O Brasil poderia passar a utilizar o slogan “Brasil, um país de 60+”. Tudo porque o envelhecimento populacional no país avança em ritmo acelerado. Projeções do IBGE indicam que, até 2030, o número de brasileiros acima de 60 anos ultrapassará a marca dos 30 milhões, representando cerca de 13% do total da população. O fenômeno demográfico tem implicações profundas para a sociedade, especialmente no que se refere à saúde pública e aos cuidados necessários para atender a essa população crescente de idosos, como, por exemplo, o Alzheimer.
Ou seja, à medida que a expectativa de vida aumenta, a prevalência de doenças neurodegenerativas tende a subir, refletindo na necessidade de uma atenção voltada ao diagnóstico precoce, à conscientização sobre a demência e ao suporte contínuo para os cuidados de saúde dos idosos.
Neste sentido, o Alzheimer representa um dos maiores desafios de saúde pública no Brasil, com uma taxa alarmante de subdiagnóstico que beira os 70-80%. Conversamos com exclusividade com o Dr. Bruno Diógenes Iepsen, neurologista e membro do Conselho da Diretoria Científica Associação Brasileira de Alzheimer – ABRAz, que atua vigorosamente para mudar esse cenário, defendendo a importância de diagnósticos precoces e o suporte a famílias e cuidadores que lidam com essa condição.
Barreiras do diagnóstico do Alzheimer
Segundo o profissional, o diagnóstico precoce do Alzheimer enfrenta múltiplas barreiras no Brasil. A capacitação insuficiente de profissionais da saúde, especialmente na atenção primária, é um dos principais obstáculos. Muitos profissionais ainda não estão devidamente treinados para reconhecer os sinais iniciais da doença, levando a uma limitação no acesso a especialistas como neurologistas, psiquiatras e geriatras.
Além disso, a escassez de centros especializados em diagnóstico cognitivo contribui para a dificuldade no reconhecimento precoce da condição.
Segundo o Dr. Bruno, outro fator significativo é o componente cultural, onde sintomas iniciais, como esquecimentos frequentes e mudanças sutis de comportamento, são frequentemente atribuídos ao “envelhecimento normal”. Essa percepção cultural pode resultar em um atraso no reconhecimento da condição, que muitas vezes só ocorre em estágios moderados ou avançados da doença.
Veja a entrevista completa com Dr. Bruno Iepsen, neurologista e membro do Conselho da Diretoria Científica Associação Brasileira de Alzheimer – ABRAz
Quais são as principais barreiras para o diagnóstico precoce do Alzheimer no Brasil atualmente?
O diagnóstico precoce da Doença de Alzheimer (DA) ainda enfrenta múltiplas barreiras no Brasil. Entre as principais, destacam-se a capacitação insuficiente de profissionais de saúde da atenção primária para reconhecer os sinais iniciais da demência, a limitação no acesso a especialistas (como neurologistas, psiquiatras e geriatras), e a escassez de centros especializados em diagnóstico cognitivo.
Além disso, há um componente cultural importante: muitos sintomas iniciais da doença, como esquecimentos frequentes ou mudanças sutis de comportamento, são erroneamente atribuídos ao “envelhecimento normal”, o que contribui para a negligência dos sinais de alerta e atraso no reconhecimento dessa condição. Essa combinação de fatores leva a um diagnóstico muitas vezes tardio, quando a doença já se encontra em estágio moderado ou avançado.
Dados de literatura nacional corroboram isso: existem quase 2 milhões de brasileiros com alguma demência, sendo a principal delas DA. Em nosso país, a taxa de sub-diagnóstico beira os 70-80%.
Como a ABRAz tem atuado para apoiar familiares e cuidadores que enfrentam o dia a dia da doença?
A ABRAz atua de maneira contínua no suporte às famílias e cuidadores por meio de múltiplas frentes. Realizamos grupos de apoio psicossocial em diversas regionais da associação, nas mais diversas regiões do país, nos quais familiares/cuidadores podem compartilhar experiências e receber orientação de profissionais capacitados. Também promovemos cursos de capacitação, tanto presenciais quanto online, com conteúdos acessíveis sobre cuidados domiciliares, manejo comportamental e direitos dos pacientes.
