Nos EUA, 11% dos óleos vendidos como CBD não trazem nada do produto. Em 51% deles, o teor é menor do que os 20% prometido no rótulo. Por outro lado, 15% deles traziam mais de 120% do que o esperado. Os dados foram divulgados no final de 2019 pela americana Leafly Certified Labs. Embora não existam números similares disponíveis no Brasil, pacientes e médicos já procuram meios de verificar a qualidade dos produtos que adquirem.
No exterior, várias empresas oferecem testes para detecção de canabinoides, algumas, inclusive, usadas por polícias científicas. Mas essas não especificam se há THC ou CBD. Exemplos são o clássico Duquenois-Levine, com mais de um século de existência, mas pouco preciso. Ou o sal sintético Fast Blue, mais moderno e aceito hoje. Há também o teste de Beam, que indica a presença específica ou não de CBD ou de sua forma ácida, o CBDA.
Teste brasileiro para óleo de Cannabis
Outra alternativa disponível é o Reaja, que indica a presença de CBD por intensidade da cor do reagente. Um dos criadores do teste é o químico curitibano James Kava. Além do teste para CBD já disponível no Brasil, em breve deve lançar outro para medir a quantidade de THC nos óleos.
Como funcionam os testes?
O funcionamento do teste é simples. Quanto mais escura a mistura do óleo com o reagente, maior a concentração da substância. No caso do Reaja, o teste traz uma tabela colorimétrica que indica em minutos a concentração do óleo testado.
De acordo com a Kava, a situação no Brasil é similar a dos EUA. “A quantidade de produtos adulterados é absurda, as mães precisam saber o que estão dando para seus filhos”, diz. Ele lembra de um caso em que o óleo errado acabou dando certo: a mãe da criança com Síndrome de West dava um óleo que prometia ter alto CBD. Depois de usar o Reaja, eles descobriram que o óleo tinha alto THC. Neste caso, a criança respondeu muito bem, mas nem sempre é assim.
Uma história de redução de danos
O Reaja começou em 2015 com Kava e Fabiano Soares, ambos químicos. Kava explica que o nome da empresa tem duplo sentido. “Reaja é a reação da substância e também o chamado: reaja contra a falta de informação do produto”.
Em parceria com diversos grupos de redução de danos, ele trabalhavam em raves e festas eletrônicas, oferecendo aos usuários a oportunidade de um consumo informado. Entre os grupos, estavam o Coletivo Balance, o Changa, o Lotus, entre outros. Faziam testes de LSD, ecstasy (MDMA), NBOMe, numa prática conhecida como redução de danos. Nela, não se atrela abstinência como a única forma de solucionar o problema das drogas. O uso é aceito, desde que seja repensado, numa construção de alternativas para melhorar a vida do indivíduo. “Se não conseguimos evitar que a pessoa use drogas, que pelo menos ela o faça de forma consciente, sabendo o que tem ali”, Kava explica.
A chegada dos testes para Cannabis
Em 2016, Soares concluiu um mestrado em Cannabis no Uruguai e se consolidou a ideia de trabalhar com a planta. Kava explica que o Reaja se diferencia dos demais testes por ter mais precisão (2% de margem de erro), ser específico para CBD, principalmente trazer a tabela colorimétrica, que registra a quantidade da substância presente na amostra.
Ainda em 2018, o teste ficou pronto, já com demanda do mercado. Inicialmente, veio de pacientes, principalmente mães de pacientes, preocupadas em dar o melhor óleo a seus filhos. Em seguida, de cultivadores da planta, que queriam confirmar a composição do óleo que produziam e se a semente que plantavam era a desejada.
Os sócios já testaram diversos tipos de óleos importados. E lembra que encontrou vários importados que prometiam 10% de concentração e muitas vezes nem chegavam a 6%.
Potencial do mercado
Os reagentes colorimétricos são produzidos em um laboratório em Curitiba, que montaram depois de conseguir uma licença especial para a compra de produtos, alvará, licença ambiental e para o processo de manuseio de produtos. A autorização para que operassem não veio da Anvisa, e sim da Polícia Federal, que cuida de alvarás para substâncias químicas destinadas à produção e refino de drogas. Kava conta que não foi fácil descobrir o caminho para o estabelecimento legal da empreitada.
Ainda com poucos clientes pessoa jurídica, Kava antevê o potencial do Reaja para médicos, associações, laboratórios, universidades, farmácias e até para o poder público. Por ser um teste prático, rápido e preciso, o Reaja pode ser usado pelas forças policiais ainda no momento da autuação.
Futuro
Mesmo com o mercado brasileiro de Cannabis jovem, Kava já identifica uma grande diversidade de produtos bons e ruins, e o interesse geral na garantia de produtos de qualidade. No seu trabalho de consultoria com médicos, percebe um fascínio pela possibilidade de testar os óleos receitados.
O químico também lembra que já existe uma escassez de moléculas biologicamente ativas, com menos possibilidades de invenção de substâncias na indústria farmacêutica. Paralelamente, cada vez mais medicamentos perdem suas patentes. Devido a isso, ele antevê uma oportunidade para a medicina psicodélica. São substâncias proscritas que não foram devidamente estudadas como Cannabis, cogumelos, peiote, que abrem um mercado de oportunidades e possibilidades, com moléculas e combinações novas e ainda pouco exploradas. Neste cenário, os testes devem se tornar importantes aliados às pesquisas científicas que estão por vir.