Definitivamente maternidade não é padecer no paraíso. Me arrisco a dizer que é um fio dourado que se tece, dia após dia, unindo dois corações em uma dança eterna. Mães dançam conforme a música que os filhos querem. Algumas músicas são atípicas. E, assim, com a música dos filhos atípicos, nascem também as mães atípicas.
Não é possível dizer exatamente quem são as mães atípicas. Apenas que elas são unidas. Parceiras pela busca do bem-estar de seus filhos, que muitas vezes nasceram com alguma condição e que após o nascimento houve uma mudança de rota na vida delas. Essa mudança, creio eu, acontece na maioria das mulheres que passam pela maternidade. Em muitas questões da vida, mas mais ainda na maternidade: não se pode generalizar. Cada experiência é única.
Porém, se tem algo que mães atípicas compartilham é a confiança. Confiança com outras mães atípicas.
“O acolhimento de mães é fundamental. As pessoas se agrupam com pares para se sentirem pertencentes. E quando você recebe um diagnóstico, seja típico ou não, ou uma condição que dê para viver ou não, com ela, por exemplo, no caso de epilepsia, tem muita gente que consegue uma vida bem, controladinha. Mas você falar a mesma linguagem faz com que as mães se sintam pertencentes, incluídas. E a troca de experiência é muito importante. Não só como psicóloga mas como uma mãe. É importante eliminar o preconceito de dentro para fora”, explica Nivia Colin, psicóloga e fundadora da Mães da Epilepsia.
Mães da Epilepsia: acolhimento, conteúdo e impacto internacional
A jornada de uma mãe que recebe um diagnóstico de epilepsia para o filho é, frequentemente, permeada por incertezas. A necessidade de um espaço seguro e acolhedor para compartilhar experiências e receber informações precisas se torna necessário. Foi justamente com este intuito que nasceu há 13 anos a Mães da Epilepsia. Da busca por informações e apoio em grupos online, evoluiu para uma comunidade robusta com alcance internacional.
“Há 13 anos nós tínhamos a necessidade da troca da informação e a gente fazia parte de outros grupos no Facebook. Comecei a participar muito com a fala de mãe e psicóloga. Quando eu vi eu estava acolhendo outras mães do grupo e então montamos um grupo fechado. E logo fizemos um grupo misto com mais de 22 mil pessoas. Nosso alcance hoje é internacional, pois tem mães da epilepsia brasileira em vários lugares”, celebra Nivia.
Para a psicóloga, o sucesso da Mães da Epilepsia se dá pela combinação do acolhimento com o rigor científico. A busca por conhecimento, materializada na formação em neuropsicologia de Nivia, garante que o suporte oferecido seja não apenas empático, mas também embasado em evidências.
“Somos parte de uma rede de apoio hoje em dia muito conceituada. Porque eu fui fazer neuropsicologia em 2017 para falar com mais embasamento, eu já era psicóloga, mas aí fui estudar as questões da neuropsicologia. Estudo e pesquiso bastante”.
Cannabis no tratamento da epilepsia
Nivia relembra que fez parte do movimento, há dez anos, quando o tema Cannabis foi introduzido por mães que sofriam com as crises de epilepsias de seus filhos: “Fiz parte dessa introdução do tema Cannabis no Brasil para epilepsia e tinha muito tabu e muito preconceito. Sempre fui a favor, porém com o acompanhamento médico”.
Segundo Nivia, garantir a segurança e eficácia do tratamento ainda é um desafio. De qualquer maneira, reconhece e celebra que o uso de Cannabis para fins medicinais tem ganhado espaço no Brasil, especialmente no tratamento da epilepsia. O crescente número de pacientes e famílias que buscam essa alternativa terapêutica reflete uma mudança de paradigma em relação a um tema historicamente permeado por tabus. Atualmente, existe uma lei em São Paulo que contempla o fornecimento de produtos à base de Cannabis para pacientes com epilepsia de difícil controle.
Mãe comunicadora sobre a Cannabis: a informação como forma de acolhimento de outras mães
“É comum ouvir algo como confio mais em uma mãe do que em médico, isso acontece. E sempre falo que não iria querer para ninguém se eu não quisesse para mim. É uma confiança, uma mãe atípica sabe das dificuldades, dos medos e das incertezas de uma outra mãe atípica”, conta Manu Pinheiro, mãe do Enzo, menino de dez anos com Transtorno do Espectro Autista.
