A depressão figura hoje entre as principais causas de incapacidade no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que mais de 11 milhões de brasileiros convivem com o transtorno depressivo. Mas como enfrentar a condição? Para o Dr. Rodolfo Furlan Damiano, médico psiquiatra, pesquisador, professor, autor e palestrante, saúde mental é sinônimo de autocuidado. “Significa cuidar da alma, cuidar de si”.
Com uma trajetória marcada pela busca de aliar ciência e humanidade, Dr. Damiano é coordenador do Programa de Ensino, Pesquisa e Assistência em Depressão Resistente ao Tratamento, Autolesão e Suicidalidade do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP. E também tem se dedicado à pesquisa de novas terapias, entre elas a Cannabis medicinal, que começa a ganhar espaço na psiquiatria como alternativa adjuvante no manejo de sintomas depressivos e ansiosos.
“O campo de pesquisa sobre o uso do Canabidiol na psiquiatria tem avançado consideravelmente nos últimos anos, embora ainda estejamos em uma fase que podemos chamar de promissora, mas preliminar. É importante entender que quando falamos de Cannabis medicinal, estamos nos referindo a diferentes compostos com propriedades distintas nos transtornos mentais e, ainda, com níveis diferentes de evidências científicas”, pontua o médico.
O desafio da depressão e a regulação do sistema endocanabinoide
Diante de um panorama desafiador em relação à depressão, há crescente interesse em novas abordagens terapêuticas que unam rigor científico, segurança e um olhar integral do ser humano. Em live recente do portal Cannabis & Saúde, a médica psiquiatra Dra. Lorena Abrão esclareceu que a resposta da relação direta do uso medicinal da Cannabis com o bem-estar está, justamente, no sistema endocanabinoide, presente em nosso corpo, e identificado no fim dos anos 1980.
“O sistema endocanabinoide regula funções como humor, sono, apetite e resposta ao estresse. É um sistema altamente regulador, equilibra processos fisiológicos e, por isso, é tão importante na psiquiatria: regula ciclo sono–vigília, humor, comportamento e cognição”, explicou a médica.
Portanto, segundo a profissional, com um sistema endocanabinoide regulado o corpo pode se aproximar de um equilíbrio necessário para o bem-estar. Mas, a médica lembra que também é imprescindível uma mudança no estilo de vida para resultados promissores no tratamento.
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“E existe talvez uma forma da gente regular esse sistema endocanabinoide de forma natural? Existe! São as medidas de melhoria de qualidade de vida e estilo de vida que todo médico fala, mas que a gente sabe hoje em dia que tem muito a ver com o sistema endocanabinoide como alimentação saudável, atividade física, técnicas de relaxamento, atividades prazerosas, e uma boa noite de sono, são mudanças no estilo que nos ajudam na regulação do SEC. A Cannabis medicinal sozinha não faz milagre, ela precisa mudar muitos hábitos”.
Ainda neste sentido, a revisão “Reviewing the Role of the Endocannabinoid System in Depression”, realizada por cientistas espanhóis, indica que o sistema endocanabinoide se relaciona com alterações neuroquímicas e imunológicas conectadas à depressão.
O papel do sistema endocanabinoide no humor
Sendo assim, entre os mecanismos biológicos investigados em tratamentos de depressão, o sistema endocanabinoide se mostra central na regulação das emoções e do humor. Dr. Damiano pontua que sua atuação abrange regiões cerebrais ligadas ao estresse e à recompensa, e que alterações nesse sistema têm sido observadas em pessoas com depressão.
“Pesquisas sobre mecanismos de ação rápida na depressão sugerem que a modulação do sistema endocanabinoide pode ser uma via terapêutica importante, especialmente em casos difíceis de tratar. Contudo, é crucial enfatizar que a prescrição de Cannabis medicinal para transtornos depressivos ainda é baixa e controversa, refletindo justamente a falta de ensaios clínicos robustos focados especificamente no tratamento da depressão. Além disso, aqui precisamos fazer uma distinção crucial: a maioria dos estudos mais promissores utiliza formulações ricas em CBD, com concentrações muito baixas ou ausência de THC”, complementa Dr. Damiano.
Equilíbrio entre otimismo e rigor científico
Igualmente, Dr. Damiano ressalta que, apesar do entusiasmo em torno da Cannabis, é preciso cautela científica. Segundo ele, o CBD é o mais estudado e apresenta melhor tolerabilidade. “Quando consideramos terapias canabinoides para depressão resistente, o foco deve estar em formulações predominantemente de CBD, sempre como terapia adjuvante e não substituta dos tratamentos convencionais”, destaca.
