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Cannabis medicinal e HIV/Aids: um caminho para mais qualidade de vida?

Cannabis medicinal e HIV/Aids: um caminho para mais qualidade de vida?

Uma história de coragem, ciência e cuidado: Cannabis medicinal e HIV/Aids se encontram na luta por qualidade de vida, dignidade e informação.

Publicado em

9 de dezembro de 2025

• Revisado por

Fala, escreve e pesquisa sobre Cannabis, saúde e bem-estar. Mestre em Comunicação e Cultura, com passagem pela Unesco, já produziu milhares de histórias e conversas que mostram como a Cannabis transforma vidas. Mãe de dois, acredita em um mundo onde conhecimento e consciência caminham junto da planta.

A relação entre a Cannabis e a luta contra o HIV/Aids é histórica. Nos anos 1980 e 1990, nos Estados Unidos, especialmente na Califórnia, foram pessoas vivendo com Aids que impulsionaram o movimento pelo uso medicinal da planta em busca de alívio para dor, náuseas, perda de apetite e sofrimento psíquico. No Brasil, o debate ganhou força mais tarde. Inicialmente por mães de crianças com epilepsia refratária, mas hoje volta a se conectar com a comunidade HIV/Aids, que identifica na Cannabis um possível aliado para qualidade de vida, adesão ao tratamento e saúde mental.

“A Cannabis medicinal tem sido uma aliada valiosa no cuidado de pessoas vivendo com HIV/Aids, especialmente no alívio de sintomas que ainda podem afetar o bem-estar, mesmo com o uso da TARV”, afirma a médica infectologista Dra. Laís Vasconcellos.

Compartilhando dessa compreensão de que a Cannabis e seus derivados podem contribuir para a qualidade de vida, a jornalista e apresentadora Roseli Tardelli, fundadora da Agência de Notícias da Aids, observa que a Cannabis medicinal tem ganhado espaço crescente na cobertura da agência, impulsionada pelos relatos de bem-estar e melhora de sintomas entre pessoas que vivem com o vírus.

“Conhecemos histórias de pessoas que têm melhorado questões de ansiedade, que têm dormido melhor e que fazem o uso da Cannabis medicinal com acompanhamento médico e têm tido bons resultados. É uma pauta que tem ganhado cada vez mais espaço dentro das nossas reportagens”, afirma.

Igualmente, Roseli reforça que a missão da agência é promover acolhimento, empatia e qualidade de vida para quem vive com HIV.

Diferença entre HIV e Aids: informação que ainda precisa ser reforçada

A Dra. Laís lembra que HIV e Aids não são sinônimos. “É fundamental compreender que ter HIV não significa ter AIDS. O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) é um vírus que ataca o sistema imunológico, enfraquecendo as defesas naturais do corpo. No entanto, graças aos avanços da medicina, hoje é totalmente possível viver com HIV com saúde, autonomia e qualidade de vida. A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é o estágio mais avançado da infecção, quando, sem tratamento adequado, o sistema imune fica muito comprometido e passam a surgir infecções oportunistas e até alguns tipos de câncer. Felizmente, com o uso regular da Terapia Antirretroviral (TARV), muitas pessoas vivem com HIV por décadas sem desenvolver AIDS — e sem sintomas”.

Portanto, a especialista explica que com a TARV, oferecida no SUS, é possível viver décadas com HIV sem desenvolver Aids, com saúde e qualidade de vida.

Pessoas com carga viral indetectável não transmitem o HIV — princípio conhecido mundialmente como I=I (Indetectável = Intransmissível)

A transmissão do HIV ocorre em situações específicas, como relações sexuais sem preservativo — sendo que o sexo oral apresenta risco muito menor, embora não seja nulo —, compartilhamento de seringas, transmissão da mãe para o bebê durante a gestação, parto ou amamentação, e também em acidentes ocupacionais envolvendo material biológico. Todas essas situações são conhecidas e amplamente documentadas pelas autoridades de saúde.

Por outro lado, é importante reforçar que o HIV não é transmitido pelo convívio cotidiano. Beijo, abraço, toque, aperto de mão, compartilhamento de talheres, copos ou pratos, uso de assento de ônibus, contato com suor, lágrimas ou saliva e o uso compartilhado de banheiros não representam risco de transmissão. São situações completamente seguras, mas que ainda geram dúvidas e, em muitos casos, comportamentos discriminatórios.

