Animais que vivem sob cuidados humanos podem desenvolver comportamentos repetitivos e aparentemente sem propósito, as chamadas estereotipias. No caso das aves, uma das mais comuns é o hábito de arrancar as próprias penas, um comportamento que geralmente surge por estresse, ansiedade, tédio ou falta de estímulos.
Em um estudo de caso, pesquisadores mexicanos apresentaram uma história surpreendente: o uso de canabidiol (CBD) ajudou uma arara-verde a reduzir drasticamente esse comportamento compulsivo. Além de mostrar que aves também podem se beneficiar do uso de CBD, o estudo destaca o potencial dos compostos da Cannabis para o cuidado de animais sensíveis ao estresse.
O grito silencioso de uma arara
Calvin era uma arara-verde (Ara militaris mexicanus) de aproximadamente 15 anos. Ele chegou a zoológico de Michoacán, no México, após ser resgatado de uma situação de posse ilegal. Já naquela época, apresentava um hábito que o acompanharia por mais de uma década: o feather-plucking, hábito de arrancar as próprias penas.

Peitoral do Calvin sem penas e com vermelhidão causados pelo feather-plucking | foto: Gomora, F.; Castillo, M.; Ortiz, F. Reduction of Feather-Plucking Behavior in a Green Macaw (Ara militaris mexicanus) with Cannabidiol (CBD) Isolate (Clinical Case). Preprints 2025, 2025110046. https://doi.org/10.20944/preprints202511.0046.v1
Mesmo após mudanças de ambiente, ajustes na dieta e tentativas com medicamentos como tramadol e haloperidol, nada funcionava. Calvin seguia nervoso, vocalizava excessivamente, era agressivo e não tolerava contato humano. Com o tempo, passou a arrancar também as penas de sua parceira e dos filhotes.
Diante do fracasso das opções convencionais, os veterinários testaram uma alternativa ainda pouco explorada no cuidado com aves: o CBD, composto da Cannabis conhecido por seus efeitos ansiolíticos e anti-inflamatórios.
Começando devagar com o CBD
Por não haver estudos anteriores sobre o uso de canabidiol em araras, os veterinários começaram com doses muito baixas e foram ajustando semanalmente, observando cada mudança no comportamento de Calvin.
- Dose inicial: 0,25 mg/kg por dia
- Titulação semanal: incrementos de 0,25 mg/kg
Já na primeira semana, os veterinários notaram que Calvin vocalizava menos. Ainda era cedo, então continuaram aumentando a dose. De acordo com o estudo, a partir da dose de 1,5 mg/kg outros efeitos positivos ficaram claros, e a resposta ideal ocorreu com 3 mg/kg diários.
A partir da sexta semana, o comportamento de Calvin mudaria de forma marcante. Ele ficou mais calmo, menos agressivo e mais tolerante à presença humana. As vocalizações diminuíram e o arrancar de penas caiu drasticamente.

Após seis semanas, Calvin parou com as estereotipias e começaram a surgir filoplumas | Foto: Gomora, F.; Castillo, M.; Ortiz, F. Reduction of Feather-Plucking Behavior in a Green Macaw (Ara militaris mexicanus) with Cannabidiol (CBD) Isolate (Clinical Case). Preprints 2025, 2025110046. https://doi.org/10.20944/preprints202511.0046.v1
Pequenas plumas começaram a crescer novamente, um avanço importante após mais de 10 anos. Além disso, a pele, antes inflamada e avermelhada, também mostrou sinais de recuperação.
Os cuidadores relataram ainda a melhora na relação com a parceira e os filhotes, indicando não apenas redução do feather-plucking, mas também um impacto positivo em sua sociabilidade.
O legado de Calvin para a ciência
Calvin se manteve estável durante meses na dose de 3 mg/kg. Porém, mudanças internas no zoológico e interrupções no fornecimento de canabidiol levaram a arara a recaídas. Ainda assim, não voltou ao quadro grave de antes do tratamento.
O desfecho, infelizmente, foi triste: Calvin morreu por uma complicação de saúde não relacionada ao CBD. Mas seu caso se tornou uma referência internacional: foi o primeiro relato documentado do uso terapêutico de canabidiol em uma arara-verde.

Calvin interagindo com brinquedos do ambiente | Foto: Gomora, F.; Castillo, M.; Ortiz, F. Reduction of Feather-Plucking Behavior in a Green Macaw (Ara militaris mexicanus) with Cannabidiol (CBD) Isolate (Clinical Case). Preprints 2025, 2025110046. https://doi.org/10.20944/preprints202511.0046.v1
O sistema endocanabinoide das araras
Os autores explicam que o CBD teve efeito sobre o caso de Calvin pela interação com o sistema endocanabinoide, uma rede de moléculas e receptores presente nos vertebrados — inclusive nas aves. Ele funciona como um regulador interno do equilíbrio do organismo, influenciando humor, apetite, resposta ao estresse e até comportamentos sociais.
No entanto, os psitacídeos (araras, papagaios e periquitos) têm uma particularidade evolutiva que chama atenção. Pesquisas anteriores sugerem que esses animais perderam o gene do receptor CB2, relacionado ao controle da inflamação e às respostas do sistema imunológico. Essa ausência pode torná-los mais vulneráveis à neuroinflamação e influenciar a forma como respondem a compostos da Cannabis.
Essa peculiaridade ajuda a explicar por que Calvin precisou de doses consideradas altas de CBD para obter resultados.
Da aflição ao alívio
Segundo o estudo, o caso da ave sugere que:
- O uso de canabinoides pode beneficiar araras sob cuidados humanos;
- Psitacídeos parecem necessitar de doses mais altas que mamíferos e outras aves, possivelmente pela ausência do receptor CB2;
- O CBD isolado usado no estudo mostrou-se seguro e sem efeitos adversos mesmo em doses crescentes;
- A combinação de CBD com enriquecimento ambiental e manejo comportamental oferece melhores resultados.
“Pode-se concluir que, apesar de aparentemente necessitarem de doses mais elevadas do que mamíferos, os psitacídeos podem se beneficiar da terapia com medicamentos à base de canabinoides.
Mais pesquisas são necessárias para melhor compreender o sistema endocanabinoide dos psitacídeos, as respostas clínicas a diferentes faixas de dosagem, bem como a farmacocinética e a farmacodinâmica dos canabinoides nessas espécies de aves, a fim de oferecer-lhes melhores opções terapêuticas e proporcionar-lhes uma melhor qualidade de vida.”
O uso de medicamentos à base de Cannabis por animais no Brasil
No Brasil, veterinários são autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a prescrever medicamentos à base de Cannabis para animais. O órgão oficializou essa prerrogativa recentemente, ao publicar a RDC 999/2025, restando que o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) regulamente medicamentos com canabinoides para uso animal.
Por outro lado, as pesquisas com canabinoides em animais domésticos, silvestres ou de produção segue analisando cuidadosamente o potencial e os desafios desse tipo de tratamento.
O uso terapêutico da Cannabis em humanos também é possível, desde que sob orientação médica. Se você quer experimentar os benefícios desse tipo de abordagem, acesse a nossa plataforma de agendamento. Lá, você pode marcar uma consulta com médicos experientes na prescrição de canabinoides. Acesse já e inicie essa jornada de forma segura e responsável.

















