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Como Marrocos virou o maior exportador de haxixe do mundo?

Como Marrocos virou o maior exportador de haxixe do mundo?

História e geopolítica da Cannabis no Reino de Marrocos, primeiro país africano a disputar uma semifinal de Copa do Mundo

Publicado em

14 de dezembro de 2022

• Revisado por

Jornalista responsável por contar inspiradoras histórias de médicos prescritores de Cannabis medicinal e pacientes cuja qualidade de vida foi transformada pelas propriedades terapêuticas dos fitocanabinoides.

Marrocos

Marrocos está fazendo história. Ao entrar em campo nesta quarta-feira (14), às 16h, contra a França, em Al Bayt, no Catar, se torna a primeira nação do continente africano a disputar uma semifinal da Copa do Mundo Fifa de futebol masculino. Também se torna o primeiro país islâmico a atingir tal feito. 

Como aqui, no portal Cannabis & Saúde, o foco não é o futebol, aproveitamos o marco para destacar a longa história da Cannabis em Marrocos. 

O país está entre os cinco maiores produtores de Cannabis sativa do mundo e principal exportador de haxixe, a resina produzida pelas infrutescências da planta (os tricomas), e que contém todos os fitocanabinoides e a maioria dos terpenos, prensada.

Todo esse status foi atingido na ilegalidade, embora, recentemente, o rei Maomé VI tenha dado início ao processo que visa tirar milhares de agricultores da ilegalidade e pobreza com a produção de insumos para medicamentos e cosméticos, e matéria-prima para a indústria.

A Cannabis no Marrocos

A história da Cannabis no Marrocos se confunde à da montanhosa região de Rife, no norte do país e onde está localizado o estreito de Gibraltar, que separa a África em apenas 13 km da Europa, pela Espanha.

Acredita-se que a Cannabis tenha sido introduzida durante a conquista árabe, entre os séculos 7 e 15. Com clima árido semelhante ao do Oriente Médio, a planta se sentiu em casa e passou a ser facilmente produzida.

Era mais uma planta medicinal dos jardins, consumida como parte da receita dos majouns, um doce marroquino, ou seca, triturada e fumada juntamente com tabaco e outras hervas em longos cachimbos, chamados de sebsi. A mistura é chamada de kif.

Entre os séculos 18 e 19, uma nova técnica se propagou pela região. As flores secas são colocadas em grandes sacos e batidas com paus para soltar os tricomas. Finamente peneirados, resultam em um pó que concentra todas propriedades psicoativas e medicinais da planta. Não à toa, adotou o nome da antiga mistura e, hoje, é também chamado de kif.

O kif então é prensado para se transformar no haxixe marroquino. Que é diferente do haxixe nepales ou indiano, que é extraído pelo manuseio das flores secas ou vivas (charas), respectivamente. Diante da proximidade, tornou- se a principal fornecedora de haxixe do mercado europeu.

O Reino de Marrocos

Marrocos é comandado pela mesma família, a Dinastia Alauita, desde 1666. No entanto, somente no ano de 1956, conquistou sua independência da Espanha (derrotada nas quartas de final da Copa do Mundo do Catar) e da França (adversária na semifinal). 

O acordo do Protetorado Franco-Espanico de 1912 dividiu o território que hoje representa o país em dois. A parte sul e norte do país (Rife) ficaram sob domínio espanhol, enquanto o restante ficou sob domínio francês, que mantinha sua influência com apoio da dinastia alauita, de origem árabe, em forma de sultanato.

A região de Rife, no entanto, é ocupada pelos Imazighen (homens livres” ou “homens nobres” em Amazigh), como se denomina o conjunto de povos indígenas do Norte da África. No ocidente, esses povos são chamados de berberes. 

Como sua própria denominação diz, esses povos sempre se levantaram contra o domínio estrangeiro. Lutaram pela independência dos espanhóis e, com a simultânea independência da área dominada pelos franceses, se viram sob controle da dinastia alauita quando, em agosto de 1957, Maomé V transformou Marrocos num reino, passando a usar o título de rei.

As diferenças étnicas e culturais fez com que a região fosse excluída da vida política do novo reino. Em 1958 teve início a Revolta de Rife contra o exército marroquino. Filho de Maomé V e entõ primeiro ministro do país, Hassam II comandou o esmagamento da rebelião, que culminou em cerca de 8 mil rifenhos mortos.

Com a morte do pai, em 1961, Hassan II assumiu o trono e, como punição, reprimiu a língua e cultura berbere, relegando a região à pobreza e ao analfabetismo. Esquecidos pelo estado, os agricultores locais encontraram na Cannabis sativa um meio de subsistência, já que é uma das únicas culturas competitivas que se desenvolve na região.

Com a ascensão do Reino de Marrocos, a proibição da Cannabis que vigorava no sultanato passou a valer para todo o país. No entanto, a Cannabis faz parte da cultura ancestral e logo se tornara principal vetor econômico de Rife. Reprimir o cultivo teriam novas revoltas populares como consequência e foi tolerado por todo o reinado de Hassan II, morto em 1999.

Legalização

Cultivo de Cannabis na região de Rife, 2004. ONU

Uma estimativa realizada pela ONU, em 2004, que a região de Rife destinava 120.500 hectares para o cultivo de Cannabis, embriagando 96.600 famílias, com um total de 800 mil pessoas. Naquela época, a produção total marroquina foi estimada em 98.000 toneladas e sua conversão em resina (haxixe) em cerca de 2.760 toneladas, sendo quase a metade originária da região de Chefchaouen. 

No entanto, esses números foram reduzidos drasticamente graças à campanha “províncias livres de Cannabis” que o Marrocos realizou em 2007. A área cultivada para resina de cannabis no Marrocos foi reduzida para 47.000 hectares em 2017. Com esta área, o Reino teria uma produção ao ar livre estimada em cerca de 38.000 toneladas, e 760 toneladas de produção indoor.

As cifras foram atingidas já sob o reinado de Maomé VI, 23º líder da dinastia alauita. Ele também detém, de acordo com a constituição marroquina, o título de miralmuminim (Comandante da Fé ou chefe religioso).

Marrocos é regida por uma monarquia constitucional, que conta com um parlamento eleito, mas entrega amplos poderes ao rei. Maomé VI assumiu com um discurso modernização do Estado e apoio à democracia, embora enfrente diversas críticas em relação à centralização do poder. 

Na região de Rife, no entanto, pôs fim às sanções mantidas por seu pai, permitindo o ensino da língua e cultura berbere. Em dezembro de 2020, apoiou a decisão da Comissão de Narcóticos das Nações Unidas de reclassificar a Cannabis em sua lista internacional, reconhecendo seu valor medicinal.

Desde então, deu início ao processo que culminou na Lei nº 13.21, de março de 2022, que permite o cultivo, produção, estabelecimento e exploração de Cannabis para fins medicinais, cosméticos e industriais em três províncias de Rife, Hoceima, Chefchaouen e Taounate, onde se concentra a produção de Cannabis. A lei também abre espaço para a expansão para outras áreas no futuro. 

De acordo com o governo, o objetivo é melhorar a situação econômica da região. Com a legalização, 12% do faturamento final da safra de Cannabis seriam direcionados aos agricultores, um percentual bem maior que os 4% quando sob controle do comércio ilegal.

Em outubro, Agência Nacional de Regulação de Atividades Relacionadas à Cannabis emitiu as primeiras dez permissões de cultivo legal para cooperativas de agricultores das áreas selecionadas. 

No entanto, a medida segue longe de ser suficiente para lidar com o comércio ilegal. O uso adulto e cultural segue estritamente proibido, assim como o cultivo para esses fins. Como acontece em outros lugares do mundo, as demandas de controle de produção e qualidade elevadas demanda alto investimento, inviabilizando a legalização para boa parte dos agricultores.

A Cannabis no Brasil

Enquanto a PL 399 segue em tramitação no congresso, o cultivo de Cannabis para qualquer fim no Brasil segue proibido. Para ter acesso ao medicamento, é necessária a prescrição de um médico e a importação com autorização da Anvisa.

A boa notícia é que a regulamentação avançou bastante nos últimos anos e, menos de um mês após a consulta, é possível ter acesso ao medicamento.

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Fontes:

https://www.jstor.org/stable/3673690?read-now=1&seq=4#page_scan_tab_contents – Kif in the Rif: A Historical and Ecological Perspective on Marijuana, Markets, and Manure in Northern Morocco – Mountain Research and Development – Vol. 12, No. 4 (Nov., 1992), pp. 389-392 (4 pages)
https://www.moroccoworldnews.com/2022/03/347426/morocco-ratifies-decree-to-start-legal-cannabis-industry
https://www.alchimiaweb.com/blogen/origins-evolution-moroccan-hashish/
https://issafrica.org/iss-today/moroccos-new-cannabis-production-law-needs-faster-implementation
https://cannavigia.com/cannabis-country-report-morocco
https://www.unodc.org/pdf/research/Bulletin07/Bulletin_on_narcotics_2007_Stambouli.pdf – Cultivation of Cannabis sativa L. in northern Morocco
https://www.reuters.com/world/africa/morocco-issues-first-permits-cannabis-production-2022-10-05

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Os artigos seguintes, até o 224, tratam de temas como a liberdade de imprensa, a censura, a propriedade de empresas jornalísticas e a livre concorrência.

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