Além disso, oferecemos materiais informativos atualizados em nossos canais oficiais (site e redes sociais), e mantemos diálogo constante com outras associações regionais para fortalecer a rede de apoio.
Sabemos que o cuidador precisa de acolhimento, conhecimento e suporte emocional para lidar com os inúmeros desafios da jornada com o Alzheimer.
Existe diálogo com o poder público para ampliar políticas específicas para pessoas com Alzheimer e seus cuidadores?
Sim, a ABRAz tem um histórico ativo e longo de diálogo com o poder público. Participamos de audiências públicas, colaboramos com parlamentares na elaboração de projetos de lei e atuamos como fonte técnica para a formulação de políticas de saúde voltadas à demência.
Um exemplo importante é a luta pela aprovação e regulamentação da Política Nacional de Enfrentamento às Demências, que visa garantir uma rede de cuidados mais estruturada e acessível. Também defendemos a ampliação da cobertura de medicamentos sintomáticos pelo SUS, o acesso a centros de referência e o reconhecimento do cuidador familiar como agente de saúde essencial e a garantia dos direitos legais aos pacientes e seus familiares/cuidadores.
Acreditamos que o enfrentamento da doença de Alzheimer exige políticas públicas integradas, intersetoriais e sensíveis às necessidades reais das famílias brasileiras.
Quais iniciativas a ABRAz desenvolve para conscientizar a sociedade e combater o estigma em torno da demência?
A conscientização é um dos pilares do trabalho da ABRAz. Promovemos campanhas nacionais anuais, como o “Setembro Roxo – Mês Mundial do Alzheimer”, com ações educativas em mídias tradicionais e digitais, palestras abertas à comunidade, iluminação de monumentos e mobilizações sociais.
Buscamos desconstruir mitos sobre a doença, mostrar que o diagnóstico não significa o fim da vida útil e valorizar o papel das pessoas com demência na sociedade. Também trabalhamos para incluir a demência em pautas de educação em saúde nas escolas, universidades e empresas.
Diversas ações também são realizadas ao longo do ano, com eventos para capacitação de cuidadores/familiares, discussões cientificas sobre o tema, congressos regionais e nacionais e outras atividades visando a conscientização da sociedade sobre essa condição.
>Combater o estigma é essencial para que possamos construir uma cultura mais inclusiva, onde o paciente com Alzheimer não seja reduzido à sua condição, mas reconhecido em sua dignidade e história de vida.
Como a associação vê o papel da tecnologia e da inovação no cuidado e na qualidade de vida das pessoas com Alzheimer?
A tecnologia tem se mostrado uma aliada importante no cuidado à pessoa com Alzheimer, especialmente em tempos de escassez de cuidadores formais. Ferramentas como aplicativos de estimulação cognitiva, sensores de monitoramento domiciliar, relógios com geolocalização e plataformas de telemedicina contribuem para maior segurança, autonomia e bem-estar dos pacientes, além de oferecerem suporte adicional aos cuidadores. A ABRAz acompanha com atenção os avanços nessa área e incentiva a pesquisa e a incorporação responsável dessas inovações na prática clínica. No entanto, reforçamos que a tecnologia deve ser vista como complementar e não substitutiva ao vínculo humano, que continua sendo o alicerce do cuidado em demência.
Diante de estudos científicos que apontam potenciais neuroprotetores da Cannabis, qual a posição da ABRAz sobre o uso da Cannabis medicinal como terapia complementar em pacientes com Alzheimer, especialmente nos estágios iniciais?
A ABRAz acompanha o avanço das pesquisas sobre cannabis medicinal no contexto da doença de Alzheimer e outras demências. Embora ainda não haja evidência robusta para o uso da Cannabis com finalidade de modificação da progressão da doença e/ou manejo de sintomas específicos, estudos pré-clínicos e algumas investigações clínicas pontuais sugerem que certos canabinoides, como o CBD e THC, podem ter potencial para aliviar alguns sintomas neuropsiquiátricos como agitação, ansiedade e distúrbios do sono. Dessa forma, consideramos que maiores evidências científicas são necessárias antes de recomendar o uso da Cannabis medicinal no tratamento da doença de Alzheimer e outras demências, conforme as recomendações das principais sociedades médicas no assunto.