Avanços e desafios éticos no Brasil
No contexto brasileiro, Damiano defende que o debate sobre Cannabis medicinal na psiquiatria deve ser ético, científico e livre de estigmas. Ele reconhece avanços regulatórios da Anvisa e do Conselho Federal de Medicina, mas ressalta que a falta de padronização e a desinformação ainda são obstáculos.
“O desafio é que precisamos distinguir claramente produtos padronizados e testados de formulações artesanais sem controle de qualidade adequado. Como pesquisador e coordenador de um programa voltado à depressão resistente e à prevenção do suicídio, vejo com bons olhos o avanço responsável dessa área terapêutica. Há potencial real baseado em mecanismos neurobiológicos bem fundamentados e em evidências clínicas preliminares positivas”, pontua.
Leia a entrevista com o Dr. Rodolfo Furlan Damiano
Como o senhor avalia o avanço das pesquisas sobre o uso do Canabidiol (CBD) no tratamento da depressão e de outros transtornos mentais?
“O campo de pesquisa sobre o uso do Canabidiol na psiquiatria tem avançado consideravelmente nos últimos anos, embora ainda estejamos em uma fase que podemos chamar de promissora, mas preliminar. É importante entender que quando falamos de Cannabis medicinal, estamos nos referindo a diferentes compostos com propriedades distintas nos transtornos mentais e, ainda, com níveis diferentes de evidências científicas. O CBD (Canabidiol) é o mais estudado para transtornos mentais e não possui efeitos psicoativos, ao contrário do THC (Tetrahidrocanabinol), que é a substância responsável pelos efeitos psicoativos da maconha recreativa. Além desses, temos o CBN (Canabinol), que tem propriedades sedativas e está sendo investigado para distúrbios do sono, e o CBG (Canabigerol), um canabinoide mais recente nas pesquisas que parece ter propriedades neuroprotetoras e anti-inflamatórias.
Temos visto ensaios clínicos recentes que demonstram que o CBD apresenta boa tolerabilidade e eficácia para transtornos de ansiedade leves a moderados, com poucos eventos adversos. Na depressão, por exemplo, estão em andamento os primeiros ensaios clínicos em larga escala, reconhecendo que existe uma necessidade real de terapias mais eficazes e melhor toleradas.
No entanto, é fundamental manter o rigor científico: as revisões sistemáticas mais abrangentes concluem que ainda faltam evidências robustas de que os canabinoides realmente melhorem transtornos depressivos, de ansiedade ou psicóticos de forma consistente. Portanto, embora os resultados de estudos experimentais sejam encorajadores e alguns ensaios clínicos iniciais mostrem sinais positivos, ainda precisamos de estudos controlados, randomizados e em maior escala para estabelecer definitivamente o papel terapêutico do CBD na prática psiquiátrica. O momento atual exige equilíbrio entre otimismo científico e cautela clínica”.
Há evidências clínicas que sustentem o uso de canabinoides como terapia adjuvante em pacientes com depressão resistente ao tratamento convencional?
“As evidências para o uso de canabinoides na depressão resistente estão em construção, mas mostram resultados promissores. Estudos naturalísticos recentes acompanharam pacientes com depressão maior que não responderam aos tratamentos convencionais e observaram redução clinicamente significativa na gravidade dos sintomas.
Pesquisas sobre mecanismos de ação rápida na depressão sugerem que a modulação do sistema endocanabinoide pode ser uma via terapêutica importante, especialmente em casos difíceis de tratar.
Contudo, é crucial enfatizar que a prescrição de Cannabis medicinal para transtornos depressivos ainda é baixa e controversa, refletindo justamente a falta de ensaios clínicos robustos focados especificamente no tratamento da depressão. Além disso, aqui precisamos fazer uma distinção crucial: a maioria dos estudos mais promissores utiliza formulações ricas em CBD, com concentrações muito baixas ou ausência de THC. O THC apresenta riscos significativos que precisam ser considerados: pode precipitar ou piorar sintomas psicóticos, especialmente em pessoas vulneráveis; pode induzir ansiedade e sintomas dissociativos; tem potencial de abuso e dependência; e faltam estudos de segurança de longo prazo, principalmente em populações psiquiátricas.
Por isso, quando consideramos terapias canabinoides para depressão resistente, o foco deve estar em formulações predominantemente de CBD, sempre como terapia adjuvante e não substituta dos tratamentos convencionais.
