O Congresso Brasileiro de Cannabis Medicinal (CBCM) lançou um alerta — e um convite. O Brasil atravessa um momento decisivo no avanço da Cannabis medicinal, e quem ainda hesita em encarar o tema com a seriedade necessária corre o risco de ficar para trás.
Realizado no Expo Center Norte, em São Paulo, o evento escancarou lacunas regulatórias, celebrou avanços no uso veterinário e expôs, com números, o vigor de um mercado que atendeu cerca de 672 mil pacientes só em 2024. Mais que um congresso, o CBCM foi um termômetro da transformação em curso — econômica, científica e jurídica.
De negócios a políticas públicas, da saúde humana à veterinária, os painéis revelaram um setor que cresce mais rápido que sua própria regulação e começa a se consolidar como polo de inovação, cuidado e empreendedorismo.
O novo ciclo da Cannabis: entre mercado, ciência e política
No módulo Business Cannabis, o tom foi direto: o setor está pronto. Na mesa “Oportunidades e Desafios do Mercado de Cannabis Medicinal e Cânhamo Industrial”, Juliana Tranjan destacou o Cânhamo industrial como vetor de inovação agrícola e sustentabilidade. Já Maria Eugênia, da KayaMind, cravou os dados que fincam o debate na realidade: mais de 672 mil pacientes atendidos no último ano e um mercado que segue em expansão.
No painel sobre investimento e financiamento, mediado por Ricardo Amorim, os empresários Guillermo Delmonte, Stephen Malloy e Marcelo Galvão traçaram o cenário de um setor em consolidação. Galvão ressaltou a relevância das farmácias de manipulação. Mais do que promissoras, essas redes sustentam um tripé que interessa tanto ao mercado quanto à saúde pública: personalização de tratamento, capilaridade no acesso e geração de empregos qualificados.
VetCannabis: o alívio que vem da ciência — e da empatia
O módulo VetCannabis mostrou que a medicina veterinária não apenas acompanha o avanço da Cannabis medicinal — ela é parte fundamental desse movimento. Pesquisadores, clínicos e ativistas apresentaram uma variedade de aplicações terapêuticas, dos pets domésticos às aves de corte.
A veterinária Carollina Mariga iniciou com estudos sobre uso tópico em cães e gatos, destacando efeitos anti-inflamatórios e analgésicos. A novidade ficou por conta do veterinário José Rodrigo Pandolfe, que provocou o público ao relatar aplicações promissoras em suínos e frangos, além de destacar o potencial da planta nas cadeias produtivas brasileiras.
Aline Goulart compartilhou experiências no cuidado com fauna silvestre, reforçando a necessidade de tratamentos integrados que valorizam a empatia e o cuidado personalizado. Mariana Fernandes Jorge e Marcela Sanches destacaram o potencial da Cannabis como um novo aliado na oncologia veterinária — ainda que o tema enfrente entraves legais e desinformação.
Educação: formar para não atrasar
Um dos momentos mais contundentes veio do painel sobre formação profissional. João Normanha foi enfático: “Seguimos formando profissionais de saúde que ignoram um sistema fisiológico descoberto há mais de 40 anos: o Sistema Endocanabinoide.”
Para ele, entender a farmacologia da Cannabis é um dever técnico e ético — não se trata de “gostar ou não”, mas de estar preparado para atender pacientes que já fazem uso da substância.
“Há mais de 40 anos foi descoberto o Sistema Endocanabinoide, e ainda hoje formamos profissionais de saúde que sequer o conhecem. Não se trata de gostar ou não da Cannabis — trata-se de compreender sua farmacologia e os impactos no corpo humano. Mesmo quem não prescreve vai atender pacientes que fazem uso. Por isso, conhecer esse sistema não é mais uma escolha: é uma obrigação ética e técnica. Os cursos de pós e extensão cumprem esse papel essencial, nivelando o conhecimento em torno de um tema central para o cuidado moderno“. disse.
2030 como horizonte: utopia ou plano de ação?
O encerramento do primeiro dia foi um exercício de imaginação fundamentada. No painel “O Futuro da Cannabis Medicinal e do Cânhamo no Brasil”, a advogada Carla Coutinho guiou a plateia por uma linha do tempo ousada, mas plausível. Entre os vislumbres desse futuro, estão a incorporação da Cannabis ao SUS, e o Brasil que ocupamdo um papel de protagonismo em um mercado global em expansão.
“Estamos falando de saúde. E quando falamos de saúde pública com base em dados, precisamos lembrar que o Brasil tem um enorme potencial”, afirmou Carla.
O painel também foi um espaço de análise crítica. Carla relembrou que o plano de ação apresentado pelo governo federal no dia 19 de maio, em resposta à determinação do Superior Tribunal de Justiça, representou um passo necessário — mas aquém do esperado.
“Foi um avanço tímido. Um café com leite regulatório. Temos dados, ciência e prática de mercado. O que falta são ferramentas jurídicas para transformar isso em acesso real.”
Ainda assim, ela vê nessa movimentação um ponto de partida. “Mesmo modesto, o plano apresenta pistas importantes sobre como podemos construir uma cultura regulatória até 2030.”
O presente pede passagem
O CBCM 2025 contou com uma série de reflexões firmes, embasadas e carregadas de propósito. Ficou evidente que a Cannabis medicinal é uma realidade em expansão: movimenta mercados, mobiliza profissionais, transforma práticas de cuidado e desafia a construção de políticas públicas à altura do que já acontece na ponta.
Ao longo dos dias, uma mensagem se repetiu com diferentes vozes: o setor deixou de ser uma promessa para se tornar um campo em plena operação — inovando, investindo, formando e atendendo, mesmo em meio a lacunas regulatórias.
O Brasil tem diante de si uma oportunidade histórica. Mais do que correr atrás da realidade, é hora de caminhar junto com ela — com dados, diálogo e responsabilidade.