A live intitulada “Cérebro, Dor e Alívio: o potencial terapêutico da Cannabis no tratamento de ELA” reuniu os profissionais que abordaram, com rigor e sensibilidade, as nuances do tratamento contemporâneo — muito além do uso da Cannabis — da Esclerose Lateral Amiotrófica, reforçando o protagonismo do diagnóstico precoce e da imprescindível abordagem multidisciplinar na condução da doença.
A transmissão trouxe à tona discussões essenciais com a participação do neurologista Dr. Marco Orsini e de Tatiana Mesquita e Silva, vice-presidente da Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABrELA). Juntos, eles desconstruíram o pensamento tradicional que circunda a ELA e lançaram luz às novas realidade que a ciência e a prática clínica vêm ofertando.
Esclerose Lateral Amiotrófica: da doença à síndrome
O Dr. Orsini foi enfático ao destacar que o termo “doença” pode não abarcar a complexidade da ELA, hoje considerada uma síndrome devido à sua heterogeneidade fenotípica. “O Canabidiol não é um fitoterápico modificador de doença no contexto da ELA. Hoje quando a gente fala em ELA, a gente começou a utilizar um outro termo, não é doença, é síndrome de tanta variabilidade fenotípica dos pacientes. Por isso que avaliamos tanto o paciente e não a condição”, explicou.
Para o médico, é fundamental compreender que a ELA não é apenas uma fatalidade. Segundo ele, as evidências recentes indicam que a questão genética é maior do que se supunha anteriormente — cerca de 25% dos casos possuem origem genética, contra os 10% tradicionalmente aceitos — modificando paradigmas e influenciando estratégias de tratamento.
Quando falamos em síndrome, estamos nos referindo a um conjunto de sinais e sintomas que caracterizam um curso de doença, o que significa que nem todos os pacientes apresentam os mesmos sintomas. Por isso, os profissionais pontuaram que a ELA não pode ser descrita como uma enfermidade com um caminho inexorável e incontornável, sem possibilidade de algum tipo de controle ou variação. Existem pacientes que respondem muito bem ao tradicional medicamento Riluzol, enquanto outros não apresentam qualquer benefício, e o mesmo ocorre com o uso da Cannabis medicinal.
A experiência clínica demonstra que a evolução da ELA é extremamente heterogênea. Tatiana ressalta ter um paciente com quase 15 anos de diagnóstico que nunca utilizou Riluzol, exemplificando como não há um padrão único de progressão da doença. Assim, é essencial analisar cada caso individualmente, evitando generalizações e médias que não refletem a realidade diversificada dos pacientes. Além disso, as equipes multidisciplinares atuais estão cada vez mais capacitadas para manejar esses casos com precisão.
Um ponto fundamental destacado por Tatiana é a importância de promover autonomia e funcionalidade para o paciente, focando especialmente na manutenção das funções respiratórias, da fala e na prevenção de complicações como a broncoaspiração. Ela alerta que abordagens inadequadas podem agravar o quadro clínico, mostrando que o cuidado personalizado e especializado é um componente decisivo no manejo da ELA.
A pedra angular do tratamento: multidisciplinaridade e individualidade
Embora a ELA permaneça sem uma cura definitiva, o progresso no manejo clínico permite hoje oferecer aos pacientes uma perspectiva mais digna e confortável, assegura Tati. Nesse contexto, o tratamento multidisciplinar emerge como pilar inquestionável. O neurologista salienta que prescrever Canabidiol ou qualquer outra medicação isoladamente é insuficiente se não houver concomitância com fisioterapia, suporte psicológico e acompanhamento familiar estruturado.
“A história natural da ELA, a sobrevida da ELA hoje, e o que se oferta hoje é tratamento de reabilitação. Equipe interdisciplinar não pode mais colocar a ELA como era em 1869 que foi descrita pela primeira vez. A ELA mudou. E o Canabidiol não pode ser uma arma útil se ele não for utilizado em um contexto muito amplo, ou seja, não adianta nada a gente prescrever Canabidiol para um paciente que não faz fisioterapia. Ou prescrever antidepressivo para um paciente que não tem suporte da família”.
Ele ressalta, também, que a evolução da doença não é linear nem uniforme. E que há pacientes com períodos prolongados de estabilidade e outros com progressão acelerada. Assim, os especialistas concordam com o enfoque singular, olhando para cada caso com respeito à sua individualidade.
Neste sentido, Tatiana Mesquita, acrescenta que a equipe multidisciplinar, composta por neurologistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e psicólogos, desempenha papel vital não apenas no controle dos sintomas físicos — como dor, rigidez muscular e dificuldades respiratórias — mas também na preservação da autonomia, autoestima e qualidade de vida.
“Uma abordagem equivocada ou a falta de orientação adequada pode agravar o quadro, como no caso das broncoaspirações decorrentes da falha em adaptar a dieta e a consistência alimentar”, alerta a vice-presidente da ABrELA.
Cannabis medicinal: aliada alternativa com prudência e rigor científico
Quanto ao uso da Cannabis medicinal, tanto Dr. Orsini quanto Tati foram firmes ao esclarecer que o Canabidiol não se configura como um fitoterápico modificador do curso da ELA, mas pode funcionar como ferramenta auxiliar no controle dos sintomas, sobretudo da dor neuropática e da espasticidade muscular que deterioram a qualidade de vida dos pacientes. Porém, depende do caso e da individualidade de cada paciente.
O papel da ABrela no Brasil
No Brasil, a realidade para os pacientes com ELA ainda esbarra em obstáculos burocráticos, falta de informação qualificada e dificuldades no acesso a tratamentos. A ABrELA desempenha papel crucial nesse contexto, oferecendo apoio, orientação jurídica e esclarecimento, além de batalhar pelos direitos dos pacientes.
Caminhos futuros: da pesquisa à humanização do cuidado
Por fim, a live “Cérebro, Dor e Alívio” não apenas dialogou, mas sobretudo instigou o debate sobre caminhos futuros para o tratamento da ELA. E reafirmou a necessidade inexorável de humanização do atendimento, da empatia e do cuidado integral, pois, como concluiu Dr. Marco, “atender o paciente com ELA é cultivar um jardim: é preciso aparar, adubar, cuidar com delicadeza para que a qualidade de vida floresça, mesmo diante das adversidades”.
𝗜𝗺𝗽𝗼𝗿𝘁𝗮𝗻𝘁𝗲: O acesso legal à Cannabis medicinal no Brasil é permito mediante indicação e prescrição de um profissional de saúde habilitado. Caso você tenha interesse em iniciar um tratamento com canabinoides, consulte um profissional com experiência nessa abordagem terapêutica.