A Anvisa votou, na manhã desta quarta-feira, a revisão da RDC 327, norma que estabelece os requisitos para a fabricação, importação e comercialização de produtos de Cannabis medicinal no Brasil. Porém, o diretor da Anvisa Thiago Lopes Cardoso Campos pediu vista do processo devido à complexidade técnica do tema. E a reunião entrou em intervalo. Assim a votação da Revisão da RDC 327 acontecerá em próxima data.
Veja como foi a reunião até o pedido de vista de Campos
A sessão da Diretoria Colegiada reuniu representantes de entidades da indústria farmacêutica e do setor canábico, que destacaram a maturidade do mercado e defenderam ajustes regulatórios para ampliar o acesso sem comprometer a segurança sanitária.
O primeiro a se pronunciar foi Tiago de Moraes Vicente, representante da ProGenéricos, que abriu a rodada de falas afirmando que o mercado brasileiro de Cannabis “está pronto para avançar”. Ele reforçou o papel central da Anvisa na condução responsável do processo regulatório e na proteção dos pacientes que dependem desses produtos.
Na sequência, Carolina Sellani, Head de Assuntos Estratégicos da Abiquifi e coordenadora do Grupo de Trabalho de Cannabis, ressaltou o potencial do país para se consolidar como referência internacional na área. Para ela, a revisão da RDC 327 representa a continuidade de um ciclo de avanços iniciado em 2019, ao oferecer maior previsibilidade regulatória e fortalecer toda a cadeia produtiva. Sellani destacou pontos considerados estruturantes, como a ampliação das vias de administração, o reforço da segurança jurídica e a evolução do ambiente regulatório ao longo da última década, que trouxe mais proteção aos pacientes.
“A Abiquifi reconhece e valoriza a abertura desse debate por parte da Anvisa e reafirmamos nossa total disposição em contribuir tecnicamente para o desenvolvimento de uma regulamentação moderna, coerente e alinhada às melhores práticas internacionais”, afirmou.
Andrey Freitas, da Abifina, elogiou o diálogo mantido com a agência nos últimos cinco anos e lembrou, em tom leve, que a norma completou seis anos — “merecendo até um bolinho”, brincou — por ter possibilitado a presença de produtos de Cannabis nas farmácias do país.
Em seguida, Helder de Oliveira, representando a Farma USA, afirmou que a atualização da RDC 327 é uma oportunidade para que “o futuro seja verdadeiramente promissor” para o setor. Willyan Gutemberg, do Grupo FarmaBrasil, também parabenizou a Anvisa, destacando a amplitude do processo participativo promovido ao longo de 2025.
Outras entidades reforçaram a importância da norma. Rosana Mastellaro, do Sindusfarma, apontou a transparência da RDC 327, comparando o processo ao dos medicamentos genéricos. Henrique Tada, da Alanac, declarou apoio integral à revisão. Já Gislaine Gutierrez, da Abifisa, lembrou o impacto direto da norma na vida dos pacientes que utilizam Cannabis medicinal no Brasil. “É uma alternativa promissora em diferentes condições de saúde, e o número de pacientes vem crescendo progressivamente”, afirmou.
O farmacêutico e mestre em farmacologia Marcelo Polacow defendeu a inclusão da manipulação de produtos à base de Cannabis como avanço regulatório. Por outro lado, Diego Rodrigues, da Medkaya, questionou a manutenção do limite de 0,3% de THC como critério para classificação como psicotrópico e pediu que a Anvisa reavalie os parâmetros vigentes, argumentando que a concentração deveria ser atualizada conforme evidências internacionais. Já Antonio Geraldo Júnior, do Conselho Federal de Farmácia, defendeu o âmbito farmacêutico magistral e a modificação para que a Anvisa autorize manipulação de produtos à base de Cannabis para fins medicinais.
Votação da revisão da RDC 327 foi transmitida ao vivo
Depois, o Diretor Relator da pauta, Rômison Rodrigues Mota, falou sobre a importância da revisão da RDC 327/2019, marco regulatório que, desde 2019, sustenta a fabricação, importação e comercialização de produtos de Cannabis para fins medicinais no país. Em seu voto, trouxe um histórico da resolução até hoje, e disse que mais pesquisas científicas sobre Cannabis são necessárias. Explicou, também que durante a consulta pública se recebeu 1460 manifestações de diferentes organizações e pessoas do Brasil.