Defendemos o investimento contínuo em pesquisa de qualidade no assunto, visando encontrar opções terapêuticas seguras e eficazes para os pacientes com essas condições.
A importância do diálogo sobre Cannabis com entidades como a Associação Brasileira de Alzheimer
Dialogar e informar. Conscientizar e apresentar dados e pesquisas científicas com o que há de mais inovador, e com tecnologias de ponta, sobre o possível potencial da Cannabis no tratamento de condições que ainda são extremamente desafiadoras para profissionais da saúde, e também para familiares e pacientes.
E nesta busca de construir uma ponte e fazer um trânsito seguro, e confiável, com entidades médicas e associações de pacientes, o portal Cannabis & Saúde entrevistou, desta vez, o Dr. Bruno Diógenes Iepsen, neurologista e membro do Conselho da Diretoria Científica Associação Brasileira de Alzheimer – ABRAz.

O que diz a ciência sobre Cannabis no tratamento dos sintomas do Alzheimer?
As pesquisas sobre o uso de fitocanabinoides, como o Canabidiol (CBD) e o Tetrahidrocanabinol (THC), no tratamento da Doença de Alzheimer apontam para um horizonte promissor na medicina neurodegenerativa. Embora os ensaios clínicos ainda estejam nas etapas iniciais, os resultados preliminares indicam avanços significativos no manejo dos sintomas comportamentais relacionados à demência.
Um estudo recente, publicado na revista Alzheimer’s Research & Therapy em maio de 2025, trouxe à tona evidências encorajadoras sobre o efeito do CBD nos sintomas da doença. Conduzida por uma equipe de cientistas da Universidade de Barcelona, a pesquisa demonstrou que o canabidiol atua em múltiplos mecanismos biológicos vinculados à condição, proporcionando alívio e sugerindo a possibilidade de transformar radicalmente a rotina tanto de pacientes quanto de cuidadores – familiares ou profissionais de saúde que acompanham estes pacientes.
De acordo com os pesquisadores, o CBD exerce seus efeitos por meio da interação com dois receptores fundamentais do sistema endocanabinoide: o receptor CB1, predominantemente localizado nos neurônios, e o receptor CB2, presente nas células imunológicas do sistema nervoso, como a microglia. A ativação do receptor CB1 está associada à proteção e regeneração neuronal, enquanto a interação com o CB2 desempenha um papel crucial na modulação da inflamação cerebral. Além desses, o canabidiol também interage com outros receptores, como os de serotonina e adenosina, o que pode elucidar seus efeitos amplos e potencialmente benéficos.
Outro estudo realizado em Israel, que incluiu cerca de 30 pacientes e utilizou óleos com 22% de THC e 0,5% de CBD ao longo de 12 semanas, revelou resultados promissores. Os participantes relataram uma redução significativa nos níveis de agitação, distúrbios do sono, irritabilidade e apatia, com 45% dos envolvidos indicando uma melhora cognitiva clínica.
E, por fim, uma revisão de estudos de 2019 apontou que tanto o THC quanto o CBD desempenham um papel fundamental no aumento da diferenciação celular e na expressão de importantes proteínas neuronais, além de exercer um efeito restaurador em cérebros afetados por déficits neurocognitivos.
Porém, mesmo com resultados promissores o acompanhamento médico é imprescindível no uso da Cannabis em pessoas com Alzheimer e a comunidade científica reforça que somente através de estudos robustos, com amostras maiores e acompanhamento prolongado, ou seja com mais tempo, será possível, de fato, confirmar o papel terapêutico e estabelecer diretrizes para o uso da Cannabis no tratamento do Alzheimer.
O caminho à frente promete ser um misto de esperança e necessidade de comprovação, refletindo as complexidades e desafios do manejo da Doença de Alzheimer.
: O acesso legal à Cannabis medicinal no Brasil é permitido mediante indicação e prescrição de um profissional de saúde habilitado. Caso você tenha interesse em iniciar um tratamento com canabinoides, consulte um profissional com experiência nessa abordagem terapêutica.
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