O dentista Marcelo Cariello encontrou na Cannabis medicinal o elo perfeito entre o atendimento odontológico e a psicanálise
Não é raro para o dentista Marcelo Nobre Cariello passar de cinco a dez horas com um único paciente. Especialista em odontologia integrada e reabilitação oral, que explica como a “cirurgia plástica da odontologia”, combina uma série de procedimentos, implantes e próteses fixas, que visam corrigir problemas estéticos ou funcionais da arcada dentária em menor tempo.
“Em pacientes ligados ao meio político ou artístico, que exigem uma celeridade de tratamento, você refaz todo o sistema dentário. Uma abordagem muito ampla. Todas as especialidades estão envolvidas no trabalho de restituição oral. Isso dá uma característica de tratamento no consultório de sessões muito longas”, conta. “As vezes passa a manhã, a tarde inteira. Eu tive pacientes que ficaram o dia inteiro comigo em tratamento.”
Sessões longas e com certa frequência que acabavam aproximando médico e paciente, tanto que decidiu ampliar ainda mais sua área de atuação. “Essa convivência cria uma empatia e intimidade muito grande com o paciente. Ele, além de vê-lo como profissional de odontologia, acaba vendo como um confidente. Nessa época comecei a me especializar na psicanálise.”
“Foi muito importante, o paciente abre a boca, que é uma questão muito íntima, não só para o tratamento, mas também para expor seus questionamentos e entendimentos sobre a vida”, revela Nobre.
Um casamento que veio a calhar já que, além de demorados, muitos procedimentos, como implantes, também rendem experiências traumáticas aos pacientes, por serem muito invasivos e causarem muita dor no pós-operatório. “Você é obrigado a fazer uma cobertura no pré e pós-operatório com medicamentos muito agressivos. Bons, mas muito agressivos.”
“O paciente vem iniciar a cirurgia tenso, então você é obrigado a fazer uma cobertura de ansiolítico”, continuou. “Quanto mais tenso, está jogando uma carga de adrenalina na corrente sanguínea, que está promovendo um estado de alerta. Se está alerta, não está relaxado, o que abaixa o limiar de dor do paciente.”
Em pacientes com bruxismo – o ranger ou apertamento noturno dos dentes relacionado à distúrbios de sono – ou briquismo – bruxismo diurno relacionado ao estresse e ansiedade -, ou qualquer outra patologia que demanda tratamento a longo prazo, essa necessidade de ter que recorrer a constantes medicamentos deixa de ser viável.
“São coisas complicadas de serem tratadas depois de se instalarem. Dependendo do tratamento, não pode ter uma medicação tradicional alopática porque você vai intoxica-lo de tal maneira que vai criar outro tipo de problema”, diz. “O que me levou a estudar isso foi a proposta de alternativa. Substituir essa medicação extremamente agressiva.”
Cannabis na odontologia
Há cerca de cinco anos, a Cannabis medicinal se juntou à psicanálise para compor sua ortodontia integrada. “Como dizia o famoso padre Ticão, a erva santa. Você analisa como um todo. Como um ser, não como um órgão, a boca ou qualquer outro sistema. você aprende que aquela prescrição tem que levar em conta toda a questão comportamental, psíquica e do organismo como um todo. Por isso me encantei com a Cannabis medicinal.”
O dentista lista entre os efeitos benéficos da Cannabis medicinal o tratamento de enxaquecas de origem odontológica, relaxamento muscular, promoção de bem-estar psíquico e psicológico do paciente. Na ansiedade, atendendo tanto casos de bruxismo como ajudando na anestesia pré-operatória.
“Vou precisar utilizar pouco líquido anestésico para esse paciente. Vou fazer os bloqueios de anestesia e analgesia com muito mais eficácia e intoxicar menos o paciente.”
Benefícios da Cannabis
“Hoje, a maturidade desse estudo da Cannabis tem mostrado que é uma excelente opção com baixo índice de efeito colateral. O que me dá mais curiosidade de me estudar e alimentar de Cannabis medicinal é essa visão sistêmica do uso do óleos. Você não trata só a causa específica.”
A Cannabis entra também no tratamento de pessoas com necessidades especiais. “Como tratar um paciente autista? Tem necessidades odontológicas, às vezes muito agravadas pelo estado. Paciente com Alzheimer, Parkinson, que não para na cadeira, com espasmos musculares generalizados? Senil ou com transtorno psiquiátrico em geral?”
Ou prescreve a Cannabis medicinal ou fazer “uma carga absurdamente alta de medicações convencionais, neurológicas, psiquiátricas, e estou intoxicando esse paciente. Estou imprimindo a eles uma toxicidade orgânica muito grande, com incerteza de resultados.”
Psicanálise e Cannabis
Em sua experiência, percebeu que a Cannabis até na hora do paciente expor seu questionamento e entendimento sobre a vida. “É muito interessante acompanhar quando um paciente está em tratamento com um óleo de canabidiol, há um enriquecimento na sessão psicanalítica e na psicoterapia.”
Segundo Marcelo Cariello, é questão de tempo até que a Cannabis esteja difundida e se torne protocolo em muitas áreas. “A informação do caráter terapêutico dos óleos canabinoides estão atingindo mais a pessoas agora. Antes havia um preconceito muito grande. De ser um tratamento primitivo, alucinógeno.”
“Depois que você começa a estudar a Cannabis medicinal, vê que tudo é uma bobagem. Se trata de falta de informação e preconceito. É um trabalho que estamos iniciando, de conscientização. Esse profissional precisa ter um arsenal de informações científicas, pesquisas, estudos, que entregue confiança a esse profissional para prescrever.”
Cariello finaliza: “Eu, modestamente, estou encabeçando isso muito fortemente na odontologia. Uma ação pioneira e, com certeza, pelo aspecto do próprio psique do dentista ser um profissional curioso, aberto a novas técnicas, se fornecer esse arsenal de informações científicas balizadas, todo tipo de preconceito será quebrando e vão começar a prescrever essa medicação magnífica para nossa prática clínica.”