“Durante a consulta pública, foram recebidas 1476 contribuições sociais, enviaram 419 respondentes que representavam diferentes classes da sociedade brasileira”, afirmou Mota.
Sobre as vias de administração afirmou que a via dermatológica foi considerada segura. Igualmente, disse que veterinários e produtos para saúde animal não foram contempladas nesta revisão da RDC 327
Sobre a manipulação em farmácias, Mota afirmou que este ponto ainda carece de segurança para uma autorização no país e portanto, manteve o veto.
Já sobre a RDC 660, norma que regula as importações individuais de produtos à base de Cannabis por pacientes, Mota destacou a excepcionalidade da importação que, atualmente, é a principal porta de entrada para terapias canabinoide no país.
Segundo o Anuário da Kaya Mind deste ano, 2025 deve consolidar-se como o ano com maior número de pedidos de importação desde que as autorizações começaram, com projeção de cerca de 200 mil solicitações. O movimento é impulsionado tanto pela crescente diversidade de produtos disponíveis no exterior quanto pela expansão da prescrição à distância. Em média, o país já registra mais de 500 pedidos de importação por dia, um aumento de 18% em relação a 2024, o que demonstra que o modelo importado segue sendo o principal motor da demanda.
Diante desse cenário, Mota votou que a importação de Cannabis deve ser permitida apenas quando não houver produto em mesma forma farmacêutica e concentração regularizado no país. E ressaltou que a norma, se aprovada, entra em vigor em doze meses, para garantir que pacientes não fiquem desassistidos.
Após o voto de Mota, o diretor da Anvisa Thiago Lopes Cardoso Campos pediu vista do processo devido à complexidade técnica do tema. E a reunião entrou em intervalo. Assim a votação acontecerá em próxima data
Para a advogada Maria José Delgado, o pedido de vista não causou surpresa. Segundo ela, a própria dinâmica da revisão já indicava que um diretor poderia solicitar mais tempo para analisar o texto.
“Já havia uma avaliação de que haveria pedido de vista. Isso é simples de entender: quando o diretor Rômison pediu vistas, ele ficou um período significativo analisando, estudando, verificando a viabilidade e o conjunto de ações que a Anvisa terá de implementar e ampliar. É natural que o diretor Thiago também precise compreender com profundidade determinados processos e ter plena segurança sobre aquilo que vai aprovar. Trata-se de um processo de conhecimento, especialmente diante de um texto que passou por reformulação”, explicou.
Na mesma linha, Carolina Sellani, Head de Assuntos Estratégicos da Abiquifi e coordenadora do Grupo de Trabalho de Cannabis, reforçou que o pedido de vista “faz parte do processo regulatório” e não deve ser interpretado como um entrave. Para ela, há uma tendência de que a devolutiva de Thiago Campos aconteça já no início de 2026.
“Agora, o diretor Thiago tem até duas reuniões da Diretoria Colegiada para apresentar suas considerações tecnicamente embasadas sobre o texto. Tecnicamente, isso está previsto para o final de janeiro, considerando o calendário das reuniões. O pedido de vista foi uma decisão técnica diante de pontos adicionados na última minuta, que recaem diretamente sobre a diretoria dele”, afirmou.
Sellani acrescenta que a expectativa do setor é de que o tema retorne à pauta em janeiro
“Esperamos que em janeiro haja uma nova rodada de discussões, com a devolutiva do diretor Thiago. Mas, claro, isso depende exclusivamente dele. Caso necessário, ele pode solicitar mais duas reuniões, desde que apresente justificativa técnica. Ainda assim, a nossa expectativa é de que ele se manifeste dentro do prazo regular.”
Para Delgado, o momento agora é de análise cuidadosa por parte dos novos diretores da Anvisa, que precisam avaliar se o texto revisado é, de fato, o mais adequado. “Eles podem alterar partes, alterar tudo ou manter como está. O fundamental é esse processo de conhecimento, porque só assim o ato regulatório terá eficácia e será realmente factível”, concluiu.













