Fabrício Pamplona publicou seu primeiro artigo de pesquisa sobre Cannabis em 2004. Ao longo de duas décadas dedicadas a esse campo, o cientista e empreendedor brasileiro, que possui doutorado em farmacologia, testemunhou diversas transformações na área. Mas o que podemos esperar no setor da Cannabis em 2025? Quais são, de fato, as perspectivas futuras?
De acordo com Pamplona, embora tenhamos avançado consideravelmente, o futuro da Cannabis medicinal em 2025 no Brasil será moldado por três fatores essenciais: a biotecnologia, a nanotecnologia e o controle de qualidade. Esses elementos, segundo ele, são fundamentais para impulsionar inovações e aprimorar a eficácia e segurança dos tratamentos com derivados da Cannabis no Brasil.
“Há várias tecnologias promissoras na área da Cannabis medicinal. A principal delas é a tecnologia de formulações, como a nanotecnologia, que se destaca pelo aspecto de melhora de biodisponibilidade. E é uma área que vem se desenvolvendo. Já existem formulações no mercado, mas poucas evidências objetivas. Vejo projetos com entrega intranasal, além de biotecnologia para uso oral. Tecnologias para absorção dérmica e mucosa. E isto dentro de tecnologias farmacêuticas, ainda há muito por vir“.
Além de pesquisas e consultorias, Pamplona também é quem comanda a cativante newsletter “Da Bancada ao Mercado”, com assinatura gratuita para quem quer saber como empreender com a planta. “Tem muita oportunidade para quem quiser empreender com a Cannabis ano que vem”, salienta.
Veja a entrevista com Pamplona aqui:
Quais são os principais avanços recentes e inovações científicas nas pesquisas sobre os efeitos medicinais sobre a Cannabis e como novos estudos podem moldar os tratamentos?
“Já passamos daquele primeiro momento em que o CBD era visto como exclusivo para epilepsia e a Cannabis era vista pela classe médica somente como o CBD. Avançamos sobre o THC. E o seu uso diferente. Então o primeiro ponto é a consolidação dos aspectos terapêuticos do THC, sobretudo no uso de controle de dor crônica. A dor oncológica, por exemplo, é algo que o CBD não consegue ajudar muito bem. Ele gera bem-estar, mas ele não controla as dores e dores neuropáticas de maneira geral. Há casos no Brasil emblemáticos de substituição do uso de opioide por canabinoides e eu acredito que é uma sombra do que está acontecendo nos Estados Unidos na crise dos opioides.
A segunda coisa que vejo se relaciona com doenças neurodegenerativas. Esse ano foi concluído na Universidade Federal de Santa Catarina, a UFSC, aqui no departamento de fármaco, de onde eu vim, o maior estudo do planeta sobre canabinoides e Parkinson. Então o Parkinson ainda era uma incerteza. Muita gente se refere a um vídeo bem famoso que tem na internet, mas essa era a principal evidência quando alguém queria conversar com o médico. E esse estudo no Brasil usando o CBD e o THC, 1:1, ou seja, também dentro dessa temática de perda de preconceito em relação ao THC, comprovou com mais de 200 pacientes que usa o oral dessa substância reduz os sintomas do Parkinson e não só os sintomas emocionais, mas também os sintomas motores, isso é um grande avanço deste ano.
E como terceiro ponto, vou colocar a consolidação de uso no autismo, por exemplo. Primeiro começando com uma terapêutica com CBD e depois com THC. Há ainda o uso em casos de enxaqueca. E uma notícia legal é que está sendo criada uma rede de pesquisadores brasileiros em canabinoides. Já teve a primeira reunião esse mês e essa troca de informação pode trazer ao público a fronteira do conhecimento”.
Uma rede de pesquisadores brasileiros em canabinoides? Que incrível, é uma rede de cientistas de universidades?
A iniciativa é de um pesquisador do Hospital Albert Einstein. Então a gente tem grandes instituições. Inclusive privadas se envolvendo em pesquisa clínica com canabinoides.
O mercado da Cannabis medicinal teve um crescimento de 22% no último ano segundo o relatório da Kaya Mind e alcançou 853 milhões de reais de movimentação. Como empreender nesse mercado tão promissor, mas ainda tão difícil?
“Eu vivo respondendo essa pergunta porque muita gente que está querendo começar me procura. Concordo que o mercado ainda é promissor perto do tamanho que ele pode chegar, mas ele já é um mercado bastante real.
Claramente já existem empresas grandes, com faturamentos grandes, e quando a gente fala de produtos e de extratos, ele está bastante concentrado e bastante voltado à Indústria Farmacêutica, pela natureza da regulamentação do Brasil. Então dentro desse cenário, obviamente, a ideia ingênua de que ‘vou montar uma Indústria Farmacêutica’, não é uma opção, né? Exceto se você tenha dinheiro infinito e ache que essa é a sua missão de vida.