Mesmo com décadas de informação disponível, práticas estigmatizantes persistem — como separar pratos, roupas ou objetos pessoais de alguém que vive com HIV. Para João Cavalcante, secretário de Comunicação da RNP+Brasil, que vive com HIV há quase nove anos, esses episódios revelam o tamanho do desafio informacional e social que ainda existe no país.

“Ainda vejo relatos de pessoas que têm até pratos separados. Estamos em 2025 e isso ainda acontece. O preconceito é muito grande”, afirma João.

Todas as profilaxias disponíveis hoje no Brasil

O Brasil adota a Prevenção Combinada, que integra múltiplas estratégias:

  • PrEP — Profilaxia Pré-Exposição: Medicamento diário ou sob demanda que impede a infecção. Disponível no SUS.
  • PEP — Profilaxia Pós-Exposição: Iniciada em até 72 horas após uma exposição de risco.
  • Camisinha interna e externa: Distribuição gratuita no SUS.
  •  Testagem regular (CTA/SAE): Fundamental para diagnóstico precoce e início imediato da TARV.
  • TARV como prevenção (I=I): Pessoas em tratamento com carga viral indetectável não transmitem HIV.

O panorama do HIV/Aids no Brasil e no mundo

Segundo o relatório UNAIDS 2024, 40,8 milhões de pessoas vivem com HIV no mundo. No Brasil, já são mais de 540 mil casos notificados desde 2007, com destaque para o Sudeste (41%) e Nordeste (21,9%). O aumento entre jovens e mulheres com mais de 50 anos indica mudanças no perfil da epidemia e exige estratégias de prevenção específicas.

A razão de sexo também aumentou: em 2007, havia 14 homens diagnosticados para cada 10 mulheres; em 2023, essa relação subiu para 27 homens para cada 10 mulheres. Jovens de 15 a 24 anos representam 23,2% dos novos casos, enquanto 77,7% das mulheres diagnosticadas estão em idade reprodutiva.

No Brasil, desde 2007:

  • Mais de 540 mil casos foram notificados.
  • Sudeste (41%) e Nordeste (21,9%) concentram as maiores proporções.
  • Há aumento entre jovens de 15 a 24 anos (23,2% dos novos casos).
  • Entre mulheres, 77,7% estão em idade reprodutiva.
  • A razão de sexo passou de 14 homens/10 mulheres (2007) para 27/10 (2023).

“Nosso carro-chefe é o acolhimento. Escuta ativa, rodas de conversa, encontros regionais e nacionais. Quando a pessoa se sente pertencente, ela consegue sobreviver com mais força”, conheça a RNP+Brasil, rede com mais de 6 mil integrantes e 30 anos de atuação

Para entender de perto os desafios e percepções sobre pessoas vivendo com HIV e Aids no Brasil, conversamos com exclusividade com o professor de Física e Matemática, pesquisador e atualmente secretário de Comunicação da RNP+Brasil, rede com mais de seis mil integrantes e três décadas de atuação. João observa de perto os desafios enfrentados pelas pessoas que vivendo com HIV e Aids no país.

Para ele, a vulnerabilidade social é o ponto mais crítico desse cenário. Moradia instável, insegurança alimentar e dificuldades de inserção no mercado de trabalho afetam diretamente a adesão ao tratamento e o bem viver. Além disso, desigualdades regionais ainda determinam quem tem acesso ao cuidado integral, à prevenção combinada e a equipes multidisciplinares qualificadas.

Outro eixo que persiste de forma contundente é o estigma. João explica que muitas pessoas têm medo de realizar testagem ou de revelar sua sorologia por receio da reação da sociedade. Ele próprio já enfrentou episódios de preconceito no ambiente de trabalho. A chegada do diagnóstico, lembra, provoca forte impacto emocional, e a saúde mental costuma ser a primeira a sentir os efeitos desse processo.

“Muitas pessoas têm medo de fazer testagem, medo da reação da sociedade. Já vivi preconceitos dentro do meu trabalho. A saúde mental é muito impactada no início”.

