A Cannabis é uma planta altamente complexa, capaz de produzir mais de uma centena de canabinoides, compostos químicos que interagem com o organismo humano de maneiras diferentes. Essa diversidade permite o desenvolvimento de produtos com finalidades terapêuticas distintas, voltados para condições como dor, ansiedade, inflamação e distúrbios do sono. Por isso, cientistas têm reforçado que a formulação do medicamento é determinante para alcançar o efeito esperado.
Nesse cenário, um estudo brasileiro publicado na revista Sleep Medicine Reviews ganhou destaque ao analisar a relação entre canabinoides e sono. De acordo com os autores, apesar dos efeitos já conhecidos do CBD, os resultados mais consistentes para a qualidade do sono foram observados em produtos que continham THC e/ou CBN.
A diversidade da Cannabis e seus efeitos no sono
O estudo Effectiveness of cannabinoids on subjective sleep quality in people with and without insomnia or poor sleep: A systematic review and meta-analysis of randomised studies é uma meta-análise que reuniu dados de ensaios clínicos randomizados. Os autores analisaram estudos envolvendo mais de mil adultos, nos quais o uso de canabinoides foi comparado ao placebo no tratamento de distúrbios do sono.
Entre os voluntários estavam pessoas com insônia, indivíduos que relataram sono de má qualidade e também participantes sem queixas relacionadas ao sono. Todos os estudos excluíram pacientes com outras condições associadas, como dor crônica ou câncer, para evitar interferências nos resultados.
O principal objetivo foi avaliar a qualidade subjetiva do sono, ou seja, como os próprios participantes percebiam suas noites de descanso.
Além disso, os pesquisadores também analisaram:
- • Dados objetivos do sono, como tempo total dormido e despertares;
- • Sintomas de ansiedade;
- • Bem-estar geral;
- • Gravidade da insônia.
THC e CBN se destacam nos resultados
Quando os dados foram analisados em conjunto, os pesquisadores observaram que, de forma geral, os canabinoides melhoraram a qualidade do sono em comparação ao placebo. No entanto, ao separar os resultados por tipo de canabinoide, surgiu uma diferença importante.
Os produtos que continham ∆9-tetrahidrocanabinol (THC) e/ou canabinol (CBN) apresentaram uma melhora significativa na qualidade do sono, enquanto formulações à base de canabidiol (CBD) isolado não mostraram efeito relevante.
A médica Giovanna Hanike, uma das autoras do estudo, destacou que o CBD não impactou de forma significativa no sono dos voluntários:
Giovanna Hanike analisou os efeitos de diferentes canabinoides no sono
“Os pacientes que tinham o uso apenas do CBD não tiveram uma melhora na qualidade do sono. Não melhorava nem piorava. Mas os pacientes que faziam uso do THC apenas ou em combinação com o CBN tiveram um efeito benéfico no sono.”
De acordo com os resultados, a formulação do produto pode ser decisiva para o sucesso do tratamento:
- • CBD isolado: não apresentou melhora relevante na qualidade do sono, teve desempenho semelhante ao placebo e não piorou o sono.
- • THC e/ou CBN: melhoraram a qualidade subjetiva do sono e mostraram resultados mais consistentes em pessoas com insônia ou sono ruim.
Esses achados sugerem que, apesar de o CBD ter efeitos ansiolíticos e relaxantes, ele não parece atuar diretamente nos mecanismos que induzem ou mantêm o sono.
Dormir melhor nem sempre significa dormir mais
Apesar da melhora na percepção do sono, os pesquisadores não observaram mudanças consideráveis em medições objetivas do sono, como:
- • Tempo total de sono;
- • Número de despertares;
- • Eficiência do sono.
Para os autores, isso não invalida os resultados, já que a insônia é uma condição fortemente ligada à experiência subjetiva de dormir mal. Para muitos pacientes, sentir que dormiram melhor já representa um ganho clínico importante.
O papel da formulação e da orientação médica
O estudo reforça que, quando o assunto é canabinoides e sono, nem todos os produtos funcionam da mesma forma. Formulações que combinam THC e CBN podem ser mais eficazes do que o CBD isolado.
Esses resultados também destacam a importância da orientação médica, já que os distúrbios do sono podem ter múltiplas causas, como estresse, ansiedade, maus hábitos ou outras condições de saúde. Por isso, a avaliação deve ser individualizada.
Além disso, a prescrição médica é uma exigência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a aquisição desses produtos no Brasil.
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