Mas eu não recomendaria começar por aí. Existem outras oportunidades, inclusive oportunidades surgindo pela mudança regulatória e quando as coisas mudam, quando a regra do jogo muda, ninguém está muito preparado e isso dá uma chance para as pessoas novas que querem entrar.
Recomendo começar pelas fronteiras novas que estão se abrindo. É como se alguém tivesse capinando o mato, ali na fronteira você tem mais chance de desbravar e ter sucesso do que onde a coisa já está bem estabelecida. Então, a primeira mudança recente que eu acho que traz uma oportunidade é o mercado veterinário, não há nenhum produto registrado no mercado veterinário, e o Mapa não tem ainda certeza sobre os procedimentos.
A regulamentação autoriza a prescrição veterinária, mas ela não fala sobre produtos dedicados. E a segunda coisa são as farmácias de manipulação, acredito que a RDC 327 vai inserir as farmácias de manipulação.
É uma maneira pela qual a regulamentação avança, pela qual a Anvisa também costuma se atualizar. O judiciário chega antes e concede autorizações. E aí basicamente a Anvisa tem que se adequar a uma realidade que já existe.
A terceira questão, que eu acho que está cada vez mais consolidada no Brasil, que são as associações. Já existem associações muito grandes com praticamente uma produção industrial, mas ainda existem as associações menores que basicamente prestam serviço.
Vamos ver como será a regulamentação do cultivo de cânhamo, me parece que há uma discussão para que ela seja inclusiva das associações. E isso, sim, traria uma grande oportunidade. Às vezes quando eu falo isso as pessoas me chamam de ingênua e falam que sou muito otimista, que esse viés é todo industrial, mas acho que não. E a Anvisa tem sido bastante sensível em ouvir as necessidades dos pacientes.
Atualmente, estou envolvido em uma pequena holding de investimento só com iniciativas que não estão relacionadas diretamente ao produto. E tem uma camada de serviços bem interessante que pode trazer oportunidades”.
Quais serviços que podem trazer oportunidades? Mas para uma profissional, por exemplo, que não seja veterinária ou farmacêutica, mas que queira empreender e acredite no potencial da Cannabis?
Hoje existe uma empresa chamada Fitocanabica que produz marketing digital e o conteúdo para outras empresas. Entre todos os sites que mais vendem canabinoides no Brasil esta é a de maior crescimento. E não aparece, está nos bastidores, ela entrega marketing digital e conteúdo. Já na linha de controle de qualidade e certificação de produtores, está na hora de surgir uma espécie de ‘Reclame Aqui’ de empresas de Cannabis. Tem coisas muito interessantes e muito curiosas para serem feitas. Algumas já com exemplos no exterior e no Brasil ainda não existem.
Fabrício, em novembro desse ano o STJ autorizou o cultivo de Cannabis com baixo teor de THC voltado à produção de medicamentos e outros subprodutos com fins exclusivamente medicinais, farmacêuticos ou industriais. A decisão foi um marco e foi muito importante. Como você vê essa nova regulamentação? E quais são as suas apostas para essa definição que depende da Anvisa ou da União no prazo de seis meses?
Sim, esta foi uma ação que já vinha se desenrolando há uns dois anos e a maior parte das pessoas não conhece esse background.
E isso tudo surgiu com uma autorização que foi concedida, uma eliminar para cultivo de cânhamo no Brasil, no interior de São Paulo e que depois foi cassada pela Anvisa. Essa ação inicial gerou um precedente para uma segunda ação que foi essa da DNA, empresa que teve êxito. Basicamente, ela solicitou o cultivo de cânhamo considerando que o cânhamo não tem potencial entorpecente. Então foi essa é a argumentação.
Só que no Brasil não existe essa diferença entre cânhamo e Cannabis. Então olha que interessante o nível de transformação que essa decisão vai trazer no Brasil. A primeira coisa vai ser distinguir cânhamo de Cannabis. O Brasil dentro dos grandes mercados de canabinoides é um dos poucos que não tem essa distinção. Então a gente tem vários países da Europa em que o cultivo de Cannabis é permitido, Estados Unidos, por exemplo, obviamente como uma grande potência. Mas quando a gente vai para Ásia, Índia e China nunca foi proibido. Faz parte da cultura. Aqui no Brasil era uma espécie de tabu. E vai cair por terra e é muito legal. O cânhamo poder ser cultivado, nesse primeiro momento, para fins medicinais, abre precedentes muito interessantes e de novas oportunidades também no mercado agroindustrial.
É uma planta muito completa, muito interessante e o uso medicinal do CBD, na verdade, é o mais recente deles. Antes isso já tinha como alimento, sobretudo da semente que tem bastante óleo e bastante proteína. Inclusive já tive a chance de presenciar isso na Ásia, onde se cultiva cânhamo para nutrição animal. E essa é uma indústria que tem um grande potencial no Brasil dado a vocação agroindustrial. A produção de cânhamo para nutrição animal e para nutrição humana também.