Diante desse cenário, João destaca que o acolhimento é a principal estratégia da RNP+Brasil para enfrentar a discriminação e fortalecer a comunidade. A rede atua com escuta ativa, rodas de conversa, encontros regionais e nacionais e ações contínuas de apoio entre pares. Segundo ele, quando uma pessoa recém-diagnosticada se sente pertencente a um espaço seguro, passa a lidar com sua condição com mais autonomia e resiliência.

João também observa um movimento crescente entre jovens recém-diagnosticados, que têm recorrido à Cannabis medicinal como terapia complementar. Ele avalia esse uso de forma positiva, relatando benefícios como melhora do sono, redução da ansiedade e sensação ampliada de bem-estar. Muitos colegas da rede, afirma, utilizam a Cannabis medicinal com bons resultados, sempre como apoio ao tratamento principal e nunca como substituição à terapia antirretroviral.

“Vejo isso como algo muito positivo. Ajuda a dormir, reduz ansiedade, melhora o bem-estar. Muitos colegas da rede usam medicinalmente.”

O que dizem as evidências científicas sobre Cannabis medicinal para pessoas vivendo com HIV e Aids?

Estudos científicos têm reforçado o potencial terapêutico da Cannabis no cuidado de pessoas vivendo com HIV, especialmente em situações clínicas que afetam diretamente a qualidade de vida. Um dos trabalhos mais citados é o estudo conduzido pela University of California, San Diego, que demonstrou que o uso da Cannabis fumada pode reduzir significativamente a dor neuropática — um tipo de dor crônica e debilitante, comum em pessoas com HIV. Os participantes do estudo relataram alívio importante dos sintomas quando comparados ao grupo que recebeu placebo.

Outra contribuição relevante vem do estudo que avaliou a relação entre o uso da planta e a adesão ao tratamento antirretroviral (TARV). Os resultados indicam que, ao aliviar sintomas como náuseas, fadiga e perda de apetite — especialmente no início da terapia e assim como no câncer —, a Cannabis pode favorecer a continuidade do tratamento.

Além disso, evidências mais recentes sugerem que o uso regular da Cannabis pode ter efeitos anti-inflamatórios sistêmicos. Isso é particularmente relevante para pessoas com HIV, que frequentemente apresentam inflamações crônicas mesmo com a carga viral controlada. A redução desses processos inflamatórios pode ter impactos positivos na saúde cardiovascular, neurológica e imunológica dos pacientes.

Saúde mental: outro pilar essencial na qualidade de vida

A saúde mental de pessoas com HIV é frequentemente afetada por ansiedade, depressão e insônia. Nesses casos, o CBD (canabidiol) tem demonstrado efeitos ansiolíticos, enquanto o THC, em doses controladas, pode ajudar no sono.

A Cannabis pode, assim, funcionar como um suporte complementar, promovendo bem-estar emocional e fortalecendo a autonomia de quem vive com HIV.

Leia a entrevista completa com a Dra. Laís Vasconcellos

Quais os principais benefícios clínicos observados no uso da cannabis medicinal para pacientes vivendo com HIV/AIDS, especialmente em relação à dor crônica, náuseas e perda de apetite?

A Cannabis medicinal tem sido uma aliada valiosa no cuidado de pessoas vivendo com HIV/AIDS, especialmente no alívio de sintomas que ainda podem afetar o bem-estar mesmo com o uso da TARV.

  • Dor crônica: Um dos quadros mais relatados por pessoas vivendo com HIV é a dor neuropática, que pode surgir por inflamação ou lesões nos nervos. Estudos científicos demonstram que o uso controlado de formulações à base de THC pode ajudar a aliviar esse tipo de dor, especialmente quando os tratamentos convencionais não trazem alívio adequado.
  • Náuseas: Embora os efeitos colaterais dos antirretrovirais sejam bem menores hoje em dia, alguns pacientes ainda podem sentir náuseas, especialmente no início do tratamento. A cannabis, especialmente o THC, tem ação antiemética comprovada, reduzindo esses sintomas e ajudando a manter a adesão à medicação.
  • Perda de apetite e emagrecimento: O HIV pode causar, em alguns casos, perda de apetite e peso. O THC estimula o apetite e, em alguns estudos, foi associado à estabilização do peso em pacientes com AIDS, sendo uma ferramenta útil no cuidado da saúde nutricional.

