A fibromialgia é uma síndrome caracterizada por dor crônica difusa, fadiga, distúrbios do sono, alterações cognitivas e sensibilização central. No entanto, apesar de sua alta prevalência e dos danos causados aos seus portadores, ainda é envolta por mitos e desinformação, principalmente no que diz respeito ao tratamento com Cannabis medicinal.
Como médica especialista nessa área e como paciente de fibromialgia que tem excelente resultado com o tratamento à base de canabinoides, optei por uma abordagem diferenciada no artigo desse mês: ao invés de falarmos sobre os sintomas e o sofrimento desses pacientes, que você pode ler nos meus outros artigos aqui publicados, vamos tentar desmistificar o uso da cannabis na fibromialgia, abordando evidências científicas, benefícios, riscos e percepções equivocadas. Já é hora de usarmos a ciência a nosso favor para acabar com tanto sofrimento!
O que dizem os estudos sobre Cannabis e fibromialgia?
Estudos recentes vêm apontando resultados promissores no uso de cannabis para o manejo da dor crônica associada à fibromialgia. Um estudo observacional publicado por Sagy et al. [1] investigou a segurança e eficácia do uso de Cannabis medicinal em 367 pacientes com fibromialgia. Os resultados mostraram que, após seis meses de tratamento, 81.1% dos pacientes relataram melhora significativa nos sintomas, especialmente na dor, e 73.4% relataram melhora na qualidade de vida, com efeitos adversos geralmente leves e bem
tolerados.
Além disso, uma revisão abrangente conduzida por Goldenberg et al. [2], que analisou o uso de opioides e alternativas como a cannabis na fibromialgia, destacou a necessidade de mais estudos randomizados, mas apontou que a cannabis medicinal pode representar uma opção terapêutica válida para pacientes que não respondem bem aos tratamentos convencionais.
Desde que haja interesse real por parte dos profissionais de saúde, centenas de artigos científicos de qualidade podem ser encontrados em bases de dados de confiança corroborando os benefícios dos derivados dessa planta no controle dos sintomas da fibromialgia. Ademais, os resultados de sucessos dos pacientes que se tratam com essa terapêutica não nos deixam mentir.
Como a Cannabis pode atuar no alívio da dor?
O sistema endocanabinoide participa da modulação da dor, sono, humor e resposta inflamatória. Os fitocanabinoides como o THC (delta-9-tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol) interagem com receptores canabinoides (CB1 e CB2), ajudando a regular o limiar de dor, reduzir a hiperexcitabilidade neuronal e promover relaxamento muscular. O CBD, em particular, apresenta propriedades ansiolíticas e anti-inflamatórias sem os efeitos psicoativos do THC, o que pode ser interessante para pacientes mais sensíveis.
Outro canabinoide extremamente eficiente no controle da fibromialgia é o CBG (canabigerol). Entre outras funções, esse comporto ajuda a potencializar ainda mais os efeitos positivos e benéficos do CBD, proporcionando melhor resultado e possibilitando um tratamento mais eficaz com doses menores, o que inclusive, torna o custo do tratamento mais acessível.
Riscos e efeitos adversos: o que é preciso observar?
Os efeitos colaterais mais relatados incluem boca seca, sonolência, tontura e, em casos com THC, alterações cognitivas ou euforia. São efeitos incapacitantes? Não! E de maneira geral, se você estiver fazendo o seu tratamento com um médico qualificado e que te ofereça
um tratamento personalizado, você, muito provavelmente, não vai ter nenhum desses
efeitos atrapalhando o seu dia a dia.
A titulação lenta e individualizada é fundamental para evitar esses efeitos adversos, principalmente em pacientes com sensibilização central. O acompanhamento médico especializado é essencial para ajustar dose, formulação (óleo, vaporização, cápsulas) e perfil de canabinoides mais adequado para cada caso.
Esse cuidado médico, além de garantir uma melhor adaptação dos pacientes ao tratamento, evita os dois maiores problemas que encontro na minha prática clínica quando recebo os pacientes que dizem “não ter resultado com a Cannabis”: subdosagem – quando o
paciente usa uma dose inferior ao que ele precisaria para controlar os sintomas – ou superdosagem, quando o paciente usa uma dose tão alta que a medicação passa a piorar os sintomas, além de encarecer o tratamento.
Desmistificando alguns mitos comuns
Um dos principais mitos é o de que a cannabis causa dependência significativa. Na realidade, a taxa de dependência é baixa – podendo-se dizer quase nula – quando comparada a opioides, gabapentinoides e benzodiazepínicos geralmente utilizados nos tratamentos de fibromialgia. E o uso terapêutico guiado por profissionais minimiza esse risco. Além disso, o tratamento com derivados de cannabis não é uma porta de entrada para as drogas, como algumas pessoas que ainda não tiveram acesso a informação adequada e de qualidade podem acreditar.
Outro mito é de que Cannabis serve apenas como “último recurso”. Na prática clínica, ela pode ser introduzida mais precocemente, principalmente quando há comorbidades como ansiedade, insônia ou intolerância a analgésicos tradicionais.
Inclusive, a ciência avança a cada dia demonstrando que em muitas das doenças que podem ser tratadas com derivados de cannabis, como a fibromialgia, existe uma deficiência do nosso corpo na produção e regulação de endocanabinoides (sim, nós produzimos essas substâncias e é por isso que o tratamento funciona).
Os níveis insuficientes dessas substâncias, além do funcionamento inadequado dos receptores nos quais elas devem se encaixar, faz com que o paciente com fibromialgia sofra com os sintomas da doença, piorando sobremaneira seu quadro clínico. Você pode entender melhor sobre o assunto no artigo “Você sabe qual a importância do sistema endocanabinoide no tratamento da fibromialgia?” publicado neste portal.
Na minha prática clínica, inclusive, considero o tratamento com cannabis medicinal como primeira opção e, na maioria dos casos, após um tempo de tratamento e acompanhamento adequado, reduzo ou retiro por completo medicações tradicionais antes utilizadas pelos meus pacientes e que causavam inúmeros efeitos colaterais e piora da qualidade de vida.
Considerações finais
A Cannabis medicinal vem se consolidando como uma opção terapêutica relevante no tratamento da fibromialgia. Embora ainda existam barreiras legais e estigma social, a ciência tem avançado e oferecido respaldo ao uso seguro e eficaz desses medicamentos.
Cabe aos profissionais da saúde manterem-se atualizados e abertos ao diálogo com seus pacientes. E cabe à sociedade se mobilizar para disseminar informações sérias a respeito do assunto entendendo que esse tratamento pode ser a transformação da vida de um ente ou amigo querido.