A relação entre terpenos e o sistema endocanabinoide tem despertado cada vez mais interesse entre pesquisadores, médicos e pacientes que utilizam medicamentos à base de Cannabis. Essa curiosidade acontece porque muitos estudos apontam para a existência do chamado efeito entourage (ou efeito comitiva), um fenômeno no qual diferentes compostos da planta, como canabinoides, terpenos e flavonoides, agem em conjunto para modular e potencializar os efeitos terapêuticos.
Apesar de ser amplamente citado, o efeito entourage não é totalmente compreendido, e um novo estudo trouxe novas informações importantes sobre como os terpenos da Cannabis ativam diretamente os receptores do sistema endocanabinoide, mesmo quando usados isoladamente.
Esses resultados ajudam a explicar por que certas variedades provocam efeitos tão distintos, mesmo com níveis semelhantes de CBD e THC.
Como os terpenos conversam com o sistema endocanabinoide
No estudo Selective activation of cannabinoid receptors by cannabis terpenes, publicado na revista Biochemical Pharmacology, o objetivo foi entender se os terpenos, tradicionalmente associados ao aroma e ao sabor, também desempenham um papel ativo na ativação dos receptores CB1 e CB2, que fazem parte do sistema endocanabinoide. De acordo com estudos anteriores, esses receptores ajudam a regular funções essenciais do organismo, como:
- Resposta ao estresse;
- Inflamação;
- Percepção da dor;
- Apetite;
- Humor.
O CB1 está mais presente no sistema nervoso central e é ativado pelo ∆9-tetrahidrocanabinol (THC), enquanto o CB2 é mais comum no sistema imune e está ligado à modulação da inflamação.

O que o estudo trouxe dessa conexão invisível
Os pesquisadores testaram 16 terpenos comuns na Cannabis utilizando células especiais (oócitos de Xenopus laevis), que produzem sinais elétricos quando um receptor é ativado. Essa técnica permite identificar até ativações muito fracas nos receptores canabinoides.
Os terpenos analisados foram:
- α-pineno
- ß-pineno
- limoneno
- mirceno
- ocimene
- sabineno
- terpinoleno
- borneol
- eucaliptol
- geraniol
- linalol
- terpineol
- ß-cariofileno
- humuleno
- bisabolol
- nerolidiol
Os pesquisadores observaram que muitos terpenos conseguem ativar CB1 e CB2 diretamente, algo antes atribuído principalmente aos canabinoides.
Preferências: CB1, CB2 ou ambos
Os principais resultados observados pelos pesquisadores foram:
- Terpenos atuam como agonistas parciais: ativam CB1 e CB2, porém de forma menos intensa que o THC. Ainda assim, de modo consistente.
- O receptor CB2 responde melhor: a maioria dos terpenos gerou respostas mais fortes nesse receptor, associado à modulação da dor e inflamação.
- Misturas também ativam o sistema endocanabinoide: combinações com 5 a 9 terpenos produziram respostas relevantes no CB1.
- Alguns terpenos chegam a níveis de ativação de doses clínicas de THC: baixas concentrações de ß-cariofileno, mirceno, eucaliptol, limoneno, sabineno e ocimene ativaram o CB2 com intensidade semelhante à de uma dose considerada clinicamente ativa de THC.
Todos os 16 terpenos testados conseguiram ativar o sistema endocanabinoide, mas em intensidades diferentes. Alguns mostraram preferência pelo CB1, enquanto a maioria respondeu melhor no CB2.
Terpenos com maior afinidade por por CB2 tendem a apoiar efeitos anti-inflamatórios e analgésicos. Já os que se ligam mais ao CB1 podem modular humor e estresse.

16 terpenos e sua ativação nos receptores CB1 e CB2
| Terpeno | Ativação CB1 | Ativação CB2 | Receptor Preferencial |
|---|---|---|---|
| α-pineno | Moderada | Baixa | CB1 |
| β-pineno | Moderada | Baixa | CB1 |
| Limoneno | Baixa | Alta | CB2 |
| Mirceno | Baixa | Alta | CB2 |
| Ocimeno | Baixa | Alta | CB2 |
| Sabineno | Baixa | Alta | CB2 |
| Terpinoleno | Baixa | Moderada/Alta | CB2 |
| Borneol | Baixa | Moderada | Leve preferência CB2 |
| Eucaliptol | Baixa | Alta | CB2 |
| Geraniol | Moderada | Moderada | Não definido / equilibrado |
| Linalol | Baixa | Moderada | Leve preferência CB2 |
| Terpineol | Baixa | Alta | CB2 |
| β-cariofileno | Baixa | Muito alta | CB2 (seletivo) |
| Humuleno | Baixa | Moderada | CB2 |
| Bisabolol | Baixa | Moderada | CB2 |
| Nerolidol | Baixa | Moderada | CB2 |
Uso seguro de produtos com canabinoides
O estudo ajuda a reforçar a ideia de que o efeito entourage não depende apenas da interação entre canabinoides, mas envolve também um papel ativo dos terpenos. Esses achados abrem novas possibilidades para o desenvolvimento de medicamentos mais personalizados, inclusive versões sem canabinoides.
Diante desses avanços científicos importantes, o uso terapêutico de produtos com derivados da Cannabis no Brasil deve sempre ser feito com acompanhamento médico. Profissionais experientes nesse tipo de abordagem podem oferecer orientação sobre doses, formulações, interações e segurança no tratamento.
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