Dizer que Liliam Cristina é apenas uma paciente em tratamento com Cannabis medicinal seria perder o foco. Liliam é uma pesquisadora de si mesma — investigativa, crítica, sensível. É do tipo que lê bula, contesta protocolos e, sobretudo, escuta o próprio corpo com um afinco que poucos médicos ofereceram a ela ao longo da vida. Quando fala da dor, não dramatiza. Quando fala da Cannabis, não romantiza. Mas há algo em sua narrativa que transforma: a força de quem encontrou, pela via da escuta — de si, do outro e da planta — uma forma possível de seguir.
“Ou eu sentia dor, ou me intoxicava. Chegou um ponto em que tive que escolher um outro caminho.” E foi assim, num limite, que ela começou a trilhar essa nova rota
A dor que ninguém via inteira
O diagnóstico de fibromialgia chegou tardiamente, como costuma acontecer com mulheres — especialmente aquelas com múltiplas condições de saúde. Antes disso, vieram dores difusas, exames fragmentados e atendimentos mecânicos.
“Eu era analisada como um ser humano por partes. Chegava no ortopedista, ele só olhava a parte que eu dizia que doía.”
Enquanto isso, o cansaço se acumulava — o físico, o emocional e, sobretudo, um desgaste institucional, causado pela fragmentação do atendimento médico, que muitas vezes ignora a complexidade humana e a necessidade de ser escutada como um todo.
A fibromialgia é uma síndrome caracterizada por dor crônica difusa, fadiga, alterações cognitivas e uma hipersensibilidade aumentada à dor. A condição afeta milhões de pessoas no mundo — no Brasil, cerca de 5 milhões enfrentam esse desafio, segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Apesar de sua alta prevalência, a condição ainda é envolta em mitos e desinformação. Na prática, ela altera a forma como o cérebro interpreta os sinais dolorosos, fazendo com que o sofrimento seja muito maior.
No caso de Liliam, além das dores constantes, vieram também fadiga, sono não reparador, distúrbios gastrointestinais e hipersensibilidade: “Às vezes até a roupa incomoda.”
Com o tempo, ela percebeu uma conexão entre esse quadro e outras condições que a acompanham — autismo, TDAH, ansiedade, depressão — todas sob o mesmo guarda-chuva neurológico, como ela mesma define.
Quando nada mais funcionava
Durante anos, tentou o arsenal convencional: antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos, relaxantes musculares. Os efeitos eram conhecidos — e devastadores. “Os remédios estavam prejudicando meus órgãos. Era aquela escolha: ou eu salvo o fígado e os rins, ou trato a dor.” Em determinado momento, passou a criar tolerância aos medicamentos. Em outro, já não respondiam. E às vezes, pior: respondiam com mais sintomas.
“Foi nesse contexto que a Cannabis entrou na minha vida — não como milagre, mas como uma última alternativa. Era uma questão de socorro, eu realmente não aguentava mais.”
Um novo capítulo no tratamento: o impacto do óleo de Cannabis
Liliam sempre utilizou medicação alopática e não estava habituada a outras formas de tratamento. A introdução do óleo de Cannabis, realizada sob prescrição e acompanhamento médico, trouxe a segurança necessária para que ela aceitasse experimentar essa alternativa. Inicialmente cautelosa, Liliam percebeu progressivamente os benefícios do tratamento: unhas que pararam de quebrar, queda de cabelo reduzida e melhora no funcionamento intestinal.
Além dessas mudanças físicas, ela relatou uma transformação significativa no aspecto emocional e cognitivo, com maior estabilidade do humor, foco, clareza de pensamento e confiança. Em suas palavras, foi como um impulso para recuperar o controle sobre seu próprio corpo. Ela chamou essa experiência de “reintegração de posse do meu corpo”: antes, sentia que fatores externos influenciavam demais seu bem-estar, mas agora entende que a Cannabis funcionou como um impulso para essa retomada.