Mães atípicas em sua maioria são mulheres que muitas vezes deixam uma carreira promissora de lado para criar associações de autistas, como foi a história da Ana Maria S. Ros de Mello. Mas também podem ser mulheres como a Manu, que teve como inspiração sua realidade e fez disso um podcast “Viver com Cannabis”, onde conta sua jornada e fala sobre os benefícios para o seu filho.
“Quando o Enzo começou a evoluir com a Cannabis, comecei a contar para outras pessoas o que acontecia e tinha vontade de gritar para o mundo sobre a alternativa e como funcionava para nós. Entendo o preconceito de tratamentos com Cannabis pois ainda há muita falta de informação”.
A luta pela informação e acolhimento de outras mães atípicas também motiva Margarida Leme, mãe do Pedro, que já chegou a ter 188 crises de epilepsia mioclônica em 24h.
“Acolho todas as mães, e me dá vontade de colocar no colo. Mesmo com os problemas que tenho, acolher elas me faz bem. Para o mundo as mães atípicas não existem ou são vistas como coitadinhas. Sempre digo ‘vamos para frente, você não é a única’. A partir deste momento elas têm uma mão estendida, algo que eu não tive”.
Uma mãe pioneira no uso da Cannabis medicinal para o filho
Há dez anos, no ano que começou a regulamentação da Cannabis medicinal no Brasil, Pedrinho começou o tratamento com o filho com óleos à base de Cannabis.
“No Rio de Janeiro fui a primeira mãe a receber o óleo na Defensoria Pública, um óleo importado, em 2016. Pedro evoluiu muito nestes últimos dez anos com o tratamento. Principalmente com a epilepsia, ele estabilizou, de 60 a 70 por dia ele tem uma por semana. Nada mais de ter que ir ao hospital e ele sabe o que está acontecendo. Neste momento aplico óleos de Cannabis. Meu filho dormia e o quarto parecia uma UTI. A primeira coisa que notei quando ele começou com a Cannabis foi tirar a máscara, eu comecei a dormir também. Em três semanas ele tirou definitivamente. A segunda melhora foi no colégio, ele deixou de ser agressivo”.
A estigmatização associada ao uso da Cannabis, mesmo em contextos terapêuticos, pode trazer dúvidas. O medo do julgamento, a preocupação com a segurança e a necessidade de justificar suas escolhas terapêuticas criam um ambiente de incerteza.
“Me perguntavam o que ele estava tomando. E eu não queria falar o que era pois há anos isso era preconceito”, relata Margarida que celebra a evolução do filho nos últimos anos.
Hoje, a mãe do Pedro coordena um grupo de WhatsApp com mais de cem pessoas chamado SOS Mães especiais.
“Além do acolhimento no WhatsApp eu acolho mães em todos os lugares, falo sobre medicamentos com Cannabis e de profissionais. Quando meu filho encontrou a Cannabis eu já não tinha mais vida, e eu sei como é o que as mães sentem”, pontua.
De mães para mães
O universo das mães atípicas, que enfrentam desafios singulares no cuidado de filhos é intrinsecamente complexo. Dentro deste grupo, a utilização da Cannabis como alternativa terapêutica para seus filhos surge como uma esperança. E é por isso que o acolhimento e o apoio entre essas mães torna-se fundamental.
“Diria para a mãe atípica que viva o luto, mas que não se demore. E que vá lutar pelo filho”, reflete Manu.
Por fim, essa criação de espaços seguros e acolhedores gerados por outras mães é um lugar único. Um espaço onde estas mães podem compartilhar suas experiências, dúvidas e angústias. A troca de ideias e de informações sobre tratamento com Cannabis e estratégias de como conviver com condições contribui para o empoderamento das mães atípicas.
O acolhimento transcende, e traz validação, compreensão e a certeza de que não estão sozinhas em suas jornadas de um maternar atípico. A rede de apoio permite que estas mães enfrentem desafios com maior segurança e esperança.
Nesta sinergia do bem, e de acolhimento de mães, nós do portal Cannabis & Saúde compartilhamos informações sobre mães que encontraram uma melhor qualidade de vida no tratamento com Cannabis para seus filhos. E, claro, desejamos a todas mães um grande dia, e uma grande vida. Com a música dos filhos, seja ela como for, bem alta e dançante.
Leia relatos de mães atípicas:
- “A Cannabis foi o que possibilitou ouvir ‘mamãe eu te amo’, algo que sonhei por muito tempo”
- “Ver meu filho começar a dormir de verdade foi uma emoção indescritível”
- “O tratamento com Cannabis nos deu mais paz e estabilidade”
- “Ele está mais calmo, tranquilo e focado, como se estivesse se conectando mais com o mundo”