Para Beltrina Côrte, uma das maiores autoridades nacionais em gerontologia, Cannabis e envelhecimento ainda são tabus na sociedade brasileira que devemos romper com um elemento imprescindível: informação criteriosa de qualidade. esses dois fenômenos — o envelhecimento da população e a medicina à base da Cannabis — permanecem estigmatizados, mas também como o diálogo informado e abrangente pode esclarecer e transformar essa realidade.
Envelhecimento: Ainda precisamos dizer que é um processo humano e natural, assim como a Cannabis
“Não resta dúvida de que a Cannabis olha para o ser humano em sua totalidade, não apenas para a doença,” pondera Beltrina, que é CEO e fundadora do Portal do Envelhecimento, organização que nasceu no âmbito de sua pesquisa acadêmica em gerontologia na PUC-SP.
Pepe Mujica, com sabedoria simples e profunda, dizia que “só fica velho quem vive muito”, lembrando que o envelhecimento não é um fardo, mas um privilégio conquistado por quem atravessa a vida. Nesta mesma linha, Beltrina observa que o envelhecimento deve ser compreendido holisticamente, abarcando dimensões biológicas, sociais, culturais e econômicas que afetam o indivíduo e a sociedade.
“É uma visão que não se restringe às doenças, mas que valoriza o bem-estar integral do ser que envelhece”.
Beltrina, que aos 66 anos se declara orgulhosamente “uma velha” — termo para muitos carregado de conotações negativas —, insiste na urgência de desconstruir preconceitos:
“Há muito horror, muitas resistências diante da palavra velho. Para mim, envelhecer é um orgulho. Contudo, reconheço que para muitos ainda é um problema. A sociedade precisa romper com esses estigmas”.
Brasil: um país de velhos?
Com vasta experiência, Beltrina ressalta como o Brasil atravessa uma transformação demográfica inexorável. Dados do IBGE apontam que a população com 60 anos ou mais, que em 2010 equivalia a 10,8%, deverá superar 18% até 2030. Essas mudanças impõem desafios estruturais e demandam políticas públicas eficazes que abarquem saúde, previdência, assistência social e adaptação do mercado de trabalho e da infraestrutura urbana.
Cannabis: uma aliada das pessoas com 60+?
Neste cenário, a Cannabis emerge como uma terapia que desafia a rigidez do sistema tradicional, oferecendo um cuidado que prioriza o ser e seu bem-estar integral. Beltrina é convicta dessa abordagem, relatando sua experiência pessoal com o uso do CBD há cinco anos para controle da ansiedade:
“Tomo minhas gotinhas de CBD todos os dias de manhã e à noite. E para mim tem sido muito bom. Pelo menos eu não tenho acordado quatro, cinco vezes durante a madrugada, consigo ter um sono mais tranquilo“
No entanto, o preconceito que ainda circunda a Cannabis reflete, em parte, a mesma resistência que se observa ao envelhecimento: “Assim como há horror à palavra ‘velho’, acho que preconceitos semelhantes existem a novos tratamentos como o Cannabis. Então cabe muito trabalhar com uma contra-informação muito grande para mostrar para a sociedade relatos de pesquisas, para ressignificar e desconstruir”.
O papel do Portal do Envelhecimento e a formação profissional no Brasil
Fundado originalmente no ambiente acadêmico da PUC-SP, em 2004, o Portal do Envelhecimento se consolidou como uma referência na disseminação de conteúdo qualificado. Desde sua transição para uma ONG em 2013 e posteriormente para uma empresa de negócio social em 2014, sua missão permanece focada: difundir informações com rigor científico sobre o que abarca o processo de envelhecimento.
Além disso, Beltrina destaca a necessidade imperiosa de qualificação profissional: “No Brasil, ainda há uma enorme lacuna em formação para atender adequadamente a população envelhecida. O enfrentamento dos desafios do envelhecimento exige profissionais capacitados que respeitem os direitos humanos e compreendam a complexidade desse processo.”
“A gerontologia é uma área do conhecimento que surgiu nos anos 40, e que eu estudo desde os anos 80, para estudar o impacto do envelhecimento individual na sociedade e como esse envelhecimento individual também impacta na sociedade. E olhar os diversos aspectos deste processo como aspectos bio, sociais, culturais e econômicos. No portal do Envelhecimento há essa perspectiva de olhar o ser que envelhece e não unicamente que adoece. E é esta a diferença de perspectiva”, explica.
Cannabis e o desafio da polifarmácia
Por fim, outro aspecto destacado por Beltrina relaciona-se com a polifarmácia, fenômeno cada vez mais comum entre pessoas idosas, que frequentemente consomem múltiplos medicamentos simultaneamente. “É comum observarmos indivíduos utilizando entre 15 a 20 fármacos por dia”, revela a especialista. “Imagine, então, a sobrecarga química e as interações no organismo.”
“O corpo humano hoje está fragmentado em múltiplos tratamentos setorizados, o que dificulta uma visão integrada e de cuidado abrangente,” avalia Beltrina.
Nesse contexto, o papel da Cannabis pode representar uma alternativa promissora, ao trazer um olhar multidisciplinar e menos agressivo para o manejo do envelhecimento e suas comorbidades. A replicação de um cuidado holístico seria fundamental para minimizar os riscos associados à polifarmácia, promovendo qualidade de vida sem agravar a já delicada carga medicamentosa que acomete muitos idosos.
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Por uma sociedade informada e inclusiva
O encontro entre o envelhecimento populacional e a incorporação da Cannabis como ferramenta terapêutica representa um convite para que a sociedade brasileira reveja suas visões preconcebidas. A superação desses tabus demanda, sobretudo, investimento em informação criteriosa e pesquisa científica, aliada a uma comunicação clara e acessível.
Como pondera Beltrina, o olhar deve mudar do adoecimento para o ser que envelhece. E a Cannabis pode ser parte desse cuidado, promovendo bem-estar e qualidade de vida? Segundo ela, não há dúvidas que sim.
𝗜𝗺𝗽𝗼𝗿𝘁𝗮𝗻𝘁𝗲: O acesso legal à Cannabis medicinal no Brasil é permito mediante indicação e prescrição de um profissional de saúde habilitado. Caso você tenha interesse em iniciar um tratamento com canabinoides, consulte um profissional com experiência nessa abordagem terapêutica.