O uso da Cannabis medicinal deve sempre ser individualizado, com orientação profissional e em formulações seguras, como óleos e cápsulas, que oferecem controle preciso das doses.

Há evidências de que a Cannabis possa interferir positiva ou negativamente na resposta imunológica ou na eficácia da terapia antirretroviral?

Segundo os estudos mais recentes, o uso responsável da cannabis medicinal não interfere negativamente na resposta imunológica nem na eficácia da terapia antirretroviral (TARV).

  • Pesquisas apontam que o uso medicinal da cannabis em pessoas com HIV não está associado à redução de células CD4 nem ao aumento da carga viral. Algumas evidências sugerem, inclusive, que pode haver redução de processos inflamatórios crônicos em usuários regulares, o que pode beneficiar a saúde como um todo.
  • A cannabis também pode auxiliar indiretamente na adesão ao tratamento, pois contribui para o alívio de sintomas como dor, insônia ou náuseas, tornando a rotina com os medicamentos mais confortável.

É importante lembrar que a TARV é segura, eficaz e tem poucos efeitos colaterais atualmente. Mas todo e qualquer uso de medicamento, inclusive à base de cannabis, deve ser comunicado ao seu médico infectologista, pois podem ocorrer interações com os antirretrovirais, afetando a absorção ou o efeito dos remédios.

Como a Dra. vê o papel da Cannabis no cuidado integral da saúde mental desses pacientes, considerando os altos índices de ansiedade, depressão e insônia na população com HIV?

O diagnóstico de HIV, além do impacto físico, pode afetar profundamente a saúde mental. Sentimentos como medo, ansiedade, tristeza e insônia são muito comuns, especialmente nos primeiros meses. A boa notícia é que hoje existe um arsenal terapêutico amplo — e a cannabis medicinal pode ser parte importante desse cuidado.

  • CBD para ansiedade e depressão: O canabidiol (CBD), um dos principais compostos da cannabis, tem efeito calmante e modulador do humor. Ele atua no sistema endocanabinoide e nos receptores de serotonina, ajudando a reduzir sintomas de ansiedade e depressão com segurança e sem efeitos psicoativos.
  • THC e sono: O THC, quando usado com cautela e na dose correta, pode ajudar a regular o sono, promovendo noites mais tranquilas e restauradoras. Isso é especialmente útil em momentos de tensão emocional ou alterações no ciclo do sono.
  • Bem-estar emocional e autonomia: O uso da Cannabis medicinal também pode representar um gesto de autocuidado e autonomia, melhorando a autoestima e fortalecendo o vínculo com o próprio corpo.

Contudo, é importante lembrar que o cuidado com a saúde mental deve ser sempre multidisciplinar. A cannabis pode ser um recurso complementar, mas não substitui a importância de fazer terapia, manter uma alimentação nutritiva e praticar atividade física regularmente. Esses são cuidados valiosos para todos nós — vivamos ou não com HIV.

Informação: a principal arma contra o estigma e o preconceito

Por fim, fica a certeza que o diálogo entre Cannabis medicinal, HIV/Aids e direitos humanos evidencia um ponto central: o preconceito e o estigma que ainda cercam os temas só podem ser enfrentados com informação qualificada. Durante décadas, mitos sobre transmissão, moralidade e uso de substâncias foram usados para discriminar pessoas vivendo com HIV, criando barreiras emocionais e sociais. Nesse contexto, a Cannabis medicinal, frequentemente alvo de estigmas semelhantes que sim estão mudando mas ainda existem, revela como o acesso ao conhecimento científico pode transformar realidades. Quando pacientes, profissionais e a sociedade compreendem que tanto o HIV e Aids quanto a Cannabis são temas de saúde pública, e não de julgamento moral, abre-se espaço para cuidado mais humano, políticas mais justas e maior autonomia para quem vive com o vírus. O combate ao estigma começa, portanto, pela informação: clara, responsável e baseada em evidências.

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