A ExpoCannabis Brasil 2025, que reuniu milhares de pessoas no São Paulo Expo entre 14 e 16 de novembro, deixou claro que o debate sobre Cannabis no país entrou em uma nova fase: mais técnica, mais organizada e mais conectada às discussões que vão definir 2026.

Em três dias de evento, ficou evidente que o país começa a discutir Cannabis com mais pluralidade e mais conexão entre ciência, mercado e política pública. O Portal Cannabis & Saúde acompanhou cada passo dessa transformação — da pesquisa e biotecnologia ao debate regulatório e à construção de uma cadeia produtiva que, agora, começa a aparecer de forma integrada.
O grande pano de fundo que guiou as discussões foi a expectativa para março de 2026, quando está prevista a regulamentação do cultivo do cânhamo industrial no Brasil. A perspectiva abre caminho para novos modelos de negócio, acelera pesquisas já em curso e cria um terreno fértil para que o país finalmente entre no mapa global da bioeconomia da Cannabis.
Uma feira que espelha a virada do setor
Maior, mais diversa e mais técnica. A edição de 2025 ampliou sua própria definição de evento. Como destacou a CEO Larissa Uchida, a feira decidiu exibir “toda a cadeia produtiva” — do medicinal ao industrial, passando por moda, construção civil, tecnologia, inovação e agricultura. A mudança de posicionamento é coerente com a guinada do debate nacional: o Brasil não fala mais apenas de uso medicinal, mas de uma economia inteira que pode nascer a partir da planta.
Essa ampliação se traduziu no perfil dos estandes, na qualificação das palestras e na presença de instituições estratégicas para o futuro do mercado.
Entre elas, a Embrapa, que participou pela primeira vez da ExpoCannabis Brasil com o projeto HempTech, em parceria com o INTA. A presença da estatal agrícola foi um dos momentos simbólicos da feira: a ciência agronômica brasileira está entrando oficialmente no debate.
Cânhamo no centro: ciência, agricultura e bioeconomia

Daniela Bittencourt, médica veterinária e pesquisadora da Embrapa
Em entrevista ao Portal Cannabis & Saúde , Daniela Bittencourt, pesquisadora da Embrapa e coordenadora do HempTech Brasil, reforçou a importância de construir uma regulamentação sólida, guiada pela ciência.
Para ela, o país tem muito a ganhar com o cânhamo — ambiental, social e economicamente. Daniela destacou que o avanço regulatório deve considerar todos os setores envolvidos, criando uma base técnica capaz de impulsionar renda, empregos e inovação agrícola. Sua participação, juntamente com a da Embrapa, consolidou o cânhamo como tema central desta edição.
A pesquisadora Beatriz Marti Emygdio, referência no estudo do cânhamo no Brasil desde os anos 1990, reforçou a urgência de pensar o “dia seguinte” à regulamentação.

Ela alertou que, para construir cadeias produtivas sustentáveis e competitivas internacionalmente, será preciso integrar os usos medicinal e industrial — o que inclui permitir o aproveitamento dos resíduos da indústria medicinal, hoje incinerados.
“É fundamental pensar no cenário pós-regulamentação e na integração dos usos medicinal e industrial da Cannabis. Para construir cadeias produtivas sustentáveis e competitiva. Precisamos alinhar os sistemas produtivos aos princípios da economia circular, da bioeconomia e da sustentabilidade. Isso inclui permitir que a regulamentação autorize o aproveitamento dos resíduos da indústria medicinal para outros fins, já que são matérias-primas de alto valor. Esse alinhamento entre produção e regulação é essencial para que o setor avance de forma responsável.”
Ciência cresce e ganha espaço institucional
Outro marco da edição foi o fortalecimento do eixo científico. Sob coordenação da pesquisadora e educadora Lorrany Teixeira, o Congresso recebeu 98 trabalhos submetidos por universidades de todo o país — um número que surpreendeu até a própria organização.

Lorrany Teixeira
“O processo de curadoria é bastante complexo, desde a seleção até a premiação dos melhores. A gente acompanha tudo de perto: ajudamos os palestrantes a construir seus títulos, organizamos as apresentações e estruturamos toda a programação. Este ano, tivemos o Congresso Elisaldo Carlini, que homenageia um dos maiores cientistas do Brasil relacionados ao estudo da Cannabis. Criamos uma comissão científica para que pesquisadores de todas as universidades do país pudessem inscrever seus trabalhos e apresentá-los no palco. Isso fortalece a feira e amplia nossa conexão com as universidades e com a comunidade científica, permitindo entender o que está acontecendo e conhecer as pesquisas que estão avançando no Brasil inteiro”, contou Lorrany Teixira ao portal Cannabis & Saúde.
A pesquisadora disse ainda que o trabalho vencedor terá espaço garantido na edição de 2026, e o sucesso do formato deve ampliar ainda mais a presença da ciência no próximo ano. O movimento consolida um caminho: a Cannabis brasileira está, finalmente, se tornando assunto institucional dentro da academia.
Debate político na ExpoCannabis 2025
No campo político, a ExpoCannabis 2025 também serviu como um termômetro importante. O deputado estadual Caio França (PSB-SP) — autor da lei que garante acesso a derivados de Cannabis no SUS paulista — avaliou que 2026 será “um ano decisivo” para a pauta. Ele participou da mesa mais concorrida do evento, que teve lotação máxima e fila na porta, sobre segurança pública, direitos humanos e Cannabis no SUS, ao lado de Monique Prado e Eduardo Suplicy.

“O governo federal tem até 2026 para apresentar a regulamentação do cultivo nacional, e há expectativa de que o processo contemple tanto associações quanto a indústria”, disse Caio França.
França também ressaltou a importância de ampliar as patologias atendidas no SUS, incluindo epilepsias, dor crônica, autismo e fibromialgia. Ele adiantou ainda que deve intensificar a articulação em torno do PL 563, que autoriza universidades estaduais a cultivarem Cannabis para fins de pesquisa — uma agenda estratégica para o fortalecimento de evidências científicas produzidas no Brasil
Impasse legislativo: principal obstáculo para o avanço da Cannabis no Brasil

Durante o painel “ICR Conecta: Cannabis e Política em Construção”, no palco Fórum Internacional, o advogado Leonardo Navarro destacou que o principal gargalo para o avanço do setor não está nas agências reguladoras, mas na ausência de um marco legal claro para a Cannabis no Brasil.
Ao lado de Rafael Arcuri, Margarete Akemi Kishi e do médico José Wilson Andrade, Navarro reforçou que a discussão central deve voltar-se ao Congresso Nacional.
Segundo ele, a prioridade absoluta hoje é uma articulação efetiva no Senado Federal e na Câmara dos Deputados para a aprovação de uma lei que estabeleça bases sólidas tanto para a Cannabis medicinal quanto para o cânhamo industrial.
“Sem essa lei, a Anvisa e os demais órgãos têm dificuldade de avançar na regulação. Por isso, precisamos parar de direcionar críticas à agência e focar no que realmente importa: o legislador”, afirmou.
Navarro avaliou que um marco regulatório bem estruturado pode ampliar o número de pacientes atendidos, fortalecer a indústria, consolidar o mercado interno e garantir acesso a produtos mais qualificados. Para ele, a regulamentação adequada é o caminho para “melhorar a qualidade de vida do paciente e desenvolver o setor de forma consciente”.
O papel do jornalismo especializado
Durante três dias, o Portal Cannabis & Saúde percorreu todos os eixos da programação para registrar não apenas os anúncios e debates, mas as conexões que estão moldando o setor. Foram mais de 25 entrevistas com pesquisadores, médicos, gestores públicos e representantes da indústria, todas já disponíveis no canal do Youtube. O retrato que emerge delas é o de um país que está, finalmente, alinhando ciência, política pública e mercado.
A feira reforçou que a discussão sobre Cannabis já ocupa um espaço maduro dentro da inovação nacional. Do cânhamo industrial às pesquisas clínicas, da agricultura à construção civil, da farmacêutica à moda, o Brasil começa a enxergar o potencial econômico e social da planta — e a trabalhar para transformá-lo em política, ciência e desenvolvimento.
Um setor em construção — e mais conectado
O saldo da ExpoCannabis Brasil 2025 é o de um ecossistema que amadurece. A terceira edição mostrou um setor que ainda está em construção, mas que já opera com novos códigos, novos interlocutores e novas ambições.
Ao abrir espaço para ciência, agricultura, indústria e regulação conversarem no mesmo ambiente, a feira deu um passo importante para consolidar um debate preparado para 2026 — o ano que pode redefinir o lugar do Brasil no cenário global da Cannabis.

