A definição de cânhamo é muito subjetiva, não é mesmo? Como é que você entende essa definição? Como é que ela vai acontecer aqui no Brasil?
Essa decisão abriu precedentes. Pois os detalhes a gente vai saber na regulamentação da Anvisa. Hoje a definição é basicamente de acordo com o teor de THC, acima de 0,2 ou acima de 0,3. Dependendo do país. Mais de 0,3% do THC a planta é considerada entorpecente. Abaixo disso ela não é. Entendo que o Brasil vai adotar basicamente essa mesma regra. Mas o que se chama de cânhamo hoje é uma variedade grande de plantas se comparado ao que era antes. O cânhamo voltado a produção de fibras são plantas super compridas, com três, quatro metros de altura praticamente sem flores. Mas é nas flores que você encontra os canabinoides. Então para a finalidade de CBD você começou a selecionar e produzir variedades de cânhamo menores e com muito mais folhas e flores.
Essas definições estão caindo por terra, elas já não se aplicam porque há muita mistura. E características morfológicas diferentes. Então essas definições são meio artificiais.
Mas só para terminar: há oportunidades enormes no setor do agroindustrial. Provavelmente no setor de alimentos também. Depois do setor de saúde e talvez no setor têxtil. Mas, diretamente, as pessoas vão poder plantar Cannabis para extração do CBD no Brasil. E eu acho que isso é uma grande vitória. Vamos ver se essa vitória vai ser mais do setor industrial, de novo voltando aquela dicotomia, ou se vai ser mais inclusivo. E vai permitir que qualquer pessoa possa ter uma fazenda para vender para empresas que extraem ou criar uma pequena estrutura de extração.
De qualquer maneira, as expectativas para 2025 em relação à indústria da Cannabis são muito positivas, certo?
“Certo. A gente vai passar do 1 bilhão. Não tem dúvida disso em termos de valores de mercado e, pela primeira vez, vamos ter a chance de verticalizar esse processo todo. Da semente ao medicamento, vamos dizer assim, o que é de fato um sinal da maturação desse mercado no Brasil. Esse é o grande marco: finalmente vamos ter um mercado verticalizado no Brasil.
Vamos ver como será a regulamentação, mas a Anvisa tem sido bastante ágil em adaptar as coisas, eu acho que ela vai vir com uma regulamentação um pouquinho conservadora em termos das proteções que ela vai exigir para que você tenha um cultivo. Acredito que vai ser um cultivo em estufa, por exemplo, não vai ser um cultivo aberto. E vai ter que ter um nível de segurança. A Anvisa vai se atualizando e vai modificando de acordo com a experiência acumulada. A Anvisa está tendo uma postura responsável em relação a esse tópico”.
Quais são os principais desafios regulatórios que ainda existem em relação a pesquisas científicas no uso da Cannabis medicinal aqui no Brasil?
“Eu venho de uma época que a gente fazia pesquisa sem autorização nenhuma. Já tive THC e CBD do próprio Mechoulan no laboratório. Já fiz a pesquisas com essas substâncias vindo de Israel e não tinha qualquer autorização. No segundo momento, a gente conseguia tirar autorização para importar as substâncias. A primeira vez que eu tentei por esse caminho, perdi toda a doação. Isso foi em 2005.
Hoje em dia o cenário é muito diferente, você consegue tirar uma autorização especial de pesquisa. Se for uma universidade ou uma autorização especial, se for uma empresa e realizar pesquisas com canabinoides oficialmente”.
Última pergunta: quais seriam as regras de ouro para quem quer empreender no setor da Cannabis no Brasil?
“A primeira coisa, obviamente, tem que entender muito a respeito do sistema endocanabinoide da planta e do tipo de patologia que serve. Cannabis não é uma panaceia, ela serve para bastante coisa, mas tem motivo científico. Segunda coisa: entender profundamente da regulamentação. Não dá para fazer negócio em saúde sem entender as regras do jogo, sem entender a regulamentação. É muito comum chegar empreendedores para mim, e até investidores, querendo copiar o que acontece nos Estados Unidos. Mas o setor regulatório do Brasil é muito diferente do americano, que é muito diferente do colombiano e que é muito diferente do europeu.
Terceiro é buscar um diferencial. Não dá mais, a essa altura do campeonato, para fazer empresas semelhantes às que já existem. Como é que a gente cria diferencial? Com tecnologia, posicionamento de produto, com nicho geográfico. Eu quero instigar as pessoas a serem mais criativas.
E entender onde existem as lacunas. Cada vez que a gente tem um avanço, por exemplo regulatório, esse avanço cria oportunidades e tem lacunas onde empresas não estão atuando”.
𝗜𝗺𝗽𝗼𝗿𝘁𝗮𝗻𝘁𝗲: O acesso legal à Cannabis medicinal no Brasil é permitido mediante indicação e prescrição de um profissional de saúde habilitado. Caso você tenha interesse em iniciar um tratamento com canabinoides, consulte um profissional com experiência nessa abordagem terapêutica.