Recentemente, a Embrapa propôs a criação da Comissão Técnica Nacional da Cannabis, o CTNCan, que, seguindo o modelo do CTNBio, teria o potencial de promover uma sinergia de conhecimentos sobre a planta. Por outro lado, a iniciativa visaria, de certa forma, auxiliar a Anvisa na regulamentação do cultivo e uso da Cannabis no Brasil, que deve ocorrer até maio.
Para Beatriz Marti Emygdio, coordenadora do grupo de trabalho do cânhamo da Embrapa, a proposta de criação do CTNCan é uma opção certeira neste momento pré-regulamentação da Cannabis no Brasil. Em uma entrevista exclusiva, Emygdio destacou a importância de estabelecer uma comissão técnica que possa abordar de forma abrangente e colaborativa todos os aspectos relacionados ao cultivo da planta.
Também neste sentido, o relatório publicado recentemente pelo Grupo de Trabalho instituído pelo Conselho Nacional de Política sobre Drogas (Conad) recomendou a criação do CTNCan. No anexo I deste relatório, foi incluído na íntegra o parecer elaborado pela Embrapa, destacando a relevância da instituição na formulação de políticas públicas relacionadas à Cannabis.
“Uma comissão é um modelo que tem credibilidade, pois se tem uma representação de vários entes da sociedade, de vários ministérios e da academia. O que permite a robustez do sistema e que assim se possa contemplar todos os usos e as possibilidades científicas com a contribuição de todos”.
De acordo com Emygdio, essa comissão seria composta por representantes de diversos ministérios e instituições acadêmicas, abrangendo áreas de competência essenciais, como medicina, meio ambiente, e química vegetal e animal.
E, assim, a participação de múltiplos setores seria fundamental para garantir que as diretrizes e regulamentações sejam abrangentes e bem fundamentadas, levando em consideração as diversas nuances e implicações do cultivo da Cannabis.
Ou seja, a criação do CTNCan não apenas facilitaria a regulamentação, mas também promoveria um ambiente de diálogo entre diferentes setores, incluindo ministérios, academia e especialistas.
“É necessária uma regulamentação ampla”
Ainda segundo Emygdio, há urgência na regulamentação da Cannabis no Brasil. “Nós acreditamos que o melhor, considerando que já existem leis que possibilitam a definição de um decreto para regulamentar tanto o uso medicinal quanto industrial. O momento é extremamente propício”, pontua.
Para a profissional, o Brasil está perdendo o mercado e também a possibilidade de desenvolver cadeias produtivas:
“Não apenas a regulamentação de materiais específicos para uso industrial. Mas também dentro da linha do medicinal que tem uma série de coprodutos, que são matérias-primas riquíssimas. Acreditamos que essa regulamentação deveria ser o mais abrangente possível. Não só considerando regulamentar o medicinal, mas o industrial e também a regulamentação para fins científicos, que não temos e que, na verdade, está sendo muito pouco discutida. E existe a previsão legal de que a União poderia regulamentar o uso, o plantio e o cultivo de materiais que tem, inclusive de potencial entorpecente, para fins exclusivamente medicinais e científicos”, explica.
Conheça a pesquisa da Embrapa para o cânhamo que aguarda aprovação da Anvisa
Além disso, a pesquisadora da Embrapa ressalta a expectativa de que, ainda este ano, a Anvisa aprove o programa de pesquisa sobre cânhamo. Essa aprovação é vista como um passo decisivo para o avanço das iniciativas relacionadas ao cultivo da planta no Brasil.
Este programa, que está planejado para ter uma duração de 12 anos, visa explorar as potencialidades do cultivo da planta no Brasil, tanto para fins medicinais quanto industriais.
Após a obtenção da autorização da Anvisa, a Embrapa poderá desenvolver seus projetos de pesquisa, que estão estruturados em quatro eixos principais:
Recursos genéticos e melhoramento genético
Segundo Emygdio, o primeiro eixo foca na parte de germoplasma, incluindo a introdução de materiais genéticos e o desenvolvimento de cultivares adaptadas às condições climáticas brasileiras. O objetivo é garantir que as variedades cultivadas sejam adequadas ao ambiente local, promovendo a diversidade genética e a resiliência das culturas.
Manejo agronômico e fitossanitário
O segundo pilar abrange o manejo da cultura, que inclui práticas de irrigação, adubação, poda, e sistemas de produção e cultivo. Também se considera a interação com outras culturas e a rotação de culturas.
Um aspecto decisivo deste eixo é o manejo fitossanitário: “Especialmente no cultivo medicinal, que não se pode ter aplicação de agroquímicos, essa parte de controle biológico, de desenvolvimento de bioinsumos para usar nesses cultivos é muito importante”, pontua.
Pós-colheita
O terceiro pilar se concentra nas atividades que ocorrem após a colheita, como a extração de fitocanabinoides e fibras. Além da secagem e do uso dos coprodutos gerados durante esses processos. A eficiência nesta fase é vital para maximizar o valor dos produtos derivados da Cannabis.
Zoneamento e estudos socioeconômicos
Por fim, o quarto eixo envolve o zoneamento das áreas de cultivo, estudos socioeconômicos e rastreabilidade. Este componente é voltado para a “inteligência estratégica da cadeia produtiva”. E permite identificação das regiões mais adequadas para o cultivo e a análise dos impactos econômicos e sociais associados.
Por fim, esses quatro eixos formam a base do programa de pesquisa da Embrapa, que visa não apenas o desenvolvimento científico, mas também a criação de uma cadeia produtiva sustentável e eficiente para a Cannabis no Brasil.
Leia mais:
- Seis meses: STJ reafirma prazo para a regulamentação do cânhamo pela Anvisa e pela União
- THCV: Aceleração metabólica, controle glicêmico e neuroproteção
- Estudo de caso: o CBD e os sintomas de paciente com Parkinson
𝗜𝗺𝗽𝗼𝗿𝘁𝗮𝗻𝘁𝗲: O acesso legal à Cannabis medicinal no Brasil é permito mediante indicação e prescrição de um profissional de saúde habilitado. Caso você tenha interesse em iniciar um tratamento com canabinoides, consulte um profissional com experiência nessa abordagem terapêutica.