O papel do sistema endocanabinoide na retomada do equilíbrio corporal
Quando Liliam fala em “reintegração de posse do meu corpo”, ela se refere ao restabelecimento do equilíbrio fisiológico mediado pelo Sistema Endocanabinoide — um dos principais responsáveis pela regulação da dor, da inflamação e das emoções.
Como explica a médica Dra. Tatiana Guimarães e Santos no artigo Você sabe qual a importância do sistema endocanabinoide no tratamento da fibromialgia?, falhas nesse sistema podem contribuir para o agravamento dos sintomas da doença, incluindo a dor crônica e os distúrbios do sono e do humor. A Cannabis medicinal atua justamente nesse eixo, modulando os receptores CB1 e CB2 e ajudando a restaurar a homeostase do organismo.
Esse reequilíbrio pode explicar as melhorias relatadas por Liliam — tanto em sintomas físicos como unhas e cabelo quanto em aspectos emocionais e cognitivos, como foco, humor e clareza mental.
Um médico que escuta
Parte essencial dessa jornada é o acompanhamento com o médico Dr Vinícius Mesquita, a quem Liliam se refere com gratidão visível. “É uma pessoa que senta com você, que te ouve, que faz perguntas e não te interrompe. Olha um exame e diz como você tem se alimentado, só com base nos índices. Isso é riqueza. Me senti milionária sendo atendida assim.”
Com ele, aprendeu a adaptar a dosagem do óleo conforme a necessidade do dia. O tratamento é flexível, vivo, atento. “Hoje eu consigo reconhecer quando o óleo fez efeito. Reconheço minha energia. E isso é novo.”
Não é sobre cura — é sobre seguir
Liliam não fala em cura. Fala em escolha. Em pequenas vitórias. “Hoje eu acordo e penso: tá doendo, mas eu vou tomar meu CBD. Daqui a meia hora, sei que vou começar a sentir os efeitos. Isso é concreto pra mim.”
Com a retirada dos medicamentos alopáticos contínuos, veio também uma mudança de perspectiva. “Quem me conheceu antes sabe: eu era a rainha das pílulas. Sabia o que cada remédio fazia, vivia com uma farmácia na bolsa. Hoje, vivo sem eles. Isso, pra mim, é um marco.”
Mais que isso, veio uma nova abertura: à alimentação, à escuta do próprio corpo, a práticas antes desacreditadas. “Hoje eu como chia. Já achava que era coisa de influenciador. Deixei a lactose, os ultraprocessados, refrigerante. É um novo jeito de estar no mundo.”
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Quando me vi autista: relatos, vínculos e trocas reais
Com o corpo e a mente em processo de reconexão, Liliam encontrou também um novo lugar no mundo: o de quem compartilha, acolhe e transforma. No Instagram, criou o perfil @quandomeviuautista, onde divide relatos e cria conexões com outras pessoas autistas. “É um canal de luz. Mais deles para mim do que de mim para eles.” Lá, ela ouve, orienta, ajuda outras pessoas a buscarem seus diagnósticos — e também recebe apoio.
Ali, não há fronteiras rígidas. Há partilha. “Tem gente que virou amiga. Relações reais, mesmo que digitais. Porque às vezes, quem mais te apoia não tá ao seu lado — tá te mandando uma mensagem no inbox.”
Para ela, a estabilidade conquistada com o tratamento se desdobra, então, em pertencimento. E isso também cura.
Um corpo em processo, uma vida em construção
Por fim, sobre a rotina, Liliam conta que ainda enfrenta desafios. “Continuo com dificuldade nas atividades da vida diária. Preciso de pausas, uso lembretes, tecnologia, estratégias.” Mas agora, sente mais presença, mais chão.
“Me sinto mais focada, mais tranquila. Mais aberta.”
Perguntada sobre o que a Cannabis trouxe, responde sem rodeios: “esperança”.
E se ainda há estigma, ela sabe onde ele mora: “na desinformação”.
A solução? Contar histórias como essa. “Se eu puder ser essa ponte para alguém, então já valeu”, conclui.
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