A minuta que propõe substituir a RDC nº 327 — norma que abriu caminho para a importação e fabricação de produtos à base de Cannabis — começou a ser analisada pela Diretoria Colegiada da Anvisa, mas sua votação foi interrompida após um pedido de vistas feito por um diretor recém-empossado.
Com isso, a expectativa é que o tema volte à pauta em janeiro de 2026, dando mais tempo para que a Agência avalie uma norma que promete alterar de forma significativa o modelo regulatório construído nos últimos seis anos e reconhecido internacionalmente como uma regulação eficiente, ao que se propôs.
Uma regulação que nasceu sob pressão — e continua em evolução
A RDC 327, criada em 2019, nunca foi uma regra imutável, aliás nenhum marco regulatório sanitário é. Desde o início, gerou debates intensos entre médicos, pacientes, empresas, juristas, no Congresso Nacional, a própria Anvisa e, na Casa Civil. O tema, envolto em ineditismo e forte demanda social, passou a exigir debates, ampliou o volume de ações judiciais vitoriosas e, demandas que seriam incluídas na atual revisão.
A consulta pública que embasa a nova minuta recebeu 1.476 contribuições técnicas, um volume que demonstra tanto a relevância quanto a sensibilidade do tema.
Avanços reconhecidos no novo texto
A proposta que está sob análise da Anvisa traz mudanças consideradas positivas por especialistas, como:
• maior detalhamento dos requisitos técnicos;
• reforço no monitoramento pós-comercialização;
• aprimoramento das regras de rastreabilidade;
• maior alinhamento com boas práticas internacionais.
Esses ajustes tendem a fortalecer a segurança sanitária, a previsibilidade regulatória e a maturidade do setor no país.
Mas há pontos que acendem sinais de alerta
Entre os principais pontos de atenção está o possível impacto sobre o acesso via importação. Hoje, milhares de pacientes utilizam produtos que não têm equivalente no mercado brasileiro — seja pela forma farmacêutica, concentração ou perfil de canabinoides.
A minuta prevê que, quando houver um produto “equivalente” regularizado no país, a importação poderá ser restringida. Essa medida, embora tenha objetivos sanitários legítimos, preocupa médicos e pacientes, que temem perder acesso a tratamentos individualizados em curso e com resultado terapêutico de excelência no tratamento da doença diagnosticada.
A Cannabis medicinal não segue a lógica tradicional de substituição entre medicamentos. Diferenças pequenas na formulação podem resultar em respostas clínicas completamente distintas. Por isso, especialistas alertam que restringir importações com base apenas em critérios legais de controle pode gerar desassistência, especialmente em casos raros ou refratários, o que tornará a assistência médica mais onerosa, uma vez que a busca por solução para o declínio do quadro terapêutico, trará o paciente para o médico, hospitais e até a internação e para os casos mais graves poderão ser levados a UTI, a história já nos mostrou casos semelhantes.
O desafio da proporcionalidade regulatória
Outro ponto sensível é o equilíbrio entre rigor sanitário e viabilidade econômica. Regras excessivamente restritivas podem:
• reduzir a concorrência;
• limitar a diversidade de produtos;
• elevar preços;
• dificultar o acesso, sobretudo para pacientes de baixa renda.
Experiências internacionais mostram que ambientes regulatórios bem-sucedidos combinam qualidade e segurança com proporcionalidade e foco no paciente.
Pausa estratégica ou atraso?
Para muitos, o pedido de mais tempo feito na Diretoria Colegiada deve ser interpretado como oportunidade — não como problema. A pausa pode permitir:
• ajustes de redação;
• correções de assimetrias;
• inclusão de informações técnicas recentes;
• avaliação do impacto econômico e social da norma.
Num setor tão novo e sensível, decisões precipitadas podem gerar efeitos imprevistos.
O que o setor espera
Empresas, médicos, associações de pacientes e juristas esperam que a nova resolução:
• garanta segurança jurídica;
• amplie as opções terapêuticas;
• reduza incertezas para quem produz e para quem importa;
• preserve o acesso para quem depende da Cannabis medicinal;
• fomentar a instituição da inclusão do tratamento com a Cannabis Medicinal na Política Pública de Saúde Nacional.
Mais do que regular produtos, regular cuidado
A revisão da RDC 327 é mais do que uma atualização normativa. Ela redefine o lugar da Cannabis medicinal na política de saúde do país.
Regular Cannabis não é regular um bem de consumo: é regular acesso, dignidade e continuidade de tratamento para milhares de brasileiros.
A expectativa agora é que, quando voltar à pauta, a Anvisa entregue uma norma tecnicamente robusta, socialmente responsável e juridicamente estável — capaz de equilibrar rigor sanitário com sensibilidade humana.
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