Na minha perspectiva, como pesquisador, vejo espaço para o uso criterioso, em casos cuidadosamente selecionados, com acompanhamento médico rigoroso e dentro de protocolos estruturados que priorizem a segurança do paciente”.
De que forma o sistema endocanabinoide pode estar envolvido na regulação do humor e das emoções, segundo os estudos mais recentes?
“O sistema endocanabinoide desempenha um papel fundamental na regulação do humor através de sua ampla distribuição em estruturas cerebrais envolvidas no controle emocional, como o córtex cerebral, hipocampo, amígdala e áreas relacionadas à recompensa e ao estresse. As evidências atuais demonstram que o aumento da sinalização endocanabinoide pode potencializar a transmissão de neurotransmissores importantes como a serotonina e a noradrenalina, aumentar a plasticidade cerebral e a produção de fatores que protegem os neurônios, além de modular a atividade do eixo hormonal do estresse. Em pacientes com depressão, observam-se alterações nos níveis de endocanabinoides em comparação com pessoas saudáveis, sugerindo que disfunções nesse sistema podem contribuir para o desenvolvimento da doença. A desregulação do sistema endocanabinoide está associada a diversos transtornos psiquiátricos como ansiedade, depressão, esquizofrenia e transtorno do espectro autista.
Pesquisas recentes demonstraram que alguns tratamentos para depressão resistente, como a estimulação magnética transcraniana, aumentam os níveis de endocanabinoides no organismo, e esses níveis mais elevados correlacionam-se com a melhora dos sintomas depressivos. Esse conjunto de evidências sugere que o sistema endocanabinoide atua como um modulador essencial para o equilíbrio emocional, integrando respostas ao estresse, a neuroplasticidade e a regulação do humor”.
Na sua visão, como o debate sobre Cannabis medicinal e saúde mental pode ser conduzido de forma ética, científica e livre de estigmas na psiquiatria brasileira? E, ainda, como pesquisador do IPq-FMUSP, o senhor vê com bons olhos a terapia canabinoide com devido acompanhamento médico na área da saúde mental?
“O debate sobre o uso medicinal de Cannabis na psiquiatria brasileira precisa ser conduzido com equilíbrio, com base em evidências científicas e livre tanto de preconceitos históricos quanto de entusiasmo comercial exagerado. No Brasil, temos uma situação regulatória em evolução: existe apenas um medicamento formalmente registrado à base de Cannabis (para espasticidade na esclerose múltipla), mas a Anvisa tem autorizado a importação e, mais recentemente, a produção nacional de produtos à base de canabinoides para uso excepcional. O Conselho Federal de Medicina estabeleceu diretrizes que autorizam a prescrição de Canabidiol para epilepsias refratárias em crianças e adolescentes, e permite o uso compassivo em outras situações quando tratamentos convencionais foram esgotados.
O desafio é que precisamos distinguir claramente produtos padronizados e testados de formulações artesanais sem controle de qualidade adequado. Como pesquisador e coordenador de um programa voltado à depressão resistente e à prevenção do suicídio, vejo com bons olhos o avanço responsável dessa área terapêutica. Há potencial real baseado em mecanismos neurobiológicos bem fundamentados e em evidências clínicas preliminares positivas. No entanto, esse potencial precisa ser explorado com rigor: através de ensaios clínicos bem desenhados, com formulações padronizadas (preferencialmente ricas em CBD e com THC controlado devido aos seus riscos), em populações bem definidas, e sempre como complemento e não substituto dos tratamentos estabelecidos. É fundamental que a comunidade científica brasileira assuma protagonismo nessa área, conduzindo pesquisas de qualidade que respondam às necessidades da nossa população.
Também precisamos combater a desinformação que muitas vezes domina esse debate – tanto a que exagera os benefícios quanto a que ignora possibilidades terapêuticas legítimas. O caminho ético envolve educação médica continuada baseada em evidências, regulação sanitária robusta que garanta a qualidade e a segurança dos produtos, transparência sobre o que sabemos e o que ainda não sabemos, e sempre colocar o bem-estar e a segurança do paciente em primeiro lugar”.
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Iniciando um tratamento com Cannabis
Aqui no Brasil, o uso medicinal da Cannabis é possível desde que tenha a prescrição de um médico ou dentista. Esse é o tipo de profissional mais indicado para analisar o seu caso e recomendar o produto e dosagem mais adequados para você. Acessando a nossa plataforma de agendamentos você pode marcar uma consulta com um profissional da saúde experiente na prescrição desse tipo de tratamento.













