Epilepsia, Doença de Parkinson e Esclerose Múltipla. Estas são as principais condições neurológicas que estudos científicos sobre o uso da Cannabis medicinal têm revelado aspectos promissores e benefícios associados ao seu uso. E, sendo assim, o uso de Cannabis medicinal na neurologia do Brasil tem deixado de ser uma promessa para se consolidar como uma realidade terapêutica, impulsionada por crescentes evidências científicas e pela observação atenta de especialistas da área, como a médica neurocirurgiã Dra. Vanessa Milanese, diretora de comunicação da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, vice-presidente da sociedade Brasileira de Estereotaxia e Neurocirurgia Funcional.
Segundo o último Anuário da empresa de inteligência de dados Kaya Mind, condições neurológicas ocupam a segunda posição entre os principais grupos de especialidades médicas que prescrevem Cannabis, evidenciando a crescente adoção e aceitação da terapia.
Mas de que maneira neurologistas e entidades da área observam esta crescente? Para entender melhor este panorama, entrevistamos a Dra. Milanese, que ressaltou a importância dos estudos científicos que embasam o uso do Canabidiol (CBD).
Melhora do sono e menos ansiedade: resultados que impactam a qualidade de vida
A Dra. Milanese aponta que os principais benefícios observados com o uso da Cannabis medicinal se concentram no aumento da qualidade do sono e na diminuição da ansiedade, fatores cruciais para a melhora da qualidade de vida de pacientes com diversas condições neurológicas.
Conforme a neurocirurgiã, o uso da Cannabis medicinal é considerado seguro em períodos pré-operatórios e pós- operatórios também. Veja nossa entrevista completa:
Doutora, os tratamentos neurológicos utilizando Cannabis, especialmente o CBD, tem sido objeto de crescente interesse e também de pesquisas científicas. Então, quais são os principais fatores que a Dra. identifica e observa como impulsionadores desse aumento no número de prescrição de Cannabis medicinal para pacientes neurológicos?
O que a gente acaba vendo na prática é que os pacientes referem que usando Cannabis medicinal, eles têm um sono melhor, a questão da ansiedade também acaba somando e, direto ou indiretamente, todas as doenças neurológicas você acaba tendo um benefício. Você otimizando a melhora do sono, reduzindo a questão da ansiedade, você acaba tendo uma melhora.
E, no caso da rigidez, muitos pacientes referem alguma coisa de melhora na rigidez, como é o caso do Parkinson, por exemplo.
O que eu vejo na prática, no dia a dia, é principalmente melhoras com relação ao sono. Uma paciente me relatou sobre o problema que a mãe dela tinha com o sono, e que usava benzodiazepínicos. Precisava tomar 10 mg de Diazepam e com três gotinhas do Canabidiol, ela está conseguindo ter um sono bom. E isso acaba ajudando inclusive na questão da dor crônica, que é o caso que essa paciente apresenta.
Então, no geral, eu acho que acaba sendo essas questões. Há também a questão de existir um boom de empresas trabalhando com isso no nosso meio.
Algumas empresas que trabalham diretamente com a Anvisa e empresas que fazem a comercialização de CBD que vem de fora do país para fazer importação e agora a gente tem através da Anvisa essa possibilidade.
Sim, Dra. as condições neurológicas, segundo anuário da Kaya Mind do ano passado, ocupa o segundo lugar como o principal grupo de especialidade médica que prescreveu Cannabis no ano de 2024. Em primeiro lugar, ficou a Clínica Médica e Saúde em geral, 34%, e em segundo lugar, condições neurológicas com 17%, o que é bastante. Como a Dra. vê essa crescente?
O acesso pela Anvisa, e até em farmácias, acabam facilitando no dia a dia e também os pacientes referem essa melhora. Como eu falei, principalmente com relação à questão do sono, ansiedade, que principalmente na neurocirurgia funcional algo relacionado à qualidade de vida, são questões muito importantes. E a gente ter uma melhora do sono, uma melhora da ansiedade, uma melhora da dor, isso é algo que soma bastante na qualidade de vida.
Dra. e na tua experiência de cirurgias neurológicas, existe alguma utilização da Cannabis pré-operatório e/ou pós-operatório?
Alguns pacientes que fazem a cirurgia para Doença de Parkinson tomam no pré-operatório mesmo porque a gente tenta otimizar o máximo possível a melhora da ansiedade. Algo que está muito relacionado à doença de Parkinson. E então acaba somando nessa questão e alguns referem também um pouco de melhora nos sintomas motores.
Mas eu diria que 10%, 20% dos nossos pacientes acabam utilizando essa possibilidade.
E eu acredito que o motivo de não ter um número maior é porque ainda é uma medicação relativamente cara. Sim, está barateando cada vez mais, e deve aumentar também.
Quais seriam os riscos do uso da Cannabis em cirurgias neurológicas?
O risco, principalmente, quando a gente pensa em questão neurológica é no pós-operatório imediato. Recentemente, teve uma paciente mesmo que operei semana passada que ela tomava o CBD e aí pulamos um dia para ela tomar após o procedimento. Pois já tomou a sedação, já ficou um pouco mais sonolenta e tudo bem e tranquilo. Mas no geral, é algo que a gente acaba utilizando normalmente tanto no pré como no pós-operatório.
Como a Dra. avalia a qualidade das evidências científicas que existem hoje em dia, sobre a eficácia da Cannabis medicinal no tratamento de diferentes condições neurológicas?
As evidências mais robustas acabam sendo, principalmente, para a questão da ansiedade e sono. E essas são as mais importantes. Existe evidência, e, digamos assim, pesquisas em várias questões do CBD, acho que é talvez uma das medicações mais estudada no mundo. Há estudos em vários países. Mas é algo que a gente tem que ver com cautela. O que for vindo de possibilidade, vamos avaliando e oferecendo também essa opção de tratamento. Porque no final das contas, cada paciente precisa de uma visualização de uma forma personalizada. E os estudos estão vindo aí para reforçar isso.
A Dra. vê ainda muito preconceito em relação ao uso de fitocanabinoides ou isso já ficou no passado?
Eu sinto cada vez menos. Quando eu sugiro essa possibilidade vejo que até é mais com relação ao custo que o paciente fica preocupado, mas muitas vezes o próprio paciente vem falando. O preconceito é em relação à droga e não em relação à medicação. Pacientes vêm com uma opção a mais.
E na área médica, como a doutora observa? Como a doutora observa que essas duas entidades a qual a doutora faz parte entendem o uso de fitocanabinoides?
Acaba sendo de uma forma respaldado na questão científica. Há discussão sobre em aulas, em eventos, principalmente voltados para a dor. Como as nossas sociedades são muito cirúrgicas, às vezes a gente tem esse tipo de discussão em mesas redondas. Mas o foco principal acaba sendo mais nas questões cirúrgicas, a parte de medicação, no geral, qualquer medicação acaba sendo mais a parte clínica. E o CBD tem o papel dele também, mas acaba não tendo tanto destaque quanto às questões cirúrgicas por se tratar de sociedade cirúrgica.
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