Luciana Fernandes sofre com convulsões há 36 anos. Com a Cannabis, sua família acompanha o reinício de um caminho prejudicado pela doença e por muitos efeitos colaterais de outros remédios
Talvez se a Cannabis medicinal não tivesse enfrentado tantas décadas de preconceito, a trajetória de Luciana Borges Fernandes, com 39 anos, e de toda sua família, tivesse sido diferente. Desde os três anos e meio, ela lida com intensas crises convulsivas que interferiram em todo seu desenvolvimento.
“Quando começou, ela tinha umas quatro convulsões por dia. Com o passar do tempo, foi tendo mais e mais. Chegou a ter 30 em um único dia”, conta sua irmã Renata Borges Fernandes.
Uma vida de convulsões
O desafio da família começou já na busca de um motivo para tantas crises. Uma intensa peregrinação, de médico em médico, por anos, até que conseguissem finalmente encontrar um diagnóstico.
“Quando ela já tinha de nove para dez anos descobrimos que ela tinha uma má formação cerebral. Uma doença rara que chama síndrome do duplo córtex, que causa uma epilepsia de difícil controle. Ela tomava medicamentos e nem assim cessava as convulsões e, conforme ela envelhecia, começou a ficar nítido um atraso no desenvolvimento”, afirma.
Não faltaram tentativas para tentar melhorar a qualidade de vida de Luciana. “Ela chegou a fazer uma cirurgia na cabeça quando tinha uns 18 anos. Melhorou um pouco, mas nem um ano depois voltou tudo de novo”, lembra a irmã. “Tentamos todos os modelos, todos os tipos de tratamento por muitos anos. Não adiantou nada. Tratamento espiritual. Tudo. Se alguém falasse que cocô de cachorro funcionava, daria o cocô de cachorro.”
Controle da epilepsia
Somente há cerca de dez anos, o controle da epilepsia evoluiu. Graças aos cuidados da neurologista Christina Funatsu Coelho. Mas não existe milagre. Utilizando o arsenal de tratamentos alopáticos convencionais, controlou as crises, mas progressivamente outros problemas foram surgindo. “Ela ainda tinha umas crises de ausência. Parecia que desligava um botão nela.”
“Eu dou remédio para uma coisa, porque não tem outro jeito, não tem outro remédio, e acaba danificando outras coisas. Ela engordou muito, tinha dificuldade para andar, e não fazia mais que comer sopa. Fazia xixi na cama de noite. Coisas que não tem a ver com o problema que ela tem, mas com a quantidade de medicamentos.”
A situação ficou ainda mais grave em 2019. Com dificuldade de andar, pesando mais de 100 quilos, já não conseguia subir a escada do sobrado onde mora. Em meio à pandemia, tudo se somava ao receio de levá-la para fazer exames. Quando seu quadro tornou inevitável a ida ao hospital, descobriram que seu organismo estava impregnado com os medicamentos, já consumidos em altas doses e diversidade.
Uso da Cannabis no tratamento da epilepsia
Até que Renata viu uma reportagem de uma criança de 9 anos que vivia internada devido à epilepsia e encontrou um caminho com algumas gotas de canabidiol. Começou estudar sobre o tema e, como que por coincidência, foi quando a dra. Christina sugeriu a prescrição para Luciana.
“Eu via como uma coisa boa, mas inacessível. Achava que era quase impossível começar o tratamento. Eu comecei a falar para minha mãe. ‘Olha esse caso, a menina tem a mesma coisa da Lu’. Tem um tabu muito grande. Achava que tinha que comprar no mercado negro. estudava, mas achava ser muito inacessivel, até que a doutora Christina falou: ‘vamos começar?”
Início
O início foi lento e gradual. As doses do canabidiol aumentaram gradativamente, na mesma velocidade que reduziam as doses dos medicamentos alopáticos. “Ela já chegou tomar uns 30 comprimidos, hoje ela tá tomando três só”, comemora.
“Ela é especial. inclusive, ela fala que é especial, mas sempre foi uma menina doce. Mas quando parou de andar, parece que começou a regredir. Ela tinha limitações, mas não era nada que exigisse grandes cuidados. Conseguia fazer as coisas dela. Hoje eu sinto que ela está voltando a esse normal. Estamos assistindo o renascimento dela.”
Benefícios da Cannabis
Cerca de dois anos sob tratamento com a Cannabis, Luciana perdeu 20 quilos, embora ainda esteja em processo de retirada dos medicamentos. “Fazemos exames de sangue de 15 em 15 dias e as coisa estão voltando ao normal. Eu tenho esperança que, por ela ser jovem ainda, vai poder ter um ganho grande em sua qualidade de vida.”
“Ela tá bem. Fala que está se sentindo melhor. Está se sentindo viva, feliz. Para a gente é um medicamento maravilhoso”, concluiu. “Tá se recuperando muito rápido, comparado aos 34 anos de doença.”