A ausência de dados oficiais sobre o autismo no Brasil configura um vácuo de informação que dificulta a formulação de políticas públicas eficazes e o desenvolvimento de serviços adequados para a população autista. Em resposta a esse gap, surge o Mapa Autismo Brasil, iniciativa ambiciosa que visa coletar dados abrangentes e não governamentais sobre o perfil das pessoas autistas no país.
Inscreva-se aqui na live “Autismo e Cannabis: Tratamento, qualidade de vida e o que você precisa saber”
Conversamos com Carol Steinkopf, idealizadora do Mapa Autismo Brasil, que está nos Estados Unidos representando o projeto e participando do maior congresso de pesquisa internacional sobre o tema. Carol, que é musicoterapeuta e CEO do Mapa, enfatiza a importância de conhecer a fundo essa população para poder oferecer o suporte necessário.
Segundo ela, o levantamento de dados abrangerá aspectos como localização geográfica, investimento em terapias, tipos de terapias utilizadas e uso de medicamentos, embora sem especificar quais em sua primeira fase. A intenção é traçar um panorama do autismo no Brasil, servindo como base para pesquisas futuras mais aprofundadas, incluindo aquelas relacionadas a tratamentos específicos.
Cannabis e autismo: a ciência avança cada vez mais sobre os benefícios dos fitocanabinoides para autistas
Em relação ao uso de canabinoides no tratamento do autismo, Carol mostra que o Mapa Autismo Brasil adota uma postura cautelosa, porém aberta e interessada. Neste sentido, Carol reconhece o crescente número de pesquisas sobre o tema e relata a experiência positiva de alguns pacientes que utilizam Cannabis medicinal, ressaltando a individualidade da resposta de cada organismo e a necessidade de se encontrar a dose correta.
A profissional acompanha as pesquisas científicas, reconhecendo a crescente evidência de eficácia, mas enfatizando a importância de estudos adicionais para compreender os efeitos a médio e longo prazo. A preocupação com o acesso facilitado à Cannabis, especialmente para a população mais vulnerável, é um ponto levantado por ela.
Um estudo recente conduzido em Israel investigou o perfil de endocanabinoides em 93 crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), comparando-o com um grupo controle de 93 crianças neurotípicas. Os achados revelaram que crianças com TEA exibem concentrações séricas significativamente reduzidas de endocanabinoides como a anandamida, N-palmitoiletanolamina e N-oleoiletanolamina. Essa deficiência sugere que uma sinalização inadequada da anandamida pode desempenhar um papel na fisiopatologia do TEA, possivelmente afetando processos cruciais de neuro e imunomodulação.
Neste sentido, Carol destaca que ainda que o Mapa Autismo Brasil não se aprofunde especificamente no uso de canabinoides nesta primeira fase, ela salienta a necessidade de mais pesquisas para elucidar seus mecanismos de ação e otimizar seu uso no tratamento do autismo.
A expectativa do Mapa Autismo Brasil é ambiciosa: coletar 55 mil dados e realizar pesquisas a cada dois anos, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos
Para Carol, o Mapa do Autismo no Brasil representa um passo fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, que reconhece e valoriza a diversidade do espectro autista e busca soluções terapêuticas eficazes para melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos.
Veja a entrevista completa com Carol Steinkopf, idealizadora do Mapa Autismo Brasil
Carol, dentro das perguntas do levantamento de dados nacionais e não governamentais sobre autismo no Brasil, vocês tratam em algum momento algum ponto de conexão com tratamento com Cannabis?
A gente pergunta se a pessoa faz uso de algum medicamento, mas a gente nessa etapa a gente não específica com o medicamento. Essa fase do Mapa Autista no Brasil, que é o primeiro levantamento, a gente vai ter uma demonstração em geral do perfil da pessoa autista no Brasil.
A gente quer saber onde ela mora, quanto que ela investe em terapias, quais são as terapias que ela faz, se usa algum medicamento, mas sem especificar qual. Depois que a gente tiver o levantamento, estamos pensando em fazer outras pesquisas também que vão falar sobre a pessoa, enfim, sobre sexualidade ou aprofundar sobre terapias, aprofundar sobre a parte medicamentosa. Mas nesse primeiro momento é um apanhado mais geral.
Como vocês observam os tratamentos com Cannabis para autistas no Brasil?
Tenho lido muita pesquisa sobre tratamento de Cannabis. Particularmente, eu tenho vários pacientes que utilizam, para alguns há ganhos, e outros ainda estão procurando a dose correta. Mas sobre o Mapa, nós vamos atrás das pesquisas científicas. E temos muitos estudos que estão mostrando a eficácia. Mas acredito que a gente ainda precisa de mais estudos, pois a Cannabis vai agir de um modo diferente em cada indivíduo.
E ter mais pesquisas vai ajudar a gente a entender quais são os efeitos a médio e longo prazo. Com um acesso mais facilitado, a população mais vulnerável começa a ter acesso à Cannabis. E este era um dos meus questionamentos. A Cannabis é muito boa, mas quem não tem acesso? Há muita discussão bem ampla.
A terapia está sendo válida. E tem tido bons resultados, mas a gente não consegue ter um parâmetro porque as pesquisas estão avançando. A gente acha que todo novo tratamento que tem benefício para a população autista e que oferece esse acesso, pode ser benéfico.
Existem pouquíssimos dados oficiais em relação aos autistas no Brasil, certo?
Sim. Na verdade, não existem dados oficiais sobre o autismo no Brasil. A gente não consegue saber quantas pessoas autistas nascem. Qual é o perfil sociodemográfico? Qual é o perfil clínico? Isso a gente não consegue ter. Porque não são dados oficiais. Então, o que nós temos de dados são pesquisas, mas são pesquisas em bairros, por exemplo, num bairro de São Paulo.
Sim, foi aquela que a Mackenzie fez, certo, em Atibaia?
Isso, e hoje no Brasil é a única pesquisa feita em 2007 e publicada em 2011. E ainda não é o suficiente.
E qual é a expectativa do Mapa?
Nossa expectativa é esse primeiro retrato da população geral. Queremos levantar 55 mil dados sobre o autismo no Brasil.
A partir disso, vamos conseguir ter uma noção com este primeiro retrato. Igualmente, a expectativa é fazer a pesquisa a cada dois anos, pois tem um acompanhamento longitudinal, igual acontece aqui nos Estados Unidos. E o que a gente espera é que a partir desses dados, a gente consiga incentivar a desenvolver as políticas públicas, a inovação, novos serviços e direitos das pessoas autistas.
E, principalmente, a indústria da Cannabis olhar para esses dados e verificar o que é acessível, o que não é. Qual é o perfil dessas pessoas, como a gente pode chegar, já que está sendo um tratamento eficiente, e têm estudos comprovando isso, como que a gente pode chegar lá? Como que a gente pode oferecer acesso para população? Pois uma coisa é conhecer sobre o Transtorno do Espectro Autista. Outra coisa é conhecer quem é a pessoa autista. São duas coisas totalmente diferentes. Então, a expectativa do Mapa é conhecer quem é a pessoa autista.
É um grande desafio.
É um grande desafio, por isso que há essa campanha intensa. Meta de 55 mil dados no Brasil para a gente ter uma representatividade populacional, que não adianta ter dez dados de uma camada específica da sociedade e falar que Brasil, porque não é. Estamos estudando cada estado e cada região de cada estado, a gente percebe uma diferença muito grande do perfil da população.
Estamos trabalhando intensamente para ter esses dados de forma diversificada para conseguir criar, começar a criar esse perfil. E eu falo que esse é o primeiro retrato. Mas já vai dar para ter muitas informações, por exemplo, em 2023 nós fizemos a coleta de dados no Distrito Federal, que foi nosso projeto-piloto.
A partir desses dados do projeto-piloto, o Ministério dos Direitos Humanos, a Subsecretaria de Pessoas com Deficiência, já começaram a inserir esses dados sobre o autismo na Rede Nacional de Evidência de Direitos Humanos. Eles perceberam que realmente não temos dados. A outra ação que eles tiveram, foi o desenvolvimento do SisTEA, é o sistema integrado de dados sobre autismo no Brasil.
E que é a carteirinha que já tem já é uma política pública bem instituída no Brasil. E ela não faz a integração dos dados e não oferece relatórios sobre as pessoas que fazem a carteirinha e não fazem o acompanhamento. Então eles pegaram a ideia e transformaram para ter um embasamento de dados do Brasil inteiro e que essas informações sejam centralizadas. Então eu acredito que a partir dos dados do Mapa do Brasil vamos conseguir ter um impacto muito maior, tanto em políticas públicas e inovação, e em acesso, que a gente vai trazer esse assunto para a discussão.
A gente precisa desmistificar quais são os maiores tabus sobre autismo. A gente só consegue falar fazer isso falando.
E qual a data de terminar esse primeiro levantamento?
Bom, a expectativa é a gente conseguir 55 mil dados até dia 30 de abril. Se a gente não conseguir até lá, talvez a gente amplie uma, duas semanas.
E vocês estão com quantas participações atualmente?
Aproximadamente 12%, quase 7 mil respostas válidas, são aquelas que as pessoas começam e terminam.
A gente tem um dashboard de acompanhamento e a gente consegue internamente acompanhar o desenvolvimento da pesquisa, saber o que está respondendo e esse monitoramento ativo traz muita diferença na hora da gente desenhar as campanhas.
E acredito que agora, por exemplo, com várias pessoas divulgando também, por exemplo, Ana Maria Braga, Camila Coutinho, Anderson Silva, também são pessoas que se comprometeram a fazer vídeos, divulgar, incentivar, porque as pessoas respondem. E é por isso que a gente vai conseguir aumentar esses números.
Por que o Mapa é uma iniciativa tão relevante?
Porque a partir dos dados a gente consegue ter um embasamento de todas as solicitações e de tudo que a gente precisa.
E nós temos muitas solicitações de políticas públicas, mas política pública é feita a partir de dados. Inovação é feita a partir de dados, melhorias são feitas a partir de dados. Então, enquanto a gente não tem dados, fica muito difícil a gente conseguir lutar por direitos básicos, por políticas públicas, por acesso.
Quando a gente tem dados da população brasileira, a gente consegue ir atrás de políticas públicas, consegue desenvolver inovação, serviços, acessibilidade, promover reflexões que são importantes, por exemplo, nos dados do Distrito Federal, 77% das pessoas que responderam fizeram o diagnóstico na rede particular. Mas como assim na rede particular se é um processo tão caro? E a maioria das pessoas que responderam também são de baixa renda, e estão em vulnerabilidade social. Os dados irão trazer reflexões e insights a partir dos dados e embasamento para fazer qualquer tipo de solicitação.
Mais de 80% das ações judiciais que buscam fornecimento do CBD para crianças e adolescentes com TEA estão sendo negadas no estado de São Paulo. Você acha que esses dados do Mapa também podem impactar essa mudança em relação ao judiciário?
Eu acredito que sim, porque o judiciário vai entender a necessidade da população. Não é uma necessidade específica, não é uma pessoa só que está fazendo uma solicitação. E sim, uma comunidade muito grande.
Quando a gente tem esse embasamento, com um embasamento científico, é bem possível sim que impacte no judiciário.
O Autismo faz parte da sua vida ou conhece alguém que tenha algum familiar com esse diagnóstico? Participe da nossa live amanhã
Com o objetivo de falar sobre TEA e trazer informações sobre tratamentos, realizaremos amanhã, dia 23, às 19h, uma transmissão ao vivo com a Neurologista Infantil, Dra. Isabelle Miranda, a fundadora da Associação de Amigos do Autista (AMA), Ana Maria Mello, e o vice-presidente Autista Brasil, Arthur Ataíde, sobre o uso da Cannabis como aliada no tratamento e na qualidade de vida de pacientes autistas. Inscreva-se aqui na live “Autismo e Cannabis: Tratamento, qualidade de vida e o que você precisa saber”.
Marque sua consulta!
Se você deseja incluir a Cannabis no tratamento de alguma condição de saúde, acesse a nossa plataforma de agendamentos agora.
Aqui você encontra profissionais capacitados na prescrição da planta para avaliar detalhadamente o estado de saúde de cada paciente. Assim como seu histórico e sintomas e, com isso, definir a indicação do uso da Cannabis medicinal.