instagram derruba o perfil, a jornalista notifica diretamente à plataforma. “Eles reativam o perfil em menos de 24 horas. O advogado diz que não há o que fazer no Brasil, porque precisam falar com os programadores dos Estados Unidos”, explica Gabi.
Termos de uso não estão baseados na Constituição Brasileira
Já em segunda instância, por unanimidade, os magistrados entenderam que, como os termos de uso da plataforma não são baseados na Constituição Brasileira, não cabem no Brasil.
“Por consequência, a Justiça entendeu que aplicar qualquer tipo de punição,com base em regras de outro país, é um desrespeito à soberania nacional. De fato, esse foi o principal argumento que encontrei para que o Instagram não suspenda mais o meu perfil”, ensina.
Censura Instagram
Frequentemente, outros perfis que tratam do uso medicinal da Cannabis também têm sofrido uma série de restrições e censuras na plataforma. Agora, dias atrás, a página do ator Ricardo Petraglia, que administra a conta MobyDick show, com quase 45 mil seguidores no Instagram, também parou de funcionar.
O ator chegou a gravar um vídeo, pedindo que as pessoas começassem a seguir a conta reserva, mas logo na sequência reativaram o perfil. Logo depois, a reportagem entrou em contato e o ator disse que o Instagram, além de devolver o perfil, ainda pediu desculpas.
Instagram diz que é engano
Já os donos do perfil Atleta Cannabis precisaram acionar a Justiça, para impedir que o perfil voltasse a ser suspenso. “Derrubaram a nossa página 12 vezes e em todas as ocasiões o Instagram pediu desculpas pelo inconveniente. Disseram que era engano”, conta Fernando Paternostro.
Por isso, cansado da situação, o administrador da página decidiu entrar com uma ação contra o Instagram por danos morais. “Assi, pedimos que a conta não fosse mais derrubada e mais uma indenização de 10 mil reais. O Facebook não recorreu e a juíza concedeu 5 mil reais de indenização”, afirma Paternostro.
Apesar de decidir pela indenização, a juíza, segundo o empresário, disse que não podia proibir o Instagram de derrubar a conta no futuro, porque não teria como garantir que a página estaria cumprindo os termos de uso da plataforma. “Mas já foi uma vitória! Desde então, nunca mais tivemos nenhum problema com a conta”, diz Fernando.
Mais contas derrubadas
Do mesmo modo, a empresária do ramo da Cannabis, Thaise Alvarez, também também ficou sem poder usar sua pessoaldo Instagram, que baniu o perfil sem qualquer motivo ou explicação. “Tenho certeza de que nunca fiz qualquer post que viola as regras do Instagram. Meu perfil é profissional e só posto coisas relativas ao uso medicinal da Cannabis”, garante Alvarez.
Depois de tentar reaver o perfil junto ao Instagram por inúmeras vezes, sem sucesso, a empresária também precisou recorreu à Justiça para recuperar mais de 10 anos de história. E a decisão, mais uma vez, foi favorável.
“Em 24 horas, a magistrada entendeu – em caráter liminar – que não houve justificativa para a suspensão do perfil e determinou a reativação da conta, sob pena de multa diária de R$ 1 mil, com limite máximo de R$ 50 mil”, recorda.
Marco Civil da Internet e amparo legal
Para além do Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) também protege os usuários das redes sociais quando o assunto é censura. Assim, o artigo 20 da lei afirma que:
“Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo. Além disso, precisa haver informações, que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário”.
O que diz o Instagram?
Primeiro, procuramos a assessoria de imprensa do Instagram/Facebook, que ignorou as solicitações de esclarecimentos e pedidos de entrevista. Anteriormente, em novembro de 2022, quando entramos em contato para repercutir um caso semelhante, a assessoria disse que não comentaria esse tipo de problema e que a empresa não teria nenhum representante para gravar entrevista.
Sobre o passo a passo solicitado para resolver problemas de bloqueio, restrição ou suspensão de conta, o Instagram enviou a seguinte mensagem:
“Caso um usuário tenha um conteúdo ou conta removidos pelo Instagram e não concorde com a decisão, é possível apelar e solicitar uma nova revisão. Repetidas violações podem levar à remoção de uma conta e, se um usuário achar que sua conta foi desativada por engano, também é possível pedir uma revisão da decisão (https://www.facebook.com/help/instagram/366993040048856?helpref=related), clicando aqui: https://help.instagram.com/contact/606967319425038.
Nossas equipes analisam os pedidos de revisão e, se cometermos um erro, o conteúdo ou conta será restaurado e o usuário notificado.
É possível acompanhar quantos conteúdos já publicados violam as Diretrizes da Comunidade por meio do recurso Status da Conta (Configurações > Conta > Status da Conta), por onde também é possível apelar de uma decisão do